quarta-feira, 28 de maio de 2008

Integração Sul-Americana - utopia ou projeto viável?

Na sexta-feira passada, doze países da América do Sul assinaram, em Brasília, o Tratado de criação da União das Nações Sul-Americanas, a Unasul. Este novo organismo supranacional visa realizar a integração regional, principalmente nas áreas financeiras, energéticas e político-diplomáticas. É, portanto, um evento que merece a nossa atenção e a nossa torcida, para que esta iniciativa - impulsionada pela diplomacia brasileira – alcance o devido sucesso.

Já em 2004, em Cuzco, no Peru, a convite brasileiro realizou-se a Reunião da Cúpula Sul-Americana, durante a qual foi assinado um Acordo de integração da América do Sul que pode ser considerado como a centelha inspiradora do Tratado de criação da Unasul.

O Acordo de 2004 foi considerado por alguns como um grande avanço e, por outros, como projeto utópico. À distância de quatro anos, o que era apenas um Acordo, transformou em Tratado de constituição de um novo organismo internacional reconhecido pela ONU no mesmo nível que a União Européia. De agora em diante, a América do Sul terá uma personalidade jurídica internacional que a fará capaz de negociar com outros países e blocos econômicos.

Certamente, ainda há muita estrada a ser percorrida para concretizar os principais objetivos do Tratado: coordenação política e econômica da região; integração física, energética, nas telecomunicações, na ciência e na educação. A idéia é instituir um Parlamento Sul-Americano e um Sistema Monetário único. A Unasul funcionará por meio de órgãos deliberativos como o Conselho de Chefes de Estado, o Conselho de Ministros de Relações Exteriores e um Conselho de Delegados. Haverá reuniões anuais de Chefes de Estados e de Governo e reuniões semestrais do Conselho de Ministros de Relações Exteriores. A presidência da Unasul será rotativa nos moldes da União Européia. Atualmente, na presidência da Unasul está Michelle Bachelet, presidente do Chile.

É um projeto de grandes dimensões para todos os países integrantes. Mas os grandes projetos custam tempo e esforços por parte de todos. Alguns veículos de comunicação fizeram questão de sublinhar o que não deu certo na cúpula sul-americana da semana passada, salientando as escassas possibilidades de sucesso da iniciativa. A falta de consenso, sobretudo por parte do presidente da Colômbia, não permitiu a criação do Conselho de Defesa Sul-Americano proposto pelo Ministro brasileiro Nelson Jobim. É verdade que existem numerosas questões a serem resolvidas para que esta integração possa acontecer: as relações ainda não totalmente resolvidas entre Colômbia e Equador; as disputas territoriais entre Chile e Peru; e entre Bolívia e Chile. Tais desafios não podem ser desconsiderados nem subestimados. Contudo, conflitos existem para serem superados. A União Européia (UE) levou mais de cinqüenta anos para se tornar um bloco político e econômico sólido, e continua enfrentando problemas entre os Estados-membros. O primeiro Tratado para constituição da UE foi assinado em 1957. A Europa possui uma história de séculos de guerra entre os seus integrantes, rivalidades que ainda continuam. Se a Europa conseguiu, a América do Sul pode fazer o mesmo e, quem sabe, até melhor. Ela possui riquezas naturais incalculáveis, e os países da América do Sul estão entre os principais produtores de energia e alimentos do planeta.

A constituição de um bloco regional forte e unido promoveria relações políticas e econômicas fortes com outros parceiros internacionais, como a União Européia, a África e a Ásia Oriental. Em projetos de longo alcance como esse não há passos de mágica. Exige paciência, vontade política e capacidade de superar os interesses particulares.

Nesses nossos tempos, acredito que não há alternativas políticas e econômicas melhores do que a cooperação e a justa solidariedade entre os povos.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

China e Mianmar - reações opostas diante da tragédia

Nesta primeira metade de maio, desastres naturais devastaram dois países da Ásia: Mianmar (antiga Birmânia) e a República Popular da China. Em Mianmar, o responsável foi o ciclone Nargis. Na China, foi o terremoto, que teve o seu epicentro na região do Sichuan, mas foi sentido até em Pequim, distante do Sichuan mais de 1000 quilômetros. Os dois países são parceiros político-econômicos. A China está interessada nos recursos energéticos de Mianmar – petróleo e gás- que atraem o interesse também das vizinhas Índia e Rússia. No ano passado, o governo chinês defendeu o governo de Mianmar, vetando a proposta da ONU de pressionar a Junta Militar do país por meio da aplicação de sanções. Por esta sua postura foi acusada de favorecer e encobrir os crimes cometidos pelo regime ditatorial birmanês. Contudo, nestes últimos dias, o governo chinês demonstrou não ser tão parecido com o governo birmanês. Este último, após o desastre, fechou por vários dias as fronteiras do país a qualquer ajuda internacional, certamente por temer que ingerências internacionais possam enfraquecer o seu poder político. Tal cruel decisão custou a vida de milhares de birmaneses que precisavam de ajuda imediata. Após este período, revendo sua posição, aceitou que alguns países vizinhos enviassem ajuda, mas pretendeu distribuí-las autonomamente, atrasando ainda mais a assistência à população. Como se isso não fosse suficiente, realizou, naquelas dias, votações em favor de uma nova Constituição para o país, o que ampliou de forma ilimitada os poderes dos militares. Milhares de birmaneses foram obrigados a voltarem às suas cidades para participar das votações, sendo ameaçados de prisão caso ousassem votar contra a Junta Militar.

A reação do governo chinês à tragédia natural foi completamente diferente. O esforço de mobilização nacional foi imediato. As autoridades chinesas aceitaram, sem restrições, a ajuda internacional, lançando apelos para obter equipamentos tecnológicos sofisticados que os ajudassem a encontrar pessoas debaixo dos escombros. Os escândalos das tantas escolas desmoronadas, mesmo se de recente construção, desta vez não foram escondidos nem minimizados. A imprensa nacional e internacional pôde divulgar os acontecimentos sem restrições. O governo chinês anunciou a abertura de uma investigação sobre o desmoronamento das escolas. A indignação popular é grande porque todo mundo sabe que o desrespeito das normas anti-sísmicas na construção das escolas foi devido à corrupção existente entre os burocratas do governo chinês. Mas é importante reconhecer que a China demonstrou enormes progressos em relação à abertura e pronta intervenção. Em 2003, em ocasião da Sars (gripe aviária), o governo chinês não demonstrou a mesma abertura, colocando em risco a saúde não somente de sua população, mas do mundo inteiro. Desta vez, as autoridades chinesas deixaram campo livre às ONGs e aos milhares de voluntários – de todo o país – que, de forma espontânea, decidiram ajudar a população do Sichuan.

A ajuda imediata à população foi possível também graças ao progresso econômico alcançado pela China. Na província do Sichuan foi construído um aeroporto intercontinental e uma moderna rede rodo e ferroviária, graças às quais a proteção civil pôde agir imediatamente.

Em Mianmar, mesmo se as fronteiras não tivessem sido fechadas, as equipes de resgates teriam tido muitas dificuldades em alcançar a região devastada justamente por causa do subdesenvolvimento econômico. O regime autoritário chinês, desta vez, se saiu melhor que a ditadura birmanesa. Certamente estava consciente de estar sob a atenta observação internacional. No ano das Olimpíadas a China não poderia falhar em demonstrar a sua eficiência e abertura. Talvez os governantes chineses quisessem, por meio desta prontidão e eficiência, afastar da lembrança a antiga tradição chinesa, segundo a qual fenômenos devastadores - como os terremotos - seriam sinais do céu que expressariam a perda do Mandato Celeste dos imperadores e garantiriam o direito de rebelião ao povo. Não esqueçamos que o grande terremoto de 1976, na China, antecedeu a perda definitiva do poder de Mao Zedong.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

RUN4UNITY: Manifestação juvenil pela paz percorreu o mundo

No sábado passado, dia 10 de maio, mais de 100.000 adolescentes integrantes do Movimento Juvenil pela Unidade, organizaram um evento em nível mundial, chamado RUN4UNITY (Corrida pela Unidade). Esta corrida abraçou o mundo, começando pelas Ilhas Fiji, no Pacífico e chegando a Vancouver, no Canadá. Por meio de coligação via Internet e via Satélite, durante 24 horas os adolescentes passaram o bastão desta corrida simbólica de nação em nação, pelo vários fusos horários para que a iniciativa percorresse o mundo num dia. O lema da manifestação foi “Vamos colorir a cidade”: nome do projeto que, há alguns anos, empenha os adolescentes do Movimento Juvenil. Seu objetivo é construir um mundo unido, difundindo a cultura da comunhão, da paz e da fraternidade entre os povos, promovendo centenas de ações para colorir os cantos cinzentos das cidades, onde emergem pobreza, marginalização e sofrimento. Grupos de adolescentes no mundo todo, neste dia 10 de maio, se organizaram e escolherem as atividades a serem desenvolvidas. Por meio de brincadeiras, números artísticos, experiências de vida, esses adolescentes testemunharam o empenho cotidiano de construir a paz e a unidade onde eles vivem. As sedes das manifestações foram lugares-símbolo de paz ou de tensão social, como as fronteiras dos países em guerra. Por exemplo, em Burundi, na África, não obstante a retomada das hostilidades, os adolescentes organizaram uma corrida. Ponto de chegada foi o parque da cidade, onde testemunharam como vivem pela unidade. Em Jerusalém, a participação, no mesmo evento, de adolescentes judeus, muçulmanos e cristãos foi um testemunho exemplar. No Líbano, há anos palco de uma guerra civil, adolescentes cristãos e muçulmanos plantaram uma oliveira para a paz. Em Seul, os adolescentes se reuniram com alguns parlamentares para manifestar, por meio de assinaturas recolhidas, a vontade de reunificação entre o Norte e o Sul.

Nas atividades, foram utilizados todos os meios de transportes: da canoa, no delta do Rio Amazonas, ao teleférico, em Quito (Equador), superando os 4.000 metros de altitude. Cume da manifestação foi o encontro de mais de 2000 adolescentes, provenientes dos 5 continentes, em Roma, na belíssima Praça Navona. De lá, uma transmissão ao vivo via satélite e via internet coligou os vários pontos da manifestação. Foram feitas conexões com a Terra Santa, Argentina, Espanha, e com Bolívar, um povoado andino peruano a 3.300 metros de altitude.

Depois de convidar todos a viver a Regra de Ouro - “Tudo aquilo que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles” -, presente, também, nos livros sagrados das principais religiões, Run4Unity terminou com uma bela coreografia. Bordados de luz, símbolo do amor que tem o poder de iluminar as noites escuras pessoais e do mundo, foram usados na coreografia. Ao final, uma mensagem de Chiara Lubich: “A unidade não é uma utopia, para construí-la precisamos amar a todos”.

Iniciativas como essas podem parecer uma gota no oceano, insignificantes, mas gota após gota até a pedra acaba sendo modificada. Para esses adolescentes não é sempre fácil nadar contra a correnteza, mas eles têm um segredo: recomeçar sempre, e em unidade com os outros jovens presentes em 182 países. Algumas cidades de Santa Catarina se fizeram presentes. Quem sabe, no próximo ano, as cidades da nossa região também respondam a este belo apelo à unidade proposto por jovens do mundo inteiro.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

As pontes da China e a ponte de Laguna

Desde a antiguidade, a China distinguiu-se pela sua engenhosidade. Não por acaso algumas das mais importantes invenções provêm de lá. Ela já detinha o primado da mais longa ponte marítima do mundo. E agora se superou com a ponte do golfo de Hangzhou que liga o coração financeiro e comercial de Xangai à região de Ningpo, importante sede da indústria manufatureira chinesa. A ponte tem uma extensão de 36 quilômetros. Os trabalhos começaram em 2003 e foram concluídos no mês de junho de 2007, oito meses antes da data prevista. Ao invés de viajar por quatro horas, agora os chineses levarão somente duas horas e meia para chegar à destinação. A obra custou cerca de 11,8 bilhões de yuan (cerca de 1,68 bilhão de dólares), dos quais 30% provêm de capital privado. Ela foi projetada para resistir a todo tipo de tufão – fenômeno típico da região- e pensada nos mínimos detalhes para proteger os motoristas que a atravessarão. Exemplo disso, é a construção em forma de S, cumprindo a lei chinesa que proíbe a construção de estradas com mais de dez quilômetros de linha reta. Além disso, a cada cinco quilômetros o guarda-rail foi pintado de uma cor diferente para despertar o motorista. Uma ilha de serviços está sendo concluída na metade da ponte sobre uma barragem. O objetivo da ponte é estimular mais ainda o desenvolvimento econômico da região. Para nós, que assistimos de longe ao crescimento chinês, ela representa o símbolo de uma cultura que, desde sempre, soube ir além dos obstáculos naturais para construir a própria civilização. A China é de uma complexidade enorme, e diante deste país, surgem contemporaneamente sentimentos contraditórios: de admiração, curiosidade e às vezes de temor já que tudo o que é desconhecido sempre desperta um pouco de medo.

No final do mês de abril, participei de uma Conferência sobre as relações entre a China e o Brasil na antiga sede do Itamaraty, no Rio de Janeiro. Participaram professores das principais universidades brasileiras, argentinas e chinesas, além de embaixadores e representantes do governo chinês. Foi uma ocasião de reflexão e de revisão de algumas posições a respeito da China. Principalmente a respeito do Tibete. A imagem desta região como um dos últimos paraísos perdidos, destruído sem piedade pela maldade do governo chinês é incompleta. Situada nas inóspitas montanhas do Himalaia, o Tibete sempre foi uma região muito pobre. No início do século XX, os seus habitantes trabalhavam como escravos para os monges budistas. Na época da proclamação da República Popular da China, o atual Dalai Lama foi convidado a participar do Congresso Nacional do Povo. Aceitou e foi para Pequim. Mao Zedong garantiu-lhe que as prerrogativas da elite tibetana teriam sido respeitadas. Contudo, em 1959, o Partido Comunista decidiu atuar a reforma agrária, abolindo a escravidão. A elite tibetana rebelou-se, mas o exército chinês conseguiu derrotá-la. O Dalai Lama e outros representantes da elite tibetana, tendo perdido seus privilégios, escolheram o exílio na Índia. Certamente é por isso que ele nunca pediu a independência do Tibete. Ao contrário, em uma das últimas entrevistas, reiterou a convicção de que a China pode oferecer ao Tibete ajuda econômica para melhorar a vida dos 6 milhões de tibetanos. E, mais uma vez, discordou da ação da Associação dos Jovens Tibetanos que está fomentando as revoltas contra o governo de Pequim, considerando seus objetivos não realísticos. Desta análise, percebi que a China tem a sua parte de razão, e que merece receber também elogios, e não somente críticas, pela sua capacidade de sair de um período obscuro, como foi o da Revolução Cultural, e poder oferecer ao seu povo um futuro melhor. E a propósito da ponte, quem sabe a nossa região não pode se inspirar nos chineses para a construção da ponte de Laguna. Se a ponte chinesa, com 36 quilômetros, foi realizada em 4 anos, a de Laguna, com menos de 3 quilômetros, poderia ficar pronta em bem menos de um ano, não é verdade?