quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Toussaint Louverture – o herói da independência haitiana (1)

Há semanas, seguimos com o coração apertado as vicissitudes do Haiti, alegrando-nos com cada sobrevivente encontrado, compartilhando a dor pelo aumento das mortes e frustrando-nos pela impressionante dificuldade que as equipes internacionais encontram para distribuir as ajudas provenientes do mundo todo. O caos impera e a esperança de reconstrução desse país, já devastado antes do terremoto, aparece como uma pequena chama muito fácil de ser apagada.

Observando as reportagens diárias sobre esse pequeno país, porém, evidencia-se, além do sofrimento, a resistência extraordinária desse povo que há décadas enfrenta desemprego, corrupção por parte de governos ditatoriais, ausência dos pressupostos básicos para o funcionamento de um estado. O Haiti, país mais pobre do continente americano, pode ser classificado, segundo os parâmetros de classificação dos estados, como um quase-estado.

Contudo, esse quase-estado possui na sua história um herói, quase desconhecido, que se tornou um modelo para o movimento anti-colonialista da América Latina. Seu nome é Toussaint Louverture.

Líder da revolução haitiana, que começou em 1791, Toussaint lutou junto com os escravos negros do Haiti contra a dominação francesa por 14 anos, alcançando a independência em 1804. Foi a primeira república negra. Um caso atípico na história. Sua divulgação histórica foi considerada inconveniente pelo ocidente, por óbvias razões. Mas essa omissão não conseguiu evitar que o nome de Toussaint Louverture se tornasse referência para muitos países que desejavam a libertação da dominação estrangeira.

Já seu nome, é um programa. Toussaint adoutou em 1793 o nome Louverture, do francês l’ouverture que significa abertura, a abertura de um novo caminho, o da libertação, da independência.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Matteo Ricci, os jesuítas e a questão dos ritos (fim)

Em Nanquim, Mons. Tournon publicou um decreto que renovava a condenação da igreja de Roma contra os ritos chineses, ameaçando todos os missionários que se conformassem às decisões de Kangxi de excomunhão (Decreto de Nanquim). A publicação deste decreto, que retomava as decisões já promulgadas pela Santa Sé em 20 de novembro de 1704, provocou a ira do imperador que convidou Mons. Tournon a se retirar em Cantão e, em seguida, a Macau, onde deveria esperar a volta de dois jesuítas enviados a Roma pelo imperador Kangxi para tentar convencer o papa a revogar a proibição dos ritos.

Em Macau, Mons. Tournon foi preso pelas autoridades portuguesas com a acusação de ter agido junto ao imperador chinês sob a autorização exclusiva de Roma, quando, segundo as leis do padroado de Portugal, qualquer missão diplomática católica deveria ser intermediada pelo governo português.
Trata-se de episódio significativo porque mostra as dificuldades da Santa Sé para estabelecer relações diretas com a China.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Matteo Ricci, os jesuítas e a questão dos ritos (parte 4)

A intransigência de Roma contradisse as instruções que, no mesmo período, exatamente em 1659, Propaganda Fide apresentara a todos os missionários: “Não usem nenhum meio de persuasão para induzir aqueles povos a mudar os seus ritos, os seus hábitos, os seus costumes, ao menos que não estejam abertamente contra a religião e os bons costumes. O que existe, de fato, de mais absurdo do que transplantar na China, a França, a Espanha, a Itália ou qualquer outro país da Europa?

Não é isto que vocês devem introduzir, mas a fé, que não rejeita os ritos e os costumes de nenhum povo, contanto que não sejam maus, mas quer, ao contrário, salvaguardá-los e consolidá-los... Não façam, portanto, comparações entre os usos locais e os usos europeus; procurem com todo vosso empenho acostumar-vos a eles. Admirem e elogiem tudo que merece elogios; se algo não o merece, não devem certamente exaltá-lo como fazem os aduladores, mas devem ter a prudência de não julgá-lo ou ao menos de não condená-lo sem motivo”.

Faltou confiança nas intuições dos missionários jesuítas que tinham experiência direta e conhecimento profundo da cultura chinesa. As decisões pontifícias distanciaram-se da posição da própria Propaganda Fide e resultaram numa derrota da experiência missionária deste período.

O papa Clemente 11 enviou à China Mons. Charles-Thomas Maillard de Tournon. A sua missão era aquela de explicar e fazer respeitar as decisões do Vaticano em relação à Questão dos Ritos. Admitido à corte imperial, em um primeiro momento, o imperador Kangxi acolheu Mons. Tournon com uma certa cortesia, mas, quando teve conhecimento das comunicações de Roma contra os ritos chineses, fez reconduzir Mons.Tournon a Nanquim e ordenou que daquele momento em diante os missionários deveriam providenciar um piao, isto é, uma permissão emitida pelas autoridades civis para se deslocar no interior da China que seria dada somente aos missionários que tivessem declarado de aceitar o ponto de vista do imperador. Caso não quisessem, seriam expulsos do império.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Matteo Ricci, os jesuítas e a questão dos ritos (parte 3)

Alguns missionários, principalmente dominicanos e franciscanos, que evangelizavam com métodos intransigentes, porque culturalmente ligados a modelos europeus, escreveram à Santa Sé comunicando suas opiniões contrárias aos métodos usados por Matteo Ricci e outros jesuítas, afirmando que a fé cristã corria risco, porque os jesuítas estavam permitindo aos católicos chineses de praticar os ritos aos ancestrais.

Estes ritos eram homenagens que os chineses dirigiam aos próprios defuntos. Todos os chineses guardavam nas suas casas tabuinhas com os nomes dos seus defuntos e a eles dirigiam saudações, acendiam incensos, ofereciam frutas, perfumes... As mesmas homenagens eram reservadas a Confúcio. Tudo isso era a manifestação da virtude da “piedade filial” que estava à base da organização familiar e da sociedade civil chinesa.

Um outro ponto de litígio era sobre a escolha da palavra chinesa para a definição de Deus. Três eram as palavras usadas no tempo de Matteo Ricci: Tian Zhu (Senhor do Céu), Shang-di (Senhor Soberano) e Tian (Céu). Esta última denominação foi usada pelo imperador Kangxi em uma inscrição que ele mesmo tinha redigido em grandes ideogramas com o objetivo de doá-la aos Jesuítas. Estes tinham colocado a inscrição na capela de sua casa. A controvérsia era se estas palavras chinesas pudessem ou não expressar a natureza de Deus. Depois de vários estudos por parte de Roma, o uso das denominações Shang-di e Tian foi proibido.

Em 1645, a igreja católica pronunciou-se pela primeira vez contra os ritos aos ancestrais definindo-os como atos supersticiosos, inaceitáveis para quem queria se converter ao catolicismo. Os jesuítas tentaram esclarecer que esses ritos eram um simples e amoroso tributo aos pais e ascendentes defuntos, consequência da virtude da piedade filial ensinada aos chineses por Confúcio e que nada tinham a ver com superstição. Mas ninguém quis escutá-los. Nem um ato oficial do imperador Kangxi, no qual ele afirmava que as honras prestadas a Confúcio e aos ancestrais eram puramente civis, conseguiu convencer Roma a abandonar a sua atitude intolerante.