quarta-feira, 26 de março de 2008

Taiwan, a província rebelde

Nas últimas semanas, além da complicada situação das revoltas populares no Tibete, uma nova ameaça de crise internacional despertou a preocupação não somente da China, mas, também, da opinião pública internacional.

No ímpeto de convencer a população a não votar no candidato nacionalista, o opositor e candidato democrático, Frank Hsieh, declarou que a vitória do seu concorrente político - considerado pró-China - teria transformado a ilha de Taiwan em um novo Tibete. Ele defendia - como o presidente Chen Shuibien - a independência de Taiwan da República Popular da China, que até hoje considera o país como uma província rebelde.

Esta ilha, conhecida também com o nome de Ilha Formosa – nome dado pelos portugueses no séc. XVI – encontra-se a cerca de 150 quilômetros do litoral chinês. Originariamente povoada por aborígines, Taiwan foi colonizada pela China no séc. XVI, com a dinastia Qing. Após a vitória do Japão sobre a China, em 1895, Taiwan tornou-se colônia japonesa até 1945, quando voltou à soberania chinesa. Poucos anos depois, em 1949, com a vitória de Mao Zedong, o governo nacionalista de Chiang Kai-shek refugiou-se na ilha, sob a proteção dos Estados Unidos, proclamando Taiwan como a verdadeira e única República da China. Ela foi reconhecida como tal pela maioria dos governos ocidentais até 1971, quando os Estados Unidos decidiram reconhecer a República Popular da China de Mao Zedong e admiti-la na ONU - como um dos cinco membros do seu Conselho de Segurança - no lugar de Taiwan. Hoje, são pouquíssimas as nações que mantêm ainda relações diplomáticas com Taiwan.
De 1949 a 1999, o Partido Nacionalista esteve sempre no poder, governando a população taiwanesa com mão de ferro. Em 2000, pela primeira vez o Partido Democrático Progressista ganhou as eleições, inaugurando no país a democracia. A vitória do Partido Democrático suscitou preocupações na China, já que uma das reivindicações do Partido Democrático sempre foi a proclamação da independência de Taiwan. Desde então, começou um jogo de forças entre os dois poderes. Contudo, o desejo independentista do governo democrático de Taiwan nunca recebeu apoio internacional, aliás, as tentativas neste sentido sempre foram desaconselhadas, principalmente pelos Estados Unidos e outros governos ocidentais que consideram a proposta chinesa: “Uma China – Dois Sistemas”, uma possível resolução pacífica da questão. Tal proposta foi idealizada pelo líder comunista Deng Xiaoping, nos anos 70, em vista da unificação da China. Ele propôs aos territórios de Hong Kong (então colônia britânica), Macau (colônia portuguesa) e Taiwan a reunificação com a pátria mãe garantindo a manutenção do sistema capitalista e do sistema político instalados naquelas regiões. Hong Kong e Macau voltaram à China respectivamente em 1997 e 1999. Taiwan nunca quis aceitar tal proposta.
Os apelos à independência lançados pelo candidato democrático, carro-chefe de sua campanha eleitoral, criaram uma situação de tensão nacional e internacional. Mas os resultados eleitorais, que marcaram a vitória do candidato nacionalista Ma Ying-jeou, mostraram que a população taiwanesa escolheu a paz, evitando o surgimento de novas situações de conflito. A vitória de Ma sobre o candidato democrático (58% de votos contra os 42% do Partido Democrático) não deixa dúvida alguma sobre a vontade da população. Os taiwaneses escolheram um candidato que, ao invés de prometer a independência de Taiwan, se comprometeu a trabalhar para mudar radicalmente as relações com a China, transformando-as em relações pacíficas. Isto, além de acabar com o isolamento político e econômico de Taiwan em relação ao resto da Ásia, poderá favorecer o aumento das relações comerciais com a vizinha China. Os 23 milhões de taiwaneses estão certamente de parabéns por terem evitado novas tensões na Ásia. Venceu a opção pelo realismo, certamente mais acertada no momento que a aventura perigosa proposta pelo candidato derrotado Frank Hsieh. Os mísseis de Pequim apontados para Taiwan felizmente podem ser recolhidos.

quarta-feira, 19 de março de 2008

A China e o Tibete

Mais uma vez a China é protagonista de manchetes internacionais. Poucos meses antes da abertura dos Jogos Olímpicos, o governo chinês tem que enfrentar uma nova crise política, referente às suas relações com a província autônoma do Tibete.

Tudo começou nos primeiros dias de março, quando um grupo de centenas de exilados tibetanos na Índia anunciou que, no dia 10 de março, começariam uma marcha até a fronteira com o Tibete. Os motivos alegados eram: lutar em favor de sua independência e lembrar as vítimas da repressão sangrenta de 1959 atuada pelo governo chinês no Tibete. Além disso, eles denunciaram a intenção da China de usar os Jogos Olímpicos para ratificar, aos olhos estrangeiros, sua soberania sobre as minorias étnicas chinesas, de modo especial sobre o Tibete. Os atletas tibetanos pediram para desfilar com a bandeira tibetana, na cerimônia de abertura dos Jogos, mas o governo chinês não o permitiu. Contemporaneamente, em Lhasa, capital da província tibetana, um grupo de monges budistas decidiu liderar um protesto pacífico alegando como motivo a comemoração das vítimas de 1959. Outros grupos de tibetanos exilados no Nepal, estado vizinho do Tibete, organizaram protestos similares. Todas estas iniciativas, inspiradas nos princípios da não-violência de Ghandi e nos princípios pacíficos do budismo foram logo reprimidas. Na Índia, o exército governamental prendeu os ativistas tibetanos sob a acusação de violarem os acordos internacionais que prevêem a aceitação dos tibetanos na Índia desde que estes não organizem atividades políticas contra a China. No Tibete, o exército chinês, presente maciçamente desde os anos 50, providenciou o fim dos protestos de monges e civis tibetanos. O governo chinês afirmou que “apenas” 10 pessoas morreram. Os tibetanos exilados falam em centenas. Mesmo sob ameaça de repressão armada, os protestos não param, colocando o governo chinês em uma situação bastante complicada.

O sofrimento do povo tibetano, exilado ou não, começou muito tempo atrás. Antigamente, o Tibete ocupava um terço do território chinês, enquanto sua população era somente 0,5% da população total. Em 753 a.C. o budismo entrou no Tibete e se tornou a religião oficial. Ao longo de sua história foi invadido por muitos povos, dos mongóis de Gengis Kahn às dinastias chinesas. No período colonial, a Inglaterra tentou invadir o Tibete querendo expandir sua influência a partir da Índia. O território tibetano faz fronteira com a Índia e o Nepal, constituindo desde antigamente um território estrategicamente importante para a defesa do território chinês. Quando Mao Zedong subiu ao poder, decidiu liberar o seu país de qualquer influência imperialista. Isto incluiu liberar também o Tibete. Em 1951, aconteceu a incorporação forçada do Tibete à República Popular da China, chamada pelo governo de Pequim de “pacífica liberação”. Em 1959, os tibetanos se rebelaram a tal anexação. Milhares de tibetanos morreram, outros fugiram, refugiando-se nos estados vizinhos. Dalai Lama também foi obrigado a fugir e vive até hoje no exílio. Durante a Revolução Cultural, como no resto da China, todos os templos foram destruídos. Até hoje não é permitido o ensinamento da língua e cultura tibetana. Para os comunistas de ontem e de hoje, o Tibete representa um território estratégico do ponto de vista fronteiriço e econômico, pelas riquezas minerais de ouro e urânio. O governo de Pequim enviou milhões de chineses para “colonizar” o Tibete, alegando querer ajudar na sua modernização e desenvolvimento. Se, de um lado, a situação econômica do Tibete melhorou de maneira significativa, de outro lado, a cultura tibetana está à beira da extinção. No coração do povo tibetano, ela ainda está viva, e os protestos destes dias o demonstram. O governo chinês decidiu fechar o Tibete para os estrangeiros, e prefere o uso da força para restabelecer uma harmonia aparente. Lembramos que o atual presidente chinês, Hu Jintao foi aquele que aplicou a lei marcial em 1989, em ocasião das revoltas tibetanas contra o governo central. Dalai Lama, acusado pelas autoridades chinesas de ser o criador dos atuais protestos, afirma não ter aprovado nenhuma manifestação e reitera o uso do diálogo para resolver o impasse. Tomara que, desta vez, diante dos protestos que não param de ganhar força, a China mude de atitude e aprenda a trocar a força das armas pela força do diálogo.

quarta-feira, 12 de março de 2008

As mulheres de Kabul

O Dia Internacional da Mulher - considerando a tragédia das operárias de 1908 em New York como dia de sua instituição - completou cem anos no último sábado. Oficialmente, a Festa Internacional da Mulher foi instituída, por resolução das Nações Unidas, somente em 1977. A partir daí, todo ano, as Nações Unidas propõem um tema de reflexão. O tema escolhido para este ano foi: “Investindo em Mulheres e Meninas” . O secretário-geral das Nações Unidas explicou, na sua mensagem do dia 8 de março, o porquê desta escolha. “Até agora” – ele declarou – “não se investiu suficientemente na luta contra a desigualdade entre homens e mulheres e contra a violência que infelizmente ainda caracteriza a vida de muitas mulheres no nosso planeta”.
Nos dias que precederam e seguiram a celebração do Dia Internacional da Mulher ouvi muitos comentários, a maioria de mulheres que se declaravam insatisfeitas com esta festa. Até então, para mim, 8 de março era só um dia como os outros, acrescido de votos de felicidades recebidos pelo meu esposo e amigos. Neste ano, perguntei-me mais sobre o significado desta festa. Seria apenas uma festa comercial, para vender flores, ou realmente um dia de comemoração? Excluí logo a segunda opção, pois, infelizmente, ainda há muitas situações de violência no mundo que não permitem comemoração. Veio-me em mente, então, as reivindicações dos movimentos feministas pedindo a todo custo a emancipação e igualdade das mulheres, mas isto também me resultou insuficiente.

O que ficou, então, desta festa? Encontrei a resposta nas razões da ONU quando da instituição do Dia Internacional da Mulher. Na época, a Assembléia Geral das Nações Unidas citou duas razões: a primeira era reconhecer o fato que a conquista da paz, o progresso social e o pleno respeito dos direitos humanos requerem a ativa participação das mulheres; a segunda, reconhecer a contribuição delas para reforçar a paz e a segurança internacional.

O papel da mulher, portanto, foi reconhecido como fundamental não apenas no âmbito da própria família, mas para a sobrevivência e harmonia da sociedade humana. Todavia, em vários países lhes é negada a realização de tal desafio público.

Por isso, o Dia internacional da Mulher serve para nos lembrar dos milhões de mulheres que ainda vivem sob a opressão de alguns sistemas político-culturais. Para elas, este dia permanece especial, pois, muitas vezes, é o único em que a opinião pública internacional lembra de sua situação. Falo, por exemplo, das mulheres do Afeganistão. Lendo suas histórias, impressionou-me o fato de festejarem com muito entusiasmo o Dia Internacional da Mulher, por viverem num regime que lhes nega a liberdade.
Este ano, em Kabul, capital do Afeganistão, a missão da ONU distribuiu flores às mulheres inteiramente cobertas com a burka, obrigadas a espiar o mundo através dos pequenos furos contidos na altura dos olhos. Elas estão proibidas de estudar, de trabalhar, de caminhar nas ruas sozinhas, e até de serem atendidas em hospitais públicos. As mais ricas têm acesso a clínicas particulares; as pobres são deixadas morrer. Casamentos forçados antes dos 18 anos de idade, violência física, estupros, são fatos ordinários da vida das mulheres de Kabul.

Contudo, elas não se renderam. A RAWA - Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão -, fundada por uma mulher afegã em 1977, reúne mulheres e homens que lutam pela democracia e contra a violência do sistema político-cultural afegão. No último dia 8 de março, os membros da RAWA reuniram-se para festejar este dia com cantos e declamações de poesias. Escreveram uma mensagem em que expressaram o significado deste dia para as mulheres do Afeganistão: um dia para dar voz aos sofrimentos das mulheres e, sobretudo, para renovar o pacto em favor da democracia, sonhando com um Afeganistão livre de todo tipo de fundamentalismo.Visto a partir das mulheres encarceradas na burka, o Dia Internacional da Mulher passou a ser um dos mais bonitos do ano.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Crise latino-americana: em busca da autonomia perdida

Estamos em meio a uma grave crise internacional e, desta vez - e não é o caso de nos orgulharmos - a crise não está muito longe.

Ela foi gerada pela incursão do exército colombiano em território equatoriano, no último sábado, dia 1 de março. A justificativa da invasão oferecida pelo presidente colombiano, Álvaro Uribe, foi legítima defesa, questão de segurança contra os guerrilheiros das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). A resposta do presidente equatoriano, Rafael Correa, foi a acusação de massacre e invasão da soberania nacional. As duas versões sobre a modalidade do acontecimento são diferentes, mas o fato de a Colômbia ter invadido o território equatoriano nunca foi negado nem pelo próprio governo colombiano. Pelas leis do Direito Internacional a invasão territorial é considerada um fato grave, sem justificativas. O bombardeio por parte da força aérea colombiana aconteceu na fronteira com o Equador, num espaço aéreo que a Colômbia afirma não ter violado. Mas após o ataque, a milícia colombiana atravessou a fronteira para verificar o resultado de sua ofensiva. Todos os ocupantes do acampamento, 17 guerrilheiros das Farc, morreram. Entre eles estava o numero 2 das Farc, conhecido como Raúl Reyes (seu nome verdadeiro é outro). A Colômbia alega que existiam motivos válidos que justificavam a invasão. Segundo Uribe não foram as milícias colombianas a abrir fogo. Elas simplesmente teriam respondido ao ataque. A questão é complexa e não é fácil julgar quem está do lado certo. Aliás, será que existe um lado totalmente certo ou podemos afirmar que há o certo e o errado em todos os lados? A Colômbia luta há décadas contra as Farc, movimento fundado em 1964 com o objetivo de derrotar o governo conservador colombiano e instaurar um governo marxista, por meio da luta armada. Em 1990, as Farc mudaram de estratégia e começaram a seqüestrar pessoas (atualmente são 700 os seqüestrados nas mãos das Farc). As Farc são um dos exércitos de guerrilha mais poderosos e ricos do mundo. Controlam vastas áreas internas da Colômbia, organizando o narcotráfico. Odiadas pelo governo colombiano, recebem a simpatia de alguns governos vizinhos, como o da Venezuela e, aparentemente, do próprio Equador, visto que bases das Farc são permitidas em território fronteiriço venezuelano e equatoriano. O presidente Chávez sempre se negou a considerar as Farc como terroristas, reconhecendo a legitimidade política de sua ação. Ele criou uma região de influência política da qual fazem parte a Bolívia, desde a eleição do presidente Evo Morales, e o próprio Equador. Estes três governos se dizem de esquerda, de inspiração bolivariana, e consideram o presidente Álvaro Uribe inimigo do continente sul-americano, por ser conservador de direita – segundo eles - ligado aos Estados Unidos, inimigo declarado ou bode expiatório escolhido por eles.

Para o Equador o último ato de agressão territorial da Colômbia não foi o único. Há tempos que a Colômbia estaria agredindo de várias formas a população equatoriana. Correa exigiu um ato de desculpa formal ao presidente Uribe para que possa se resolver pacificamente esta crise. Uribe apresentou desculpas, mas não nos termos exigidos pelo Equador. O Equador, então, decidiu fechar a sua embaixada na Colômbia e anunciou a ruptura das relações diplomáticas com o estado vizinho.

Diante desta crise surgiram duas posições diferentes de países vizinhos: evidenciar os pontos de divergência e provocar uma crise ainda mais grave, como está fazendo o presidente venezuelano Hugo Chávez (ele enviou dez batalhões de milícias venezuelanas à fronteira com a Colômbia e fechou a embaixada venezuelana em Bogotá); ou sublinhar os pontos de convergência e tentar a resolução pacífica do impasse, como está fazendo o Brasil desde o início da crise, procurando amenizar a tensão. Isto não significa desconhecer ou não considerar que existem questões a serem resolvidas, mas ocorre – como dizia ontem o ministro Celso Amorim – estabelecer prioridades. A OEA (Organização dos Estados Americanos) reuniu-se ontem sob iniciativa brasileira e deseja investigar os fatos e trabalhar pela resolução da crise, em base às leis do Direito Internacional. Tomara que mais países latino-americanos sigam o exemplo brasileiro, e não o do aventureiro Chávez, colocando-se não do lado colombiano ou equatoriano, mas em favor da busca da harmonia perdida.