quarta-feira, 26 de maio de 2010

O mundo menos violento e o retorno da paz

Semana passada, li um artigo muito interessante de Alberto Barlocci na revista Cidade Nova. O título era: “O mundo está menos violento”. O artigo desenvolve-se em torno do livro de um sociólogo italiano, Pino Arlacchi, que é professor de Sociologia na Universidade de Sassari (Itália) e parlamentar da União Européia. De 1997 a 2002, foi vice-secretário da Organização das Nações Unidas. Autor de vários livros sobre a máfia, Arlacchi lançou recentemente um livro intitulado “O engano e o medo”, (em italiano L’inganno e la paura: il mito del grande caos).

Na introdução do livro, lemos um trecho significativo que explica a ideia ao redor da qual se desenvolve o livro: estamos sendo enganados, não é verdade que o mundo está se tornando sempre mais violento, é o contrário. Eis como Arlacchi introduz sua hipótese: “O grande engano é produzido pela mídia, pelos governos, pelos aparados militares e de segurança, predominantemente americanos. Ele produz continuamente uma das emoções mais poderosas: o medo. Uma sensação de angústia, que acabou por envolver quase toda crônica, toda informação e avaliação sobre os fatos de mundo. Mas, ao mesmo tempo, é uma emoção artificial, gratuita, que corresponde pouco ao que efetivamente ocorre.

A produção do pânico implica difusão das mentiras que possuem o objetivo de nos colocar na defensiva e de nos fazer sentir muito mais frágeis de quanto somos realmente. O grande engano é uma operação reacionária, que constrói monstros onde existem apenas alteridades desconfortáveis e inventa perigos mortais onde agem apenas processos de mudança que subvertem velhos equilíbrios”.

Para fundamentar essa hipótese, o artigo mencionado no início evidencia alguns dados interessantes encontrados no livro de Arlacchi. Com o fim da Guerra Fria, os conflitos no mundo diminuíram em torno de 60%. O ano de 2007 foi o ano de menor incidência de guerras desde 1950; a partir de 2003, os conflitos armados entre países desapareceram, com exceção da invasão do Iraque; entre 1981 e 2004, as crises internacionais, que costumam ser fontes de guerras, diminuíram em torno de 70%; entre 1992 e 2007, 92,5% dos conflitos foram resolvidos com a negociação e o recuso da guerra foi utilizado em 7,5% dos casos; a partir do início dos anos de 1990, também diminuiu o número de guerras civis.

Reduziram-se, também, os golpes de Estado: em 1993, foram 23; em 2004, foram dez; e em 2005, apenas três. Entre 2007 e 2009 houve um único golpe de Estado, o de Honduras. Arlacchi dedica um capítulo do seu livro ao atual tema do terrorismo. Aqui também ele demonstra o contrário de quanto nos é comunicado pela mídia. Por exemplo, ele demonstra que a afirmação que o terrorismo seria uma forma de agredir o Ocidente não é comprovada pelos números, pois dos 14.041 ataques terroristas ocorridos entre 2004 e 2007, apenas 3,2% foram registrados na Europa, e 0,1% nos Estados Unidos. Apenas 330 atentados, dos 15.035 ocorridos no Oriente Médio e no Golfo Pérsico, no mesmo período, tiveram como alvo cidadãos europeus.

Segundo o artigo que analisa o livro de Arlacchi, tais dados levam a uma ideia diferente daquela que geralmente a opinião pública internacional tende a sublinhar, a saber, que o terrorismo é uma ameaça para todo mundo. Segundo o autor, ao contrário, o terrorismo tem sido usado, como método para resolver problemas internos na área islâmica. Mas a difusão de tais informações não ajudaria o governo americano a manter o clima de medo instaurado após o11 de setembro.

Da mesma forma, Arlacchi fala sobre os índices de criminalidade que diminuíram no mundo todo. Na Itália, por exemplo, em 2001, os homicídios diminuíram pela metade em relação a 1991, e, em 2006, os homicídios diminuíram de um terço respeito a 2001. Na União Européia também houve uma redução em 30% dos atos criminosos. Arlacchi vê na democracia e no progresso o caminho para a diminuição progressiva da violência. Naturalmente, como ele afirma em outras páginas do livro, “a crítica do grande engano não desemboca em nenhuma visão do ‘fim da história’, mas na proposta de algumas ideias que circulam há dois séculos: um Parlamento e um Governo mundiais, a proibição legal da guerra, o desarmamento”.

Arlacchi, no seu livro, quer derrubar a ideia de que a violência e a guerra estão tendo a melhor e se faz promotor da paz, “invenção recente” visto que, segundo o autor, somente após Kant a paz tornou-se, aos olhos da comunidade internacional, um objeto digno de atenção.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Turquia – candidata perene à União Europeia

O debate sobre a aceitação ou menos da Turquia como membro pleno da União Europeia teve início logo após a constituição da Comunidade Econômica Europeia, criada com o Tratado de Roma, em 1957. Com efeito, no mesmo ano, a Turquia manifestou seu interesse em ingressar na nova comunidade.

Para conhecer melhor a história desse país e entender as razões que dificultam a integração da Turquia no espaço europeu, ocorre voltar um pouco no tempo, no momento da proclamação da república da Turquia, que surgiu sobre as ruínas do antigo Império Otomano. Nas últimas décadas do século XIX, o Império otomano reduzira-se a um estado semi-colonial onde as potências estrangeiras gozavam de numerosas áreas de extraterritorialidade e isenção de impostos.

Além disso, as nações estrangeiras protegiam os cristãos otomanos que puderam, dessa forma, ter acesso à educação europeia e progressivamente tomaram conta dos setores estratégicos da economia turca. A nova república, fundada em 1923 por uma revolução modernizadora liderada por Mustafá Kemal Ataturk (Ataturk significa pai dos turcos), mudou o rumo do país, instituindo um regime laico, com o apoio dos militares e procurando criar uma burguesia nacional nas mãos dos muçulmanos até então discriminados. A maioria dos cristãos fugiu para a Grécia.

Após a crise mundial de 1929, o estado turco optou por uma política oficial chamada “estatism”, através da qual a econômica seria controlada quase que exclusivamente pelo estado. No período que seguiu à Segunda Guerra Mundial, o primeiro-ministro Ismet Inonu, sob pressão anglo-americana e contra a vontade do partido, introduziu no país o sistema multipartidário, apoiando os grupos de reformadores moderados que solicitavam uma liberalização da economia nacional, presa até então ao modelo soviético.

Tal inversão de política pública obedecia a motivos essencialmente pragmáticos. Para se defender do expansionismo da URSS, a Turquia procurou a proteção dos Estados Unidos que, em 1947, lançava a Doutrina Truman com o intuito de conter a expansão soviética. A partir daquele ano, a Turquia tornou-se parte integrante do bloco ocidental. Foi um dos primeiros países a enviar tropas de auxílio aos Estados Unidos na Guerra da Coréia, em 1950.

Em 1952, a Turquia tornou-se membro da OTAN. Sob sugestão dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, procurou formar redes de cooperação com os países do Oriente Médio, por meio do pacto de Bagdá, assinado pelo Reino Unido, Paquistão, Irã, Iraque e Turquia e, em seguida, por meio da Organização do Tratado Central, junto com os Estados Unidos, Irã e Paquistão. A tentativa de cooperação regional não teve sucesso, sobretudo pelo surgimento e rápida difusão do movimento socialista árabe, liderado pelo presidente egípcio Nasser.

A Turquia passou a ser percebida, pelos seus vizinhos árabes, como um fantoche nas mãos das potências ocidentais. Para fugir desse isolamento, o país apresentou à nascente Comunidade Econômica Europeia o pedido de integração como novo membro. A Europa demonstrou interesse e apoiou tal pedido, pois a Turquia era considerada um país estrategicamente importante pela sua localização às portas do Oriente Médio, sobretudo, no âmbito da defesa e da estabilidade regional.

Até 1974, a Turquia e CEE mantiveram ótimas relações. A Turquia fazia questão de se apresentar como uma democracia liberal, com uma economia ascendente, tentando, com isso, preencher os pré-requisitos dos candidatos à CEE. Além disso, o país tornou-se o principal fornecedor de trabalhadores imigrados para a Europa ocidental, sobretudo para a Alemanha. Desde 1974, novos acontecimentos esfriaram as relações com a Europa. A invasão turca da ilha de Chipre foi um dos fatores predominantes desse distanciamento, assim como o golpe militar, em 1980, que tentou barrar os projetos democráticos turcos.

Com o fim da Guerra Fria e o desmantelamento dos governos comunistas no Leste Europeu, a Europa priorizou os novos possíveis candidatos ao bloco europeu, em detrimento de suas relações com a Turquia, que já não representava mais o mesmo valor estratégico do período da Guerra Fria.

Atualmente, a adesão da Turquia à União Europeia permanece assunto de debate entre os governos europeus. Não se pode esquecer que a Turquia desempenha ainda um papel importante na área do Mediterrâneo e no Oriente Médio, pois 97% de seu território estão localizados na Ásia. De outro lado, o ingresso da Turquia, de maioria muçulmana, desperta em alguns governos europeus a ideia de abandono definitivo de uma Europa culturalmente homogênea e com as mesmas raízes religiosas, mesmo se, desde sua fundação, a república laica da Turquia optou claramente pela separação entre Igreja e Estado.

A opinião pública turca encontra-se igualmente dividida entre os grupos que consideram a perspectiva de ingresso do país na União Europeia como um forte estímulo ao crescimento econômico e social do país, e o grupo dos radicais islâmicos que desejaria retomar o projeto de um mercado comum na região do Oriente Médio.

Há, portanto, muitos elementos em jogo que devem ser considerados em relação à aceitação da Turquia como membro pleno da União Europeia, e que certamente atrasarão ainda por algum tempo a solução de tal impasse.