quarta-feira, 24 de junho de 2009

A nova revolução no Irã

Desde o dia 12 de junho, quando o resultado das eleições no Irã apontou para a vitória do presidente Mahmoud Ahmadinejad, reeleito com mais de 62% dos votos, o país tornou-se palco de protestos por parte dos oposicionistas, que apoiavam a candidatura à presidência do reformador Mir Houssein Moussavi. As manifestações de protesto que estão tomando cada dia mais força visam denunciar uma suposta fraude eleitoral por parte do governo de Ahmadinejad para impedir a eleição de Moussavi. O líder supremo do Irã, Aiatolá Khameini, ordenou que o Conselho dos Guardiões procedesse a uma recontagem dos votos para tentar acalmar a população, que há dias ocupa as principais ruas e praças de Teerã, capital do Irã.

Em pleno século 21, a imagem dos 12 guardiões, clérigos muçulmanos, reunidos para decidir o futuro próximo de milhões de iranianos, para nós que moramos em países onde há uma clara separação entre igreja e estado, é sem dúvida anacrônica, mas, para a República Islâmica do Irã, não o é. Desde 1979, quando a dinastia Pahlavi - que governou o país por mais de 50 anos - foi derrubada, e o Aiatolá Khomeini proclamou a República Islâmica do Irã, o país é governado por um líder religioso supremo que, além de decidir os rumos da política externa e interna da nação, chefia as Forças Armadas. Um grupo de 12 clérigos juristas - seis indicados pelo Aiatolá e outros seis pelo líder do judiciário - formam o Conselho dos Guardiões.

Trata-se de um grupo com muito poder que trabalha para o Líder Supremo (Aiatolá) na administração do país, interpretando a Constituição de acordo com a visão do grupo sobre os princípios religiosos do Islã. Da mesma forma, o poder judiciário é subordinado à sharia (lei islâmica). Na época anterior à derrubada da dinastia Pahlavi, o governo do Irã mantinha relações estreitas com os países ocidentais, sobretudo com os Estados Unidos, do qual tentava copiar a american way of life. Em 1963, o Xá Mohammad Pahlavi - no período chamado de Revolução Branca - lançou diversas reformas no intuito de modernizar o país: tentativa de uma reforma agrária e introdução do voto feminino. Contudo, a dura oposição dos clérigos e a difícil situação econômica da maioria da população impediram que tais reformas se tornassem efetivas.

O Aiatolá Khomeini liderou os grupos de oposição e apresentou-se à população iraniana - cansada com a pobreza, a opressão do Xá e a exploração estrangeira - como aquele que libertaria o país e o conduziria rumo a uma sociedade mais justa e mais próspera. Uma vez conquistado o poder, porém, Khomeini apressou-se em livrar-se dos seus ex-aliados políticos (liberais e socialistas), e levou à presidência da república o atual Líder Supremo Ali Khamenei. No âmbito externo, as relações diplomáticas com os Estados Unidos, país que ganhou o apelido de “Grande Satã”, foram cortadas. Da mesma forma, o Irã distanciou-se de outros países ocidentais, enquanto procurava difundir, sem muito sucesso, a revolução islâmica nos países árabes vizinhos.

Quase 20 anos depois, em 1997, o reformador Mohammad Khatami conseguiu eleger-se à presidência da República Islâmica, e, pela primeira vez, desde 1979, houve uma tentativa de modernização do país. Apoiado, sobretudo pelas mulheres, jovens e intelectuais do país, que o reelegem em 2000, Khatami empenhou-se na construção de um Irã moderno. Suas tentativas, porém, não tiveram força suficiente para derrotar a oposição dos grupos conservadores que temiam perder poder. Para frear tais reformas, os clérigos muçulmanos decidiram atingir a já débil economia do país por meio de greves gerais que paralisaram o Irã. A conjuntura externa também não lhe foi favorável, pois eram os anos em que George W. Bush incluiu o Irã entre os países do assim chamado “Eixo do Mal”.

A invasão americana no Iraque foi usada pelos clérigos muçulmanos como pretexto para deslegitimar o presidente reformador. De fato, em 2005, o conservador Mahmoud Ahmadinejad, candidato dos clérigos, foi eleito presidente. De volta aos nossos dias, percebemos que os atuais protestos fazem parte de um projeto reformador já saboreado pela população iraniana. Os fundamentalistas islâmicos acreditaram tê-lo derrotado, mas num país cuja média de idade da população é de 26 anos, o desejo de liberdade e mudanças está falando mais forte que o medo da repressão.

domingo, 14 de junho de 2009

Tiananmen (Praça da Paz Celestial) – Vinte anos depois

Dia 4 de junho, completaram-se 20 anos dos protestos da Praça da Paz Celestial (em chinês Tiananmen) em Pequim. Ainda está viva na memória de muitas pessoas a incrível imagem do jovem manifestante que, sozinho, conseguiu parar os tanques do exército chinês. Aquela cena permaneceu como símbolo da luta pela liberdade contra um governo ditatorial. Ninguém sabe onde está hoje aquele jovem. Aliás, a maioria dos adolescentes chineses não sabe ou talvez não se interesse em saber o que realmente aconteceu naquele fatídico 4 de junho de 1989. Os livros escolares nem mencionam o evento, pois para o governo de Pequim essa data representa ainda um problema não resolvido, algo que é preciso esconder do mundo para não manchar sua nova imagem. Prova disso são as medidas de segurança que nesse dia foram tomadas pelas autoridades chinesas para evitar eventuais incidentes: o aumento do número dos policiais na praça, onde vinte anos atrás milhares de estudantes reuniram-se; o bloqueio dos sites que continham informações sobre os incidentes ocorridos em 4 de junho; proibição de debates sobre os motivos que provocaram os protestos e sua repressão.

O dia 4 de junho de 1989 marcou o início do choque entre o exército chinês e os estudantes. Fileiras de tanques atravessaram as artérias principais de Pequim. O confronto foi violento. Os feridos e os mortos foram contados dos dois lados, e a versão oficial do governo não coincidiu com a difundida pelos jornais estrangeiros. A Amnesty International estimou que cerca de 2 mil manifestantes foram presos, acusados de crimes contra-revolucionários. Uma primeira leitura dos acontecimentos levou a opinião pública internacional a tomar a defesa dos estudantes, considerados vítimas inocentes de um sistema autoritário que, sem nenhum escrúpulo, realizara um verdadeiro massacre. O governo chinês foi atacado e acusado de violação dos direitos humanos. Sucessivamente, outras leituras foram feitas, não isentando o Partido Comunista da acusação de ter usado indevidamente a força militar contra os jovens chineses, mas reconhecendo a complexidade dos acontecimentos.

Os combates daqueles primeiros dias de junho, expostos ao mundo inteiro, manifestaram a luta interna pelo poder que estava acontecendo no Partido Comunista entre a facção mais conservadora, que não aceitava a abertura e as reformas econômicas implantadas a partir de 1978, e o grupo progressista liderado por Deng Xiaoping, que lutava pelo fim do isolamento chinês. Os estudantes, reunidos em grupos mais ou menos organizados, eram os porta-vozes daqueles que, mesmo usufruindo de certo melhoramento de vida, enfrentavam ainda muitas dificuldades de ordem econômica e política. Os estudantes queriam abertura, igualdade, o fim dos privilégios dos que detinham o poder. A eles uniram-se outras camadas da população, que acrescentaram outras reivindicações, mais específicas. Todavia a precariedade da organização dos vários movimentos estudantis permitiu que os manifestantes fossem manipulados por correntes políticas em busca da legitimidade de uma autoridade que há tempo estava fraquejando. Provavelmente, se o Partido Comunista não estivesse passando por uma grave crise política, não teria optado pelo uso da força que, naquela conjuntura, foi identificada como única possibilidade de evitar que o partido fosse arrastado pelos combates e perdesse sua autoridade.

No dia 9 de junho, Deng Xiaoping declarou a derrota dos movimentos de protestos e convidou o país a reerguer-se, continuando sua corrida desenvolvimentista. Vinte anos depois, políticos chineses ainda afirmam que a repressão foi uma medida necessária para evitar que o país se desestabilizasse econômica e politicamente, como aconteceu na ex-União Soviética, em 1991. Nesses vinte anos, a economia chinesa fez passos de gigante, conseguindo tirar 400 milhões de chineses da linha de pobreza. O governo ampliou a democratização do próprio Partido Comunista, o que resultou na integração de setores relevantes da sociedade chinesa. Os chineses estão mais satisfeitos com seu país. Mas a China ainda precisará de muitos anos para que possa refletir serenamente e debater com liberdade sobre o que aconteceu naquele doloroso dia 4 de junho de 1989.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

A Política Externa Independente no governo de João Goulart

Jânio Quadros anunciou a renúncia ao cargo de presidente com o intuito de aumentar seus poderes, esperando que tal ato não fosse aceito. A direita civil e militar, porém, aceitou a renúncia e barrou a posse de João Goulart como novo presidente. Leonel Brizola promoveu a campanha da legalidade, que resultou no retorno de Jango, mas via parlamentarismo. Tancredo Neves foi nomeado primeiro-ministro. O presidente João Goulart tomou posse no dia 7 de setembro de 1961, já enfrentando a oposição dos grupos conservadores que - desde sua gestão como vice-presidente - consideravam sua atuação política altamente suspeita por seu envolvimento ideológico com a esquerda nacional. San Tiago Dantas foi nomeado Ministro das Relações Exteriores. Tal decisão salvou o destino da Política Externa Independente, pois o ministro Dantas conseguiu colocar em prática o discurso de autonomia ensejado pelo presidente Quadros. Apesar da resistência dos conservadores, o Ministro das Relações Exteriores empenhou-se em estabelecer um plano estratégico de atuação da PEI. Ele esquematizou as diretrizes da Política Externa Independente em cinco princípios: a) contribuição para a preservação da paz, por meio da prática da coexistência e do apoio ao desarmamento geral e progressivo; b) reafirmação e fortalecimento dos princípios de não-intervenção e autodeterminação dos povos; c) ampliação do mercado externo brasileiro mediante o desarmamento tarifário da América Latina e a intensificação das relações comerciais com todos os países, inclusive os socialistas; d) apoio à emancipação dos territórios não-autônomos, independente da forma jurídica utilizada para sua sujeição à metrópole; e) política de autoformulação dos planos de desenvolvimento econômico e de prestação e aceitação de ajuda internacional. A ampliação dos mercados internacionais foi uma das preocupações principais da PEI, para contrabalançar a necessidade de importação do país e aumentar o PIB nacional. No final de 1961, foram restabelecidas as relações diplomáticas com a União Soviética, justificando tal decisão pelo alto índice de crescimento econômico do bloco soviético, e pelas consequentes oportunidades comerciais que o restabelecimento de tais relações oportunizaria para o país. Em 1962, durante a crise de Cuba, o Brasil posicionou-se contra a possível intervenção norte-americana na ilha de Cuba, mantendo-se coerente com o princípio da PEI de defesa da não-intervenção, e por considerar indevida a ingerência de qualquer estado nos assuntos internos de outros países. Tal postura pôs em alerta o governo norte-americano, preocupado com uma possível perda de controle sobre o continente sul-americano, assim como confirmou o temor dos grupos conservadores brasileiros sobre o suposto esquerdismo do presidente Goulart. A situação de divisão interna agravou-se quando o presidencialismo foi restabelecido no Brasil, em janeiro de 1963, significando o fim das limitações de poder impostas ao presidente Goulart com o parlamentarismo. Durante este período, a política externa brasileira sofreu fortes desgastes, devido às continuas mudanças de ministro das relações exteriores. Em 1964, João Goulart aprovou a regulamentação da remessa de lucros para o exterior, enquanto o Itamaraty, que havia abandonado a PEI, renovava o Acordo Militar com os Estados Unidos. A ação do Presidente Goulart perdeu força sem o apoio nacional e internacional. O golpe de 31 de março de 1964 marcou o fim da Política Externa Independente. Os Estados Unidos foram acusados de ter ajudado os militares a derrubar o governo de João Goulart. Segundo os historiadores Amado Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno, “os Estados Unidos não se envolveram diretamente com a elaboração do golpe de 1964, mas dele tinham conhecimento, bem como o acompanharam com óbvio interesse e simpatia e estavam preparados para um eventual apoio aos sublevados caso fosse necessário (operação Brother Sam). Além disso, acolheram o novo governo (de Castello Branco) com satisfação e inauguraram com este uma política de apoio e colaboração”.