quarta-feira, 30 de junho de 2010

A África e sua integração regional (parte final)

A década de 1980 foi marcada por violentos conflitos e a Conferência para a Coordenação do Desenvolvimento da África Austral (SADCC) não possuía força e instrumentos adequados para barrar a ação da África do Sul. A situação mudou somente com o estabelecimento da democracia na África do Sul, nos anos 90.

Com o ingresso do país no bloco regional, este se transformou de SADCC em SADC - Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral. O novo grupo regional foi ratificado em 1992, por um tratado assinado pelos chefes de estado e de governo. Atualmente, fazem parte da SADC 14 países. Além dos nove países membros da extinta SADCC, ingressaram, além da África do Sul, também as ilhas Maurício, Namíbia, República Democrática do Congo e as ilhas Seicheles.

Entre os objetivos da SADC, estão: alcançar desenvolvimento e crescimento econômico; aliviar a pobreza; aumentar o padrão e a qualidade de vida dos países da África Austral, dando apoio aos socialmente desamparados, por meio da integração regional; desenvolver valores, sistemas e instituições políticas comuns; promover e defender a paz e segurança; promover o desenvolvimento sustentado a partir da autoconfiança coletiva e da interdependência dos estados membros; alcançar a complementaridade entre estratégias e programas nacionais e regionais; promover e maximizar o emprego produtivo e a utilização dos recursos da região; alcançar o uso sustentável dos recursos naturais e a efetiva proteção do meio ambiente; fortalecer e consolidar as antigas unidades históricas, sociais e culturais e os elos entre os povos da região.

Uma das fragilidades desse bloco consiste na diversidade de seus países membros em termos socioeconômicos e políticos. A instabilidade de seus governos, todos declarados por seus governantes como democráticos, dificulta a integração econômica. Alguns dos seus países membros estão envolvidos há anos em guerras civis, o que demonstra quanto distante ainda esteja uma paz estável nessa porção do continente. Mesmo nessa instabilidade política, a presença da SADC desempenha um papel importante para colaborar na solução desses conflitos. Outra dificuldade é a falta de compromisso dos países membros em relação a quanto foi decidido para melhorar a integração regional.

Há uma tendência por parte dos membros da SADC a priorizar o projeto nacional ao projeto de integração. A cooperação não está acontecendo como se esperava, devido, também, às economias desses países que sofrem com moedas instáveis. O quadro não é dos melhores. Contudo, frente à tendência mundial sempre mais premente rumo à integração, espera-se que os estados mais desenvolvidos do bloco, como a África do Sul e o Zimbábue, que hoje prezam mais pelo seu desenvolvimento nacional, decidam voltar a olhar para seus vizinhos, tomando a decisão de crescer junto com o resto da África.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

A África e sua integração regional (1)

Nesses dias de Copa, a atenção do mundo e os holofotes da mídia estão voltados para o continente africano. Os jogos de futebol têm como pano de fundo esta terra sofrida, e muitas são as reportagens televisivas que procuram nos aproximar do povo africano, mostrando-nos um pouco de seu modo de viver, suas tradições, suas cidades, sua busca por um futuro melhor.

O desenvolvimento e o crescimento econômico que a África está tentando alcançar passam também pela integração de suas diversas regiões, os assim chamados “blocos econômicos” que se fortaleceram no mesmo período em que o fenômeno da globalização alastrava-se no mundo inteiro. Na África, há diversos blocos econômicos que geralmente reúnem países geograficamente próximos, ou que foram submetidos, nas décadas passadas, ao domínio de uma mesma potência ocidental. Como a Copa do Mundo ocorre este ano na África do Sul, vamos falar hoje do bloco econômico que reúne os países da África austral, entre os quais está a própria África do Sul. Trata-se da SADC (Southern African Development Community), a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral. As origens da SADC devem ser procuradas em um projeto anterior, chamado Conferência para a Coordenação do Desenvolvimento da África Austral (SADCC), fundada em 1980 por nove estados africanos: Angola, Botsuana, Lesoto, Malaui, Moçambique, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue. Esses novos países uniram-se com o principal objetivo de obter maior autonomia frente à África do Sul, tentando cortar a dependência econômica do país vizinho, detentor da economia mais forte do continente. Com efeito, na época, na África do Sul, sob o governo da minoria branca, reinava uma dura política de segregação racial, o apartheid.

Frente ao fato de os estados vizinhos terem ganhado sua independência sob o governo de presidentes africanos, a África do Sul foi tomando ciência do seu crescente isolamento regional. Como reação a tal situação, tentou semear a desestabilização ao longo de suas fronteiras e se tornou o principal promotor de conflitos nos países vizinhos, especialmente Moçambique, Angola e Zimbábue.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

A Santa Sé e a ONU (parte final)

A Santa Sé respondeu prontamente à provocação, por meio do secretário para as relações com os estados, o arcebispo francês Dominique Mamberti, que explicou qual a razão da participação da Santa Sé na ONU e evidenciou os valores que a Santa Sé procura levar nas discussões da assembleia geral: “Certamente, não é um convite aceitável! Ele nasce talvez de uma compreensão não exata da posição da Santa Sé na comunidade internacional. (...) Por trás do convite a reduzir-se a ONG, além da incompreensão do status jurídico da Santa Sé, há provavelmente também uma visão redutiva de sua missão, que não é setorial ou ligada a interesses particulares, mas universal e compreensiva de todas as dimensões do homem e da humanidade. É por isso que a ação da Santa Sé no âmbito da comunidade internacional é muitas vezes um ‘sinal de contradição’, porque ela não cessa de levar sua voz em defesa da dignidade de cada pessoa e da sacralidade de cada vida humana, sobretudo aquela mais fraca”.

Mesmo podendo ser considerado um estado a todos os efeitos - e a criação do estado da Cidade do Vaticano lhe permitiria isso - a Santa Sé possui peculiaridades que dificultariam sua participação na ONU como membro pleno e que descaracterizariam a sua contribuição e seus objetivos no seio das Nações Unidas.

Em 2002, o Cardeal Tauran, em uma conferência sobre a presença da Santa Sé nas Organizações Internacionais, evidenciou justamente o papel da Santa Sé como promotora de um clima de maior confiança entre os parceiros internacionais e perorando a afirmação de uma nova filosofia, as relações internacionais baseadas numa gradual diminuição das despesas militares; no desarmamento efetivo; no respeito das culturas e das tradições religiosas; na solidariedade com os países pobres, ajudando-os a serem eles mesmos os artífices do próprio desenvolvimento.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

A Santa Sé e a ONU (parte 2)

Tal campanha originou-se após a participação da Santa Sé na conferência internacional do Cairo, em 1994, sobre a população e após a sucessiva Conferência de Pequim sobre a mulher. Nas duas conferências, a Santa Sé recusou de aderir às políticas favoráveis ao aborto e que eram defendidas pela maioria dos países.

Em 2002, quando a Suíça, que mantinha ao lado da Santa Sé o status de observador permanente, tornou-se membro pleno da assembleia geral, a Santa Sé, por meio de seu secretário de estado, o então cardeal Angelo Sodano prospectou a possibilidade de modificar a posição da Santa Sé junto à ONU de observador permanente a membro pleno. Tal possibilidade, porém, foi excluída em 2004, quando, por meio de uma resolução aprovada pela assembleia geral, o status de observador permanente da Santa Sé foi finalmente definido e aprovado pelos seus membros.

A Resolução A/58/L.64 acerca da participação da Santa Sé aos trabalhos da ONU foi aprovada por unanimidade pelos membros da assembleia geral em 1º de julho de 2004. Apesar da campanha de 1995, que visava expulsar a Santa Sé da ONU ou, ao menos, reduzir sua participação na ONU a status de Organização Não Governamental, tal resolução reconheceu, de fato, a validade da participação da Santa Sé nos trabalhos da ONU, incrementando as possibilidades de intervenção da Santa Sé.

No texto, justifica-se tal resolução em ordem a diferentes fatores, tais como: a participação da Santa Sé como observador permanente, desde 1964; a participação da Santa Sé em diversos organismos internacionais; o reconhecimento do status jurídico internacional de diversas convenções internacionais; a contribuição financeira da Santa Sé às despesas gerais de administração das Nações Unidas.

Em 2007, um artigo dedicado à diplomacia pontifícia, da revista inglesa The Economist retomou as criticas da campanha “See Change” a respeito da participação da Santa Sé. Na conclusão do artigo, o autor aconselhava a Santa Sé “a renunciar ao seu especial status diplomático e a se definir para aquilo que era, a maior organização não governamental do mundo, assim como Médicos Sem Fronteiras e outras ONGs”.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

A Santa Sé e a ONU (parte 1)

Em 1957, a Santa Sé ingressou na Organização das Nações Unidas com o status de observadora. Isso foi possível porque, desde 1929, ano de sua fundação, o estado da Cidade do Vaticano participava como membro pleno de organizações internacionais como a União Postal Internacional e a União Internacional das Telecomunicações. Em 1964, a Santa Sé ganhou o status de observador permanente, que lhe permitiu uma mais ampla participação nas discussões da assembleia geral da ONU.

Em 1965, o papa Paulo 6º aceitou o convite do então secretário geral U Thant a fazer uma visita à ONU, durante sua viagem aos Estados Unidos. Pela primeira vez, o papa dirigiu-se aos membros da assembleia geral da ONU. Na época, não eram muitos os estados que mantinham relações diplomáticas com a Santa Sé. Quando da eleição de Paulo 6º, em 1963, tais países eram apenas 46.

A partir de 1964, então, a Santa Sé foi convidada pelo secretário geral da ONU a participar de todas as reuniões de sua assembleia geral, com o status de observador permanente. Contudo, desde os primórdios das Nações Unidas à modalidade de participação da Santa Sé foi objeto de discussão por parte dos outros participantes. A possibilidade da Santa Sé tornar-se membro pleno da assembleia geral suscitou sempre numerosos conflitos. Em 1944, a proposta apresentada pelos Estados Unidos de tornar a Santa Sé membro permanente da assembleia geral foi vetada não apenas pela União Soviética, mas também pela resistência de grupos protestantes americanos que recusavam a possibilidade de a igreja católica participar plenamente da máxima Organização Internacional.

Em 1995, as modalidades de participação da Santa Sé na ONU foram colocadas de novo em discussão por parte de uma organização americana que, agindo em nome de vários países, lançou uma campanha, conhecida pelo nome de “See Change” (Muda de Sede) que visava expulsar a Santa Sé da ONU. As teorias que sustentavam tais objetivos fundamentavam-se na convicção de que a igreja católica era a única religião que participava da ONU como observador permanente, com privilégios que a assimilavam aos estados e que isso representava uma anomalia que fomentaria contrastes no seio dessa Organização mundial. Além disso, segundo tais teorias, não era justo que a Santa Sé aproveitasse de um status jurídico internacional que não lhe competia, para defender os próprios interesses, a saber, lutar contra o aborto e a eutanásia.