quarta-feira, 29 de abril de 2009

Sri Lanka - a “pérola” do Oceano Índico

Acessando o site oficial de turismo do Sri Lanka (ex-Ceilão ou Ceylon), encontramos logo a descrição desta ilha, localizada ao sul da Índia: “Praias de areia branca, vegetação exuberante, vida selvagem surpreendente, uma herança histórica riquíssima”. E um convite caloroso: “O sorriso amigo das pessoas do Sri Lanka te esperam. Venha e experimente!”. Tal descrição não é propaganda enganosa. O Sri Lanka, uma ilha tropical belíssima, é meta turística de milhares de estrangeiros atraídos pelas suas belezas naturais e sua riqueza cultural. Contudo, o país ficou conhecido também como foco de uma guerra civil que teve início em 1983 e que, salvo alguns anos de trégua, continua até hoje.

Calcula-se que, desde o início do conflito, morreram mais de 50 mil pessoas. Os que fugiram, refugiando-se em outros países, principalmente a vizinha Índia, são mais de 100 mil. A área interessada pelo conflito situa-se na região nordeste da ilha, onde vivem 190 mil civis, na maioria pertencente à etnia tâmil, correspondente a 18% da população total. A etnia majoritária do Sri Lanka é a cingalesa (74%). O restante é muçulmano (7%) e Burghers, descendentes dos colonizadores portugueses e holandeses (1%).

O conflito entre a etnia majoritária cingalesa e a minoritária etnia dos tâmeis recrudesceu-se de tal forma nestes últimos meses que chamou a atenção mundial. O que preocupa é a situação alarmante dos sobreviventes desalojados que estão à beira da morte por não conseguirem receber as ajudas humanitárias enviadas pela ONU. O recrudescimento do conflito deve-se à decisão do governo do Sri Lanka de pôr um fim à ação violenta dos guerrilheiros rebeldes, conhecidos como Tigres de Libertação da Pátria Tâmil, que há anos, com ataques suicidas e atentados a civis e militares cingaleses, desestabilizam a vida do país. O grupo reivindica a criação de um estado Tâmil independente, proposta que foi sempre recusada pelo governo.

A rivalidade entre os cingaleses e os tâmeis originou-se no período em que a ilha tornou-se colônia da Inglaterra, no início do séc. 19, após ter sido colonizada primeiramente pelos portugueses e, depois, pelos holandeses. A ilha tornou-se, sob o domínio inglês, a maior produtora mundial de chá. Para isso, os ingleses trouxeram do sul da Índia, precisamente do estado do Tamil Nadu, milhares de operários de etnia tâmil para que trabalhassem na produção de chá. Pelos seus serviços à coroa britânica, os tâmeis receberam tratamento especial em relação ao resto da população de etnia cingalesa.

Com a independência do país, em 1948, os cingaleses criaram um governo de forte sentimento nacionalista, reacendendo as divisões étnicas e fomentando o desejo de se vingarem das humilhações e discriminações sofridas durante o período colonial, sobretudo, em relação aos tâmeis. Além de declarar, em 1965, o idioma cingalês como oficial, e o budismo como principal religião, os cingaleses procuraram excluir os tâmeis dos melhores empregos públicos e dos estudos universitários, sob pretexto de sanar a situação de desequilíbrio criada durante a dominação britânica.

Em 1972, na região nordeste do país, formaram-se os primeiros grupos rebeldes, dentre os quais ganhou força o grupo dos Tigres Tâmeis. O primeiro ataque feito pelos Tigres foi em 1983, quando 13 soldados cingaleses foram mortos por guerrilheiros tâmeis em Jaffna. O conflito continuou até 2002, quando um cessar-fogo negociado pelo governo norueguês conseguiu restabelecer um mínimo de segurança aos habitantes do Sri Lanka. Em 2005, a eleição de um líder cingalês budista reacendeu os ânimos. O presidente Mahinda Rajapaksa recusou-se a dar maior autonomia aos tâmeis, acusando-os de desrespeitarem o cessar-fogo.

O país voltou ao estado de guerra civil, e os que mais sofrem são, como sempre, os inocentes. Nos últimos três meses, foram mortas 6,5 mil pessoas no conflito. No último domingo, o grupo dos Tigres Tâmeis declarou unilateralmente o cessar-fogo. As autoridades do Sri Lanka consideram tal ato uma piada, acusando os tâmeis de usar como escudo humano os milhares de civis que vivem na região do conflito. Para o governo, a solução seria a rendição dos rebeldes. Analistas internacionais definem os guerrilheiros como terroristas e a proposta de criação de um estado independente como exagerada. Discordam da luta pela independência, mas defendem o respeito aos direitos civis das minorias.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

A Operação Pan-Americana de Juscelino Kubitschek (Parte 2)

Em 1958, JK lançou a Operação Pan-Americana (OPA), uma proposta de cooperação internacional de âmbito hemisférico que visava ao desenvolvimento econômico e político não apenas do Brasil, mas de toda América Latina, onde o sentimento antiamericano e anti-imperialista enraizava-se cada vez mais. As violentas manifestações ocorridas nas cidades de Lima e Caracas contra o vice-presidente americano, Richard Nixon, em visita, naquele ano, ao continente sul-americano, confirmaram tais sentimentos. Após o retorno de Nixon aos Estados Unidos, JK enviou uma carta ao presidente Eisenhower, apresentando a Operação Pan-Americana, primeiramente como uma tentativa de recompor a unidade continental.

JK apresentava ao presidente americano a necessidade de uma “inversão precursora nas áreas econômicas atrasadas do continente, a fim de compensar a carência de recursos financeiros internos e a escassez de capital privado. A América Latina, que também contribuiria para a vitória democrática, se viu, pouco a pouco, em situação econômica mais precária e aflitiva que as nações devastadas pela guerra, e passou a constituir o ponto mais vulnerável da grande coalizão ocidental”.

JK retomava, nestas últimas linhas, a tese já usada por Vargas de que o desenvolvimento e o fim da miséria eram as maneiras mais eficazes de se evitar a penetração de ideologias exóticas e antidemocráticas, que se apresentavam como soluções para os países atrasados. Em outro trecho, JK sublinhou o desejo do Brasil de ser protagonista do cenário mundial: “Reclamamos o direito de opinar e colaborar efetivamente, o que é imperativo de nação que se sabe adulta e deseja assumir a plenitude de suas responsabilidades em uma política que é sua”.

Diante do pedido brasileiro de maior autonomia, a primeira reação do presidente Eisenhower foi de frieza. Logo, porém, os acontecimentos internacionais o convenceram a voltar nos seus passos. Em Cuba, a guerrilha avançava. Fidel Castro estava preparando-se para conquistar a ilha, o que aconteceria pouco depois do lançamento da OPA, em 1º de janeiro de 1959, marcando o início da Revolução Cubana. Temendo a difusão da ameaça comunista na América Latina, Eisenhower mudou sua atitude em relação à proposta de JK, enviando ao Brasil seu secretário de estado, John Foster Dulles, para indagar como melhorar as relações entre norte e sul.

O primeiro resultado concreto da OPA foi a criação do BID, Banco Interamericano de Desenvolvimento, constituído por 20 países americanos, com um capital inicial de um bilhão de dólares destinados ao financiamento e à assistência técnica dos países membros. Outra iniciativa foi a criação, em 1960, da Associação Latino-Americana de Livre Comércio, com a assinatura do Tratado de Montevidéu, pelo Brasil, Argentina, Chile, México, Paraguai, Peru e Uruguai. Contudo, além destes primeiros resultados, a OPA não conseguiu avançar como esperado.

As promessas norte-americanas não foram mantidas. JK, em ulterior tentativa de chamar a atenção dos Estados Unidos, buscou ampliar suas relações com a área socialista e os países emergentes do Terceiro Mundo, mas o fez de forma tímida, pois não queria confrontar-se, de fato, com os Estados Unidos. A OPA foi mais um instrumento de pressão, de barganha nacionalista à maneira de Vargas do que uma verdadeira busca de multilateralização. Ele ainda estava ideologicamente muito ligado ao bloco ocidental para querer adotar uma política de verdadeira autonomia em fato de política externa.

A tentativa, por parte dos Estados Unidos, de isolar Cuba no seu contexto regional, deixou JK em uma posição complicada. Ele não ousou contrariar explicitamente o governo norte-americano, preferindo adotar medidas ambíguas que apenas protelassem uma resolução adequada. A situação de JK ficou ainda mais complicada diante da atitude do candidato à presidência da república, Jânio Quadros, de aberta oposição à timidez política de JK. Já antes de ser eleito, Jânio mostrou-se defensor de uma maior autonomia em fato de política externa, visitando Cuba em março de 1960 e, depois, conversando longamente com Krushov em uma sua viagem internacional a Moscou.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

G-20 - embrião de uma nova governança mundial

Realizou-se na quinta-feira passada, dia 2 de abril, em Londres, a tão esperada reunião do G-20. O grupo reúne os países do G-8 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Canadá, Itália e Rússia), a União Europeia e mais 11 nações emergentes (África do Sul, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, China, Coréia do Sul, Índia, Indonésia, México e Turquia). Juntos, estes países representam cerca de 90% da riqueza produzida no planeta, dois terços da população mundial e, também, 80% da emissão de gases poluentes.

Inicialmente, as previsões sobre os resultados do encontro não eram das mais róseas, considerada a existência, entre os participantes, de duas orientações opostas. De um lado, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, que defendiam intervenções imediatistas e eficazes para a repartida da economia; de outro, a França e a Alemanha, pedindo regras mais severas que permitissem redesenhar o sistema financeiro internacional. Nicolas Sarkozy, na véspera do encontro, ameaçou até deixar o vértice se não fosse reconhecida unanimemente a necessidade de definir novas regras para reformar o sistema financeiro, sobretudo, em relação aos paraísos fiscais. Apesar das primeiras desavenças, os participantes do G-20 conseguiram - como Obama desejou na véspera do encontro - concentrar-se nos pontos em comum mais do que nas divergências.

Entre as medidas mais relevantes apresentadas na declaração conclusiva do vértice do G-20, estão: o aumento de recursos para o Fundo Monetário Internacional (FMI); novas regras para os mercados financeiros e sanções para os paraísos fiscais. Com efeito, foi apresentado um programa de 1,1 trilhão de dólares para estimular o crédito, crescimento e emprego podendo chegar à soma de 5 trilhões de dólares até 2010. Foi previsto, também, o aumento de recursos do FMI para um total de 750 bilhões de dólares aos quais se acrescenta a injeção de 250 bilhões para financiar o comércio mundial.

As reivindicações de Sarkozy e Merkel encontraram uma resposta na aprovação de novas regras de supervisão financeira, reforçando a coerência das regulamentações financeiras nacionais, os critérios financeiros internacionais e desencorajando a tomada de riscos excessivos. Uma outra medida significativa, que venceu a resistência de alguns dos integrantes do G-20, foi a decisão de agir contra os paraísos fiscais. A declaração final do vértice fala do “fim da era do segredo bancário”. O combate das medidas protecionistas como meio de reagir à crise econômica também foi um dos pontos altos da reunião. Os participantes concordaram em impedir o surgimento de novas barreiras protecionistas até o final de 2010.

A luta contra medidas protecionistas foi uma das maiores reivindicações do Brasil, país emergente que, apesar da crise, não cedeu à tentação de usar medidas protecionistas. Aliás, o Brasil desempenhou um papel significativo dentro do G-20, reconfirmando não apenas sua liderança frente ao bloco regional latino-americano, mas, também, destacando-se como “porta-voz” dos países emergentes. Segundo Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central e diretor do Centro de Economia Mundial Getúlio Vargas, “a imagem e a credibilidade do Brasil saíram muito fortalecidas do encontro de Londres. Lula mostrou ao mundo que é popular sem ser populista, o que é raro na América Latina”, concluiu Langoni.

Em última análise, o G-20 pode ser considerado um passo rumo a uma maior governança mundial. O tempo do G-8 acabou. O G-20, junto com a Espanha e a Comissão Europeia, formará o Conselho de Estabilidade Financeira e colaborará com o FMI na detecção de riscos no sistema financeiro. Todos os instrumentos financeiros ficarão sob a supervisão destes países. Existem, portanto, as premissas necessárias para que o planeta caminhe rumo a uma nova ordem internacional. Contudo, além de concretizar as medidas apresentadas, será necessário ampliar ainda mais o G-20, convidando também os países pobres, grandes ausentes do vértice de Londres. De fato, com exceção da África do Sul, nenhum outro país africano estava presente. O G-20, hoje, é, por enquanto, apenas uma reunião informal, mas, se o grupo for institucionalizado e receber os devidos instrumentos políticos e jurídicos, poderá tornar-se o embrião de uma nova governança mundial.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

A Operação Pan-Americana de Juscelino Kubitschek (parte I)

Após o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, o vice-presidente Café Filho governou o país até o final de 1955, quando, então, foi eleito presidente Juscelino Kubitschek, mais conhecido como JK. O breve governo de Café Filho caracterizou-se por um retorno ao alinhamento automático à política dos Estados Unidos. Assim que Café Filho assumiu o poder, apressou-se em revogar a lei de remessa dos lucros que limitava a fuga de capitais estrangeiros. Os americanos retribuíram sua fidelidade com a concessão de um empréstimo de 200 milhões de dólares, empréstimo este que havia sido repetidamente negado ao presidente Vargas.

Outra medida que favoreceu os Estados Unidos foi a assinatura, em agosto do mesmo ano, do Programa Conjunto de Cooperação para o Reconhecimento de Recursos de Urânio, parte de um acordo mais amplo sobre usos civis da energia atômica. Os grupos nacionalistas reagiram contra tal acordo, julgando-o uma ulterior exploração dos recursos brasileiros por parte do governo norte-americano. Aliás, o sentimento antiamericano não era, na época, exclusividade dos brasileiros, mas difundido em toda a América Latina.

Durante a gestão de JK, a divisão entre nacionalistas e entreguistas continuou e aprofundou-se. Ao assumir a presidência do Brasil, ele deparou-se com um cenário nacional e internacional completamente diferente da primeira década de 1950. No âmbito internacional, emergia nos países do assim chamado terceiro mundo um forte movimento nacionalista, consequência do incipiente processo de descolonização. Na Ásia, Sukarno derrotava os holandeses, proclamando a independência da Indonésia. Pouco distante, a França também perdia a sua colônia no Vietnã. Na Índia, o líder do Partido do Congresso Nehru adotava uma diplomacia externa fundamentada na autodeterminação e não alinhamento. Em 1955, a Conferência de Bandung, na Indonésia, reunia 29 países afro-asiáticos decididos a lutar pela sua emancipação contra o colonialismo ocidental.

No mundo socialista, o líder soviético Krushov inaugurava uma política externa sustentada nos princípios de coexistência pacífica, empenhando-se em programas de ajudas econômicas, ampliação do comércio externo, e buscando alianças com os países emergentes do terceiro mundo. Frente a essas mudanças, a política externa do presidente JK caracterizou-se pelo afastamento dos movimentos nacionalistas dos países emergentes, principalmente devido à sua estreita ligação com Portugal. Com efeito, JK prometera defender as posições colonialistas portuguesas no continente africano em troca do apoio dos grupos portugueses à sua eleição.

No âmbito nacional, JK encontrou um povo dividido pela luta de classes, descontente pela difícil situação econômica. No seu primeiro ano de governo, o novo presidente lançou o Plano Nacional de Desenvolvimento, ou Plano de Metas, objetivando alcançar 30 metas em cinco setores estratégicos: energia, transporte, indústrias de base, educação e alimentos. No seu governo, ao contrário de Vargas, privilegiou o incremento de bens de consumo mais sofisticados, dirigidos à classe média brasileira: automóveis, geladeiras, televisão, etc. Nos primeiros dois anos, ele conseguiu o sucesso esperado. O clima era de euforia e esperança. Contudo, o milagre econômico não teve longa duração. O custo de vida voltou a aumentar assim como a taxa de inflação.

O fluxo de capitais estrangeiros - elemento base do discurso nacional-desenvolvimentista de JK - começou a regredir devido ao recesso econômico americano, de 1957-58, e às consequências da mudança de política econômica da Europa Ocidental, parceira comercial do governo brasileiro. De fato, em 1957, o Tratado de Roma criava a Comunidade Econômica Europeia, que, com sua política de tarifas preferenciais, dificultou a importação dos produtos brasileiros, que ficaram em desvantagem frente aos produtos provenientes das colônias africanas ligadas à Europa. Para reverter um quadro tão grave, ocorria lançar um projeto desafiador, que pudesse atrair a atenção mundial sobre a grave situação econômica da América Latina.