quarta-feira, 27 de maio de 2009

A Política Externa Independente no governo de Jânio Quadros

No dia 31 de janeiro de 1961, Jânio Quadros tomou posse como presidente do Brasil. Seu governo durou pouco mais de sete meses, mas, nesse breve período, o presidente Quadros colocou as bases para a implantação de uma política externa inovadora, denominada Política Externa Independente (PEI). Essa linha política apresentava-se de um lado, como a continuação e o aprofundamento do projeto nacional-desenvolvimentista inaugurado por Getúlio Vargas e, de outro, como uma proposta pioneira, sobretudo, no que dizia respeito à tradicional aliança com os Estados Unidos. Aproveitando as mudanças internacionais favoráveis à adoção de uma política externa mais autônoma em relação à potência norteamericana, Jânio Quadros procurou estabelecer relações políticas e comerciais com todos os países, inclusive os países socialistas.

Já antes de sua posse como presidente, Jânio Quadros visitou Cuba, em 1960, e, em seguida, viajou para Moscou com o intuito de restabelecer relações diplomáticas com a URSS, que haviam sito interrompidas em 1947, durante a gestão do presidente Gaspar Dutra. Jânio Quadros pertencia a um partido conservador, a União Democrática Nacional (UDN), enquanto seu vice, João Goulart, pertencia a um partido de esquerda, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). O fato de pertencer a um partido conservador permitiu ao presidente Quadros maior espaço de manobra. Ele pôde, durante sua gestão, adotar posturas diferentes no âmbito da política interna e da política externa. Com efeito, internamente, o presidente Quadros adotou uma postura predominantemente conservadora, procurando alinhar a economia brasileira aos princípios do FMI, enquanto no exterior ensejava uma administração autônoma dos Estados Unidos, o que agradava aos grupos de esquerda e aos nacionalistas.

Contudo, eram duas faces de uma única medalha, pois a PEI foi concebida justamente como instrumento para uma política de desenvolvimento nacional. Era uma experiência inédita, que dava à política externa brasileira, até então limitada a visões regionalistas, uma dimensão mundial e uma postura ativa frente às mudanças internacionais. No final dos anos 50, início dos anos 60, o cenário internacional transformou-se, favorecendo a ampliação das relações internacionais. Destacamos a recuperação econômica da Europa Ocidental e do Japão, que se apresentavam ao Brasil como possíveis alternativas comerciais; o processo de descolonização na África e na Ásia; a emergência da URSS como nova potência mundial; o surgimento do Movimento dos Países Não-Alinhados, em 1961, que sublinhava a necessidade de uma nova ordem internacional contra a divisão do mundo em dois blocos, tudo isso criou as condições necessárias para que o Brasil buscasse desenhar as linhas-guia de uma nova política externa, mais autônoma.

Em relação, por exemplo, a Portugal, aliado tradicional do Brasil, o presidente Quadros procurou afastar-se da política colonialista do presidente Salazar, passando a defender a independência das colônias africanas de Angola e Moçambique. Da mesma forma, criticou o sistema de apartheid vigente na África do Sul. No continente americano, o presidente Jânio Quadros procurou aproximar-se da Argentina, formando um movimento de resistência contra uma possível intervenção norteamericana na América Latina, em razão da Revolução Cubana. Com a atuação da PEI, o governo brasileiro procurava reagir à queda do comércio exterior, buscando novos mercados para os produtos brasileiros, sem distinguir entre mercados pertencentes a países democráticos ou socialistas.

A PEI defendia a formulação de planos de desenvolvimento econômicos que previam a aceitação de ajuda internacional desde que essa ajuda não contrastasse o desenvolvimento nacional. A defesa de uma política externa independente não agradou aos grupos conservadores brasileiros, que se assustaram com a insistência do governo de aproximar o Brasil aos países comunistas. Em 1960, Jânio Quadros enviou João Goulart, seu vice - considerado pelos conservadores um esquerdista de primeira - para uma missão comercial na China, em busca de novos mercados. No mesmo ano, Jânio Quadros condecorou, em Brasília, o ministro da economia de Cuba, Che Guevara. Tais ações agravaram a crise interna, levando à renúncia do presidente Jânio.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Bento 16 - Peregrino na Terra Santa (parte II)

Nos últimos dias de sua permanência na Terra Santa, Bento 16 teve oportunidade de encontrar e dialogar com os líderes máximos das comunidades palestina e israelense. Nos dois encontros, o papa fez questão de sublinhar qual é a posição da Santa Sé diante do conflito, ou seja, ela seria favorável à existência dos dois estados, israeliano e palestino. Desse mesmo pensamento, é o jesuíta Samir Khalil Samir, entre os mais escutados pelo Vaticano. Segundo ele, a raiz do conflito não é religiosa nem étnica, mas política. O problema - segundo Samir - remonta à criação do estado de Israel e à repartição da Palestina, em 1948.

Para remediar a injustiça contra um terço da população hebreia, com o holocausto, os governos ocidentais cometeram uma nova injustiça, dessa vez contra a população palestina, inocente em relação ao martírio dos hebreus. Bento 16, durante o encontro com o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Abu Mazen, no Palácio Presidencial de Belém, reiterou o seu apoio ao reconhecimento de uma pátria para os palestinos: “A Santa Sé apoia o direito do povo palestino a uma pátria soberana, palestina, na terra de vossos antepassados, segura e em paz com os seus vizinhos, dentro de confins internacionalmente reconhecidos”.

Além de convidar as partes em conflito a abandonar o rancor e a escolher o caminho da reconciliação, pediu à comunidade internacional de não poupar esforços em favor de uma solução dos conflitos, da reconstrução de casas, escolas, hospitais destruídos no recente conflito na Faixa de Gaza. Em Belém, Bento 16 deparou-se com a triste realidade do Muro da Separação, uma barreira de cimento e arame farpado alta com mais de oito metros que separa a cidade de Belém da área de Jerusalém, distante apenas nove quilômetros. O muro foi construído em 2004 por Israel como medida de segurança contra os ataques palestinos a Jerusalém. Mas acabou provocando grandes perdas pelo povo palestino, não apenas do ponto de vista econômico, pelo fechamento de quase 80% do comércio e pela queda do turismo, mas, sobretudo, porque representa uma séria limitação da liberdade dos palestinos que não podem deixar a cidade sem permissão do governo de Israel.

A visita ao local foi um dos momentos mais fortes da viagem de Bento 16. Ele afirmou: “Enquanto o costeava, rezei por um futuro em que os povos da Terra possam viver juntos em paz e harmonia sem a necessidade desse tipo de instrumentos de segurança e separação, mas respeitando-se e confiando um no outro, renunciando a todo tipo de violência e agressão”. Com essas palavras, Bento 16 sublinhou, de um lado, os sofrimentos do povo palestino, mas, de outro, reconheceu a necessidade de segurança por parte de Israel, pedindo aos palestinos para rejeitar o terrorismo.

Dirigindo-se a ambas as partes, disse: “De ambos os lados do muro, é necessário grande coragem para superar o medo e a desconfiança, se deseja-se contrastar a necessidade de vingança pelas perdas e ferimentos. Ocorre magnanimidade para buscar a reconciliação após anos de conflitos armados”. Ele sublinhou que não basta abater os muros de pedra. “Antes de tudo, é necessário remover os muros que construímos ao redor dos nossos corações, as barreiras que levantamos contra o nosso próximo”. No dia seguinte, Bento 16 encontrou-se, na cidade de Nazaré, com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, eleito no último mês de abril.

O papa conversou a sós com Netanyahu por 15 minutos, que lhe pediu para condenar as posições iranianas de negação da legitimidade do estado de Israel. O papa atendeu ao pedido israelense no último dia de sua viagem. Durante o discurso de despedida na Terra Santa, no aeroporto de Tel Aviv, ele afirmou: “Não mais efusão de sangue! Não mais conflitos! Não mais terrorismo! Não mais guerra! Rompamos antes o círculo vicioso da violência. Seja universalmente reconhecido que o estado de Israel tem o direito de existir e de usufruir da paz e da segurança dentro de confins internacionalmente reconhecidos. Seja igualmente reconhecido que o povo palestino tem o direito a uma pátria independente, soberana, direito a viver com dignidade e a viajar livremente. Que a ‘two-State solution’, a solução de dois estados, torne-se realidade e não permaneça sonho”. E concluiu com um convite: “Que a paz possa difundir-se nessas terras; que elas possam ser ‘luz para as nações’, levando esperança a muitas outras regiões atingidas por conflitos”.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Bento 16 - Peregrino na Terra Santa (parte I)

A visita de Bento 16 à Terra Santa teve início sexta-feira passada, dia 8 de maio, e terminará nesta sexta, dia 15. Nesses dias, o papa visitará os lugares santos da história do cristianismo. Na Jordânia, primeira etapa da viagem, o papa já visitou o lugar onde Jesus foi batizado, junto ao rio Jordão. No dia 11, Bento 16 deixou a capital da Jordânia, Amã, rumo a Israel, onde permanecerá até o fim da visita, passando pelas cidades de Jerusalém, Belém e Nazaré. Naturalmente, a viagem de Bento 16 não é uma simples peregrinação. Ele mesmo sublinhou - aos jornalistas que lhe perguntaram sobre o sentido e os objetivos de sua viagem - que se trata não apenas da viagem de um indivíduo, “mas de um chefe da igreja, que não é um poder político, mas uma força espiritual”.

Logo em seguida, Bento 16 evidenciou os três objetivos de sua visita: a oração, porque Deus pode mudar o curso da história se milhões de fiéis o invocam; a formação das consciências, para que os seres humanos sejam capazes de perceber a verdade, livrando-se de visões particulares e abrindo-se aos valores autênticos; e, por último, a racionalidade, porque não sendo parte política, a igreja pode refletir e aprofundar as posições mais racionais. Durante a visita em Amã, ele ainda especificou que veio “simplesmente com uma intenção e uma esperança: rezar para o dom mais precioso da unidade e da paz, mais especificadamente para o Oriente Médio”.

Em Amã, Bento 16 foi acolhido pelo rei da Jordânia, Abdullah II bin Hussein, e sua esposa, que o acompanharam durante a visita. A Jordânia é o único país do Oriente Médio onde os cristãos - que representam 2% da população - são livres de professar a sua fé, construir escolas, igrejas e universidades. Por isso, Bento 16 elogiou a política de liberdade religiosa adotada pelo rei da Jordânia, e seu importante papel de promotor da paz na região. O rei da Jordânia, por sua vez, declarou sua alegria em acolher o papa em sua terra, onde “muçulmanos e cristãos são cidadãos iguais diante da lei, todos contribuindo ao futuro do país”. Hussein sublinhou que viver em paz, confortar os pobres e desesperados, dar esperança aos jovens é o empenho do seu país e a alma de sua comunidade.

Em Amã, o papa visitou também a mesquita Al-Hussein Bin Talai, onde foi acolhido por um grupo de importantes líderes muçulmanos, entre os quais o príncipe Ghazi Bin Muhammad Bin Talai, primo do rei Abdullah. O príncipe Gazi foi o principal inspirador da carta ao papa assinada, em 2006, por 138 representantes muçulmanos de vários países que marcou o início de um diálogo profícuo entre muçulmanos e cristãos, após a polêmica lição de Bento 16 na Universidade de Ratisbona. A visita do papa à mesquita e o diálogo com os líderes islâmicos teve grande repercussão no mundo muçulmano. A etapa de Bento 16 em Israel é certamente a mais esperada e polêmica. Há o temor que esta viagem e as declarações de Bento 16 sejam instrumentalizadas politicamente pelos dois lados em conflito: árabes e judeus.

Os grupos árabes temem que a viagem de Bento 16 torne-se uma vantagem política para Israel. Mas Bento 16 surpreendeu mais uma vez, destacando-se pela originalidade e racionalidade de suas contribuições particularmente nos assuntos mais críticos e pungentes. Dois são os temas cruciais que a opinião pública esperava que Bento 16 enfrentasse em solo israelita: o tema da paz e o da segurança, após o dramático conflito de janeiro passado; e o tema da Shoah e antissemitismo, após as polêmicas declarações do bispo Williamson. Nos dois casos, ele escolheu abordar os dois temas a partir da fé e da escritura.

Ele relacionou a paz à procura de Deus, empenho que deveria ser de todos os líderes religiosos; e a segurança à palavra bíblica “batah”, que significa não apenas segurança, mas confiança: “Uma segurança duradoura é questão de confiança, alimentada na justiça e na integridade, selada pela conversão dos corações que nos obriga a olhar o outro nos olhos e a reconhecer o ‘tu’ como meu semelhante, meu irmão, minha irmã”. Durante a visita ao memorial das vítimas do Holocausto, Bento 16 lembrou o sentido de uma outra palavra bíblica: o “nome”, evidenciando como não é possível tirar o nome de nenhum ser humano, pois os nomes de todos “estão gravados de maneira indelével na memória de Deus Onipotente”.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Sujeitos importantes em forma de siglas internacionais

Algumas siglas estão se tornando mais familiares, mas, talvez, não conheçamos a origem e relevância delas no cenário internacional. Por exemplo, escutando as notícias sobre a difusão da gripe A e o risco de pandemia, recebemos diariamente orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Quando o assunto é a evolução da crise econômica mundial, lá vem a Organização Mundial do Comércio (OMC), e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Quando o assunto é desrespeito aos direitos humanos, acompanhamos os relatórios da Amnesty International, ou, em matéria de meio ambiente, as denúncias do Greenpeace ou do WWF.

Todas essas organizações internacionais estão ocupando mais espaço, atuando ao lado dos estados ou até competindo com eles, que já não são mais considerados os únicos atores internacionais. Qual a origem de tais organizações? A maior parte delas surgiu a partir da segunda metade do século 20. Todavia, já no século 19, havia notícias de formação das primeiras organizações internacionais, como a União Telegráfica Internacional, fundada em 1865, e a União Postal Universal, criada em 1874. A transformação social e econômica provocada pela Revolução Industrial contribuiu para a melhoria das comunicações, para a diminuição dos tempos de deslocamento além das fronteiras nacionais, aproximando povos e culturas e facilitando a integração e cooperação.

Durante a Primeira Guerra Mundial, com a entrada dos Estados Unidos no conflito, o cenário internacional ampliou-se mais ainda. E foi justamente dos Estados Unidos que veio a ideia de se criar uma organização que reunisse vários estados no empenho para garantir um sistema de segurança coletiva contra as eventuais ameaças à paz. O então presidente Woodraw Wilson, deu vida à Liga das Nações, germe da futura Organização das Nações Unidas (ONU), que se afirmou no Ocidente depois da Segunda Guerra Mundial.

A divisão do mundo em dois blocos, durante o período da Guerra Fria, não desencorajou o surgimento de numerosas organizações internacionais. Com o intuito de melhorar as relações entre povos e culturas, trabalhando em defesa da paz ou procurando resolver problemas sociais e econômicos, tais organizações atuam em diversos âmbitos, estruturadas em nível regional e mundial. As organizações internacionais - sejam elas inter-governamentais (OIGs) ou não-governamentais (ONGs) - podem ser definidas como a forma mais estruturada de se realizar a cooperação internacional. A diferença entre OIGs e ONGs é que as primeiras são criadas por vontade dos estados, por meio de tratados, com a finalidade de realizar interesses comuns através da cooperação permanente entre seus membros.

São OIGs, para citar os exemplos mais conhecidos, a União Europeia e a ONU, com as suas várias agências especializadas: Organização Mundial do Comércio (OMC), Organização Mundial da Saúde (OMS), Banco Mundial, FMI, Organização para Alimentação e Agricultura (FAO), Organização Internacional do Trabalho (OIT), Unesco (para a educação, ciência e cultura), Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), Unicef (para a infância). As ONGs diferem-se das OIGs por serem privadas, e não estatais. De fato, elas são criadas por grupos de cidadãos, sendo entes privados sem fins lucrativos, voltados para os direitos humanos, a proteção ambiental, a ajuda humanitária, etc.

Muitas vezes, surgem para ajudar grupos ou defender espaços que são negligenciados pelos estados. As ONGs mais conhecidas são a Cruz Vermelha, os Médicos Sem Fronteiras, além das que já citamos, como o Greenpeace, WWF, Amnesty International. São muitas as dificuldades que as organizações internacionais enfrentam para concretizar os seus objetivos. Os estados resistem à atuação das ONGs e OIGs por medo de uma concorrência que possa enfraquecer a sua soberania. O crescimento em número e força de tais organizações parece demonstrar que a cooperação internacional é um caminho sem volta.