quarta-feira, 29 de julho de 2009

A política chinesa do filho único abre uma exceção

O crescimento e controle da população ocupam lugar importante na agenda dos governos. Se tal afirmação é válida para todos os estados, pode-se imaginar a importância do tema para um país como a China que possui a maior população do mundo. Entre os séculos 18 e 19, na China, como em muitos outros estados, fazia parte da lógica da época a ideia que, quanto maior fosse o número de filhos, maior seria o poder econômico da família. O próprio Mao Zedong, nos anos 50, foi o responsável do boom demográfico incentivando os camponeses a ter mais filhos, futuros braços para o desenvolvimento rápido da agricultura e o consequente enriquecimento do país.

Nos anos 60, porém, o fracasso das campanhas lançadas por Mao e o crescimento desmesurado da população gerou problemas gravíssimos à economia do país. Diante disso, o governo tentou controlar o crescimento da população, mas esbarrou na mentalidade tradicional dos camponeses. Em 1978, Deng Xiaoping impôs a política do filho único. Quem aderisse a tal política receberia prêmios, como a garantia de ajudas econômicas à família, assistência sanitária e escolar gratuita. Quem desrespeitasse tal diretriz incorreria em sanções como multas, redução do salário dos pais, ou perda de benefícios ligados ao status do filho único. Lembro de ter conhecido, em Roma, um casal de jovens engenheiros chineses enviados pelo governo chinês numa empresa estatal italiana para um estágio.

A única filha ficou com os avós em Pequim. Eles contaram que queriam muito ter outro filho, mas que isso significaria o fim de suas carreiras, não teriam mais direito a promoções ou incentivos. A política do filho único alcançou sua meta de reduzir a taxa de natalidade, ao menos nas grandes cidades onde o controle consegue ser mais eficaz. Porém, com o tempo, apresentou alguns efeitos colaterais que estão gerando preocupação nas autoridades chinesas. O primeiro é o desequilíbrio numérico que se criou entre meninos e meninas. Desde a antiguidade, existe na China uma tradicional preferência pelos filhos meninos que garantem a continuidade da família.

Isso provocou, ao longo dos anos, atitudes gravíssimas como o assassinato das meninas recém nascidas e o aborto seletivo, muitas vezes clandestino. A desproporção atual entre homens e mulheres gerou outros problemas graves como a venda ou o sequestro de meninas, principalmente no interior da China. Outro efeito é o envelhecimento da população, que, se de um lado, reflete uma qualidade de vida melhor, de outro, constitui um aumento da despesa pública em matéria de aposentadoria e a diminuição de mão-de-obra disponível. Tais efeitos colaterais levaram as autoridades políticas de algumas regiões chinesas a inverter a rota após duas décadas de política do filho único. Quem inaugurou tal inversão de rota foi a região de Xangai, projeto piloto do crescimento econômico chinês.

A Comissão de Planejamento Familiar e Populacional de Xangai lançou uma campanha para incentivar casais a terem um segundo filho. Xangai foi escolhida para o lançamento dessa campanha inédita por ter 22% de habitantes com mais de 60 anos. Xie Lingli, diretor da Comissão de Planejamento Familiar, afirmou que a campanha apenas objetiva resolver o problema do crescente número de idosos, mas que isso não significa que o governo chinês queira rever a política de planejamento familiar. De fato, por enquanto, apenas os casais autorizados poderão ter um segundo filho. São sete as condições que permitem ter um segundo filho.

Dentre essas, uma é que os pais sejam filhos únicos, uma outra é que os cônjuges estejam registrados oficialmente como camponeses e tenham um filho do sexo feminino. Muitos casais ficaram felizes com a iniciativa do governo, sobretudo quem sofreu de solidão na infância pela ausência de irmãos ou irmãs. Outros, porém, mesmo estando entre o grupo de casais autorizados, afirmam que um dos maiores obstáculos é o peso econômico que um segundo filho comportaria na economia familiar. Mesmo com maior abertura, fatores culturais típicos do período moderno chinês, como o medo da perda da comodidade, certamente impedirão uma nova explosão demográfica na China.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Mudança de estratégia no Afeganistão

Na semana passada, na TV italiana, assisti à transmissão do funeral de um jovem soldado italiano de apenas 25 anos, morto no Afeganistão no último dia 14 de julho, num atentado organizado pelos talibãs. Poucos dias depois, o jornal transmitiu o vídeo de um soldado americano, de 23 anos, sequestrado pelo mesmo grupo em dezembro passado. No vídeo, o jovem americano, após pedir a retirada imediata das tropas americanas do Afeganistão, falou da saudade que sentia de sua casa, de sua família e do medo de não poder nunca mais abraçar seus pais. Nesses oito anos de ocupação militar do país, a Grã Bretanha perdeu no Afeganistão mais de 100 militares, mais do que no Iraque.

As tropas estrangeiras chegaram em 2001, após a intervenção militar organizada pelos Estados Unidos, com o objetivo de derrubar a ditadura dos talibãs. Foi uma “guerra do criador contra sua criatura”, como a definiu o professor Visentini, internacionalista que muito sabiamente desde então já alertava que “derrubar os talibãs não levaria ao fim desta guerra”. Com o fim do regime dos talibãs, o país ganhou um pouco mais de liberdade. As meninas puderam voltar à sala de aula, as jovens não são mais obrigadas a vestir os pesados burka, mas ainda há muitas mulheres que não têm liberdade e sofrem violência dentro da própria casa. A população afegã que apostava num futuro melhor para o país ficou decepcionada. O país continua sendo um dos mais pobres do mundo.

Faltam água e energia elétrica, racionadas até na capital. O estado oferece poucas escolas. As demais são abertas graças à obra incansável de associações privadas que trabalham em favor da população afegã. Num relato de alguns estrangeiros que vivem no Afeganistão, publicado no site Ásia News nessa semana, destacava-se a indiferença dos afegãos diante das tantas mortes de soldados ocidentais. “Infelizmente, a morte virou uma rotina para eles”, sublinhava a fonte de Ásia News, lembrando que no país uma em cinco crianças morre antes de completar o quinto ano de vida. A eleição do presidente Karzai, em 2004, candidato apoiado pelos Estados Unidos, não trouxe grandes mudanças. Seu governo demonstrou-se politicamente muito fraco, incapaz de reagir às ações nefastas dos senhores da guerra, presentes no próprio parlamento e que agem em favor dos próprios interesses econômicos.

Dentro desse quadro, muitos se perguntam sobre a eficácia da presença dos militares ocidentais no Afeganistão. Apesar da imensa dor das famílias dos jovens soldados mortos ou sequestrados, a maioria dos governos ocidentais está ainda convicta que deixar o Afeganistão agora não seria uma solução satisfatória para ninguém. De outro lado, percebe-se a necessidade de uma mudança de estratégia. A força das armas, usada pelo governo Bush em 2001, não acabou com a guerra civil no país. Os soldados ocidentais são vistos com desconfiança pela população, assim como os representantes estrangeiros das Nações Unidas que os afegãos observam todo dia passar em seus carros de luxo nas ruas pobres de Cabul.

Tais missões chamadas “humanitárias” muitas vezes não conseguem atingir os objetivos prefixados, permanecendo distantes da população. Na sua longa experiência de representante da ONU em regiões de conflito, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello várias vezes colocou em evidência o paradoxo de tal situação. Na sua biografia, por exemplo, lemos que, durante o conflito na Bósnia, Sérgio Vieira de Mello, não querendo permanecer confinado dentro do complexo seguro da ONU, tentou estabelecer uma ligação com as “ruas bósnias”.

A autora da biografia conta que, enquanto os disparos dos francoatiradores soavam nas tardes invernais, ele parecia despreocupado e raramente trajava o colete à prova de balas, fornecido pela ONU. “Como posso usar essa coisa”, reclamava Sérgio à sua intérprete, “quando você, sua família e os vizinhos andam por aqui sem nada?”. Para as eleições presidenciais do próximo dia 20 de agosto, Barack Obama quis garantir um processo eleitoral pacífico, aumentando o contingente militar no país. Ao mesmo tempo, porém, reconheceu que deve ser estabelecida uma nova forma de relação com a população afegã, trabalhando para que o país alcance sua autonomia o mais rapidamente possível.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Pequim e a província muçulmana de Xinjiang

Domingo, 5 de julho, na cidade de Urumqi, capital da província chinesa de Xinjiang, o choque entre a polícia chinesa e um grupo de manifestantes provocou a morte de 140 pessoas e o ferimento de outras 800. A revolta parece ter surgido inicialmente como protesto pelo assassinado de dois muçulmanos de etnia uigur, na cidade de Cantão, no final de junho. Logo, porém, as manifestações revestiram-se de contornos nacionalistas pró-independência. O governo chinês reprimiu os protestos acusando grupos uigures do exterior de fomentar o movimento separatista na região justamente na véspera do G8. Como no caso do vizinho Tibete, também na região autônoma do Xinjiang, localizada no coração da Ásia Central, existem grupos separatistas que lutam há décadas pela independência do Turquistão Oriental ou Turquistão chinês, como é chamado por eles o Xinjiang.

Ao contrário de alguns dados imprecisos difundidos pela mídia, que afirma que o Xinjiang teria sido anexado em 1949 pelo governo comunista, esse território faz parte oficialmente da China desde 1758, quando da conquista por parte da dinastia Qing. Entre a queda da última dinastia chinesa, em 1911, e a proclamação da República Popular da China, Moscou tentou estender sua influência sobre a região, alimentando tentativas de separatismo. Uma vez no poder, os comunistas deixaram claro que o Xinjiang era parte integrante do território chinês, e por isso adotaram a política de enviar grupos pertencentes à etnia majoritária Han, para reforçar os vínculos culturais com aquela região tão distante da capital.

Para os chineses, de fato, o Xinjiang era uma terra inóspita, para onde eram enviados criminosos ou políticos banidos. Na época de tal forçado deslocamento, apenas 8% da população do Xinjiang era constituído por chineses da etnia Han. Atualmente, esses últimos constituem quase 40% dos 17 milhões de pessoas que habitam a região. Cerca da metade da população da região pertence a etnias minoritárias, todas muçulmanas, entre as quais se destaca a etnia uigur, acusada pelo governo de Pequim de fomentar o separatismo. A língua e cultura dos uigures provêm da Turquia, país que ainda hoje exerce profunda influência sobre as regiões centroasiáticas com seu ideal pantúrquico de uma única nação que iria da Europa dos Bálcãs até o Xinjiang.

Desde 1990, grupos islâmicos para a liberação da região do Xinjiang realizaram numerosos atentados em nome da guerra santa contra os infieis (jihad), o que resultou em um controle mais rígido por parte das autoridades chinesas. O governo de Pequim fechou as escolas islâmicas e permite o acesso às mesquitas somente para os maiores de 18 anos. A criação, em 2001, do Movimento Islâmico do Turquistão, uma formação extremista provavelmente financiada pela Al-Qaida e pelo narcotráfico, reforçou os argumentos de Pequim para reprimir qualquer tipo de manifestação popular.

É interessante notar que, ao contrário do Tibete, as repressões contra os manifestantes uigures não despertam tanta reprovação internacional. Talvez isso seja devido a dois fatores: o fato de os muçulmanos uigures não poderem contar com a figura carismática de um líder religioso como o Dalai Lama, e a desconfiança generalizada por parte do Ocidente em relação à criação de uma República Islâmica independente na Ásia Central. Contudo, há quem diga que a ação dos grupos de fundamentalistas islâmicos no Xinjiang seria usada como pretexto por parte de Pequim para reprimir qualquer tipo de manifestação popular contra o governo, mesmo se pacífica, como foi considerada a do último domingo.

Tais protestos seriam resultado do mal-estar generalizado entre a população muçulmana frente às políticas de Pequim que favoreceriam os imigrados chineses da etnia Han. De fato, eles possuem uma renda mais alta do que o resto da população, além de acesso a empregos públicos mais atraentes. A divisão inter-étnica, devido à presença “colonizadora” dos Han, é um elemento desestabilizador que Pequim não pode subestimar, tendo em conta a importância estratégica da região, rica em petróleo e gás, especialmente dentro das relações privilegiadas com os membros do grupo de Xangai (Rússia, China, Uzbequistão, Quirquistão, Tajdiquistão e Cazaquistão).

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Honduras e o fantasma do golpe de estado

Desde o último domingo, a população de Honduras enfrenta uma grave crise política. O presidente Manoel Zelaya foi obrigado pelas forças armadas a sair do país e encontra-se em exílio na Costa Rica. Roberto Micheletti, presidente do congresso de Honduras, fez-se nomear, imediatamente, presidente interino, declarando que permanecerá no poder até 29 de novembro, data prevista para as próximas eleições presidenciais. Foi o primeiro golpe de estado na América Latina após 16 anos de relativa tranquilidade política. Mas golpes de estado fazem parte da tradição política desse país, que é considerado o mais pobre após o Haiti.

Por meio de golpes de estado, diversos governos militares conseguiram derrotar governos reformadores interrompendo bruscamente as tentativas de reverter a condição de extrema pobreza de grande parte da população hondurenha. Nas suas relações externas, Honduras foi por longo tempo aliado dos Estados Unidos, que ali instalaram estrategicamente uma base militar para combater as forças sandinistas da Nicarágua. Os Estados Unidos costumavam apoiar os candidatos do Partido Nacional, de cunho conservador, contra os candidatos do Partido Liberal, mais próximos à população. Como de costume, em 2006, os republicanos americanos apoiaram a candidatura do nacionalista Porfírio Lobo. Porém, ele foi derrotado pelo candidato liberal, Manoel Zelaya, apoiado pelos democratas americanos. No poder, Zelaya inaugurou uma nova administração política.

Internamente, aumentou o salário mínimo, estreitando alianças com os setores populares do país, visando combater a exclusão social generalizada e a violência urbana, com índices entre os maiores do mundo. Com efeito, entre os anos de 1998 e 2005, foram contados 2.720 assassinatos de jovens entre 12 e 22 anos. Zaleya opôs-se à pena de morte como remédio para interromper tal ciclo de violência, acreditando que precisava combater as causas da violência identificadas na injusta distribuição de renda entre a população. Externamente, Zaleya aproximou-se da Venezuela, com o qual assinou tratados em matéria de petróleo.

Além disso, em 2008, ingressou na Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA), da qual fazem parte Venezuela, Equador, República Dominicana, Nicarágua, Cuba. O ingresso nesta organização foi contrastado pela maioria do congresso, que acompanhava com desconfiança os novos rumos da política governamental, claramente em oposição às políticas conservadoras de salvaguarda dos interesses econômicos de banqueiros, empresários e latifundiários, que contam com o apoio político do poder judiciário e das forças armadas hondurenhas. Olhando a situação desse ponto de vista, as causas do enfrentamento entre o presidente Zelaya e os outros poderes nacionais parecem um pouco mais claras.

Zelaya queria fazer uma consulta quanto à possibilidade de colocar uma quarta urna no dia das eleições presidenciais, 29 de novembro, relativa a uma possível revisão da Constituição. Tal projeto serviu de pretexto para o golpe, que foi contra as reformas sociais pretendidas por Zelaya. O congresso apressou-se, no início da semana passada, em aprovar uma lei que proíbe a realização de consultas populares 180 dias antes ou depois das eleições nacionais, invalidando o projeto de Zelaya.

Observando atentamente as datas, conclui-se que a acusação do congresso de que Zelaya queria realizar a consulta de domingo para poder reeleger-se é infundada, pois não daria tempo para ele reeleger-se visto que a consulta relativa à mudança da Constituição aconteceria no mesmo dia das eleições presidenciais. Zelaya foi vítima do poder conservador das elites econômicas em busca de uma desculpa qualquer para tirá-lo do poder. Ao contrário de outros golpes, as forças conservadoras hondurenhas não receberam o apoio internacional esperado. Desta vez, o democrata Barack e o bolivariano Chavez estão do mesmo lado, contra o golpe.