terça-feira, 5 de julho de 2011

San Marino, a menor e mais antiga das repúblicas da Europa.


Outro dia, em aula sobre História das Relações Internacionais, enquanto se falava do processo de unificação da Itália, um dos estudantes perguntou-me por que a República de San Marino não foi anexada ao resto da Itália. Admiti que desconhecia essa parte da história. A saudável curiosidade dos meus estudantes obrigou-me a pesquisar um pouco sobre esse Estado em miniatura.

Antes de tudo, para quem não conhece a República de San Marino, ela está localizada na Itália central, mais em direção ao norte do país entre as regiões Emilia-Romagna e Marche, ambas banhadas pelo mar Adriático. San Marino tem uma superfície de cerca de 60 quilômetros e uma população de 30 mil habitantes. A capital tem o mesmo nome e foi erguida ao redor do Monte Titano, alto 739 metros.

Quanto à data de sua fundação, devemos voltar muito atrás no tempo e procurar suas origens no ano 301 d.C., quando um cortador de pedras, chamado Marino, escapou das perseguições contra os cristãos e fundou uma comunidade cristã no Monte Titano. A lenda conta que foi uma rica senhora a doar o território do Monte Titano para ajudar na fundação desta comunidade religiosa, pois Marino teria ajudado a salvar a vida de seu filho.

Antes de morrer, o fundador dessa comunidade religiosa, que foi denominado o Santo, teria pronunciado a seguinte frase: “Relinquo vos líberos abutroque homine” (Vos deixo livres de um e do outro homem), aludindo à autonomia do território das duas autoridades que existiam na época, o Imperador e o Papa.

Talvez esta frase nunca tenha sido pronunciada, mas certamente sua transmissão serviu como seguro fundamento para manter tal autonomia frente às circunstâncias históricas que ameaçariam sua independência. Em 1291, em plena Idade Média, o papa Nicola IV, cujos territórios eram limítrofes a San Marino, reconheceu a existência desse território como Estado autônomo. Ao longo de sua história, San Marino foi ameaçada e correu o risco de perder sua autonomia. Contudo, através de tratados e alianças conseguiu se manter independente, tornando-se, na época napoleônica, um modelo para as novas repúblicas, principalmente a francesa.

Mesmo sendo uma república, San Marino era governada por um pequeno número de famílias que detinha a maioria das riquezas. Mesmo assim, ela não pertencia às monarquias consideradas reacionárias. De fato, no período que antecedeu a unificação italiana, a República de San Marino ajudou os movimentos revolucionários e concedeu asilo político a Giuseppe Garibaldi que, com suas tropas, fugia de Roma.

Provavelmente, foi por essa razão que a República de San Marino não foi anexada ao território italiano nem em 1861, quando foi proclamada a unidade da Itália, nem em 1870, quando foi anexada a cidade de Roma, completando a unificação. Era um território já independente, livre da dominação de qualquer potência e assim foi respeitada pelo governo italiano. Contudo, ela participou e continua participando das vicissitudes políticas da Itália moderna e contemporânea.

A moeda usada é o euro, a língua oficial é o italiano. Entre a Itália e a República de San Marino é possível transitar livremente, não existem formalidades de fronteira. Trata-se de uma fronteira aberta, uma das poucas no mundo, como ocorre entre Santana do Livramento e Rivera.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Acordo Brasil - Santa Sé (partes I e II)


Algum tempo atrás, ministrei na Universidade Federal de Santa Maria uma palestra sobre a Diplomacia da Santa Sé para acadêmicos de Relações Internacionais. Ao terminar a palestra, entre as várias perguntas que me fizeram, um estudante levantou o questionamento sobre a utilidade do Acordo que, em 2008, o Brasil assinara com a Santa Sé. Respondi que ainda não tinha lido o Acordo integralmente e prometi que, após ter aprofundado o argumento, iria responder à pergunta. Semana passada, adquiri um livro - publicado recentemente pelo Núncio Apostólico de Brasília, Dom Lorenzo Baldisseri - sobre o argumento. O título do livro é: Diplomacia Pontifícia: Acordo Brasil - Santa Sé.

Dom Lorenzo Baldisseri, Núncio Apostólico em Brasília (ou seja, Embaixador da Santa Sé junto ao Brasil) desde 2002, foi quem conseguiu realizar um sonho que a Igreja Católica, há décadas, tentava realizar. Em poucas palavras, o Acordo apenas ratificou o que já existia no Brasil, regulamentando a atuação da Igreja Católica em território nacional. Até então, de fato, não existia um acordo específico referente à Igreja Católica, mas apenas a todas as instituições religiosas no país.

Antes, porém, de falar do acordo Brasil - Santa Sé é importante conhecer algumas das etapas mais importantes da história das relações entre Brasil e Santa Sé que teve seu início oficial com o estreitamento das relações diplomáticas em 23 de janeiro de 1826, um ano depois que a Santa Sé reconhecera a independência do Brasil.

Em 1824, a Constituição brasileira formalizou o Padroado que reconhecia a religião católica como religião do Império (Art. 5. A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do Templo). Naturalmente, essa concessão por parte do Império, permitia ao governo imperial interferir na nomeação dos prelados católicos no Brasil, aliás, cabia ao Imperador nomear e sustentar os membros da Igreja Católica.

Além disso, todos os documentos emitidos pela Santa Sé, só entrariam em vigor após a aprovação do imperador. Isso gerou não poucos atritos entre as partes. Contudo, o período mais crítico das relações entre o Brasil e a Santa Sé, durante o século XIX, relacionou-se com a assim chamada “questão religiosa”. Em 1864, o papa Pio IX emitiu a Bula Syllabus, com a qual proibia a participação de todos os católicos em sociedades maçônicas, sob pena de excomunhão.

Dom Pedro II, o então imperador, rebelou-se a tal proibição, com um decreto com o qual não reconhecia tal imposição por parte da Santa Sé. Os únicos bispos que se alinharam à decisão da Santa Sé foram os de Olinda e Belém, os quais ordenaram aos sacerdotes de suas dioceses de deixar imediatamente a maçonaria. Dom Pedro II, num primeiro momento, deu a ordem de prender os bispos insurgentes. Isso, porém, gerou uma rebelião por parte do clero católico que o obrigou a anular sua decisão e que marcou um impasse nas relações entre o império e a Igreja Católica.

Com a proclamação da República, em 1889, que colocou fim ao sistema do Padroado, se estabeleceu a divisão entre Estado e Igreja. Um Decreto de 1890 consagrava a liberdade de culto e reconhecia personalidade jurídica a todas as igrejas e confissões. Desde então a igreja católica vinha ensaiando um novo acordo com o Brasil, que tratasse de forma específica de suas relações com o Brasil.

Desde a década de 50, a igreja católica tentou formalizar um acordo específico com o Brasil. Em 1989, foi assinado, por exemplo, um Acordo entre a Santa Sé e o Brasil que regulamentava de forma específica a assistência religiosa às Forças Armadas. Contudo, isso não exauria as exigências da igreja em relação às numerosas atividades desenvolvidas no território brasileiro. Em 2003, começaram a ser avaliadas as possibilidades de finalmente se estabelecer um acordo específico. Em 2006, foram iniciadas as tratativas oficiais para se criar um estatuto jurídico próprio da igreja católica.

A assinatura do acordo ocorreu em novembro de 2008. Tal acordo foi em seguida ratificado pelo congresso, em outubro de 2009. Mas qual seu significado? Por que a igreja queria tanto um acordo desse tipo, levando em conta as relações pacíficas entre as partes?

O núncio do Brasil, Lorenzo Baldisseri, explicou nestes termos o porquê de tal acordo: “Consolida e sistematiza várias normas que foram sendo incorporadas ao direito brasileiro a esse respeito e as eleva ao status de normas de direito internacional. Concretiza e tutela o princípio da liberdade religiosa no Brasil. Trata-se de um marco importante para a segurança e o desenvolvimento das relações da igreja católica e de outras religiões também com os poderes públicos do Brasil”.

Entre os pontos principais do acordo, está: o ensino da religião nas escolas públicas, que continua facultativo; o direito de dar assistência espiritual estável aos fiéis nas instituições de saúde, penitenciárias; a paridade escolar às escolas católicas; a colaboração com as instituições públicas nos campos cultural e artístico; a extensão à igreja dos amplos benefícios legais reconhecidos no Brasil a entidades filantrópicas, não apenas de caráter fiscal; os efeitos civis do matrimônio religioso e sua anulação; etc.

Gilberto Carvalho, que ocupava o cargo de chefe do gabinete da presidência, acompanhou passo a passo o desenvolvimento do acordo. E afirmou: “O andamento rápido das tratativas demonstrou a boa disposição do governo, assim como demonstrou também que não existiam, por parte do governo, objeções radicais a respeito da substância da proposta apresentada pela Santa Sé. Por um motivo muito simples: o ponto substancial, fundamental dessa proposta, é o reconhecimento jurídico da igreja, o estatuto jurídico civil da igreja e de todas as suas instituições. E isso não constitui um problema, na medida em que está previsto pela nossa legislação”.

Gilberto Carvalho lembrou ainda que acordos desse tipo “são rotineiros para a Santa Sé, independentemente da confissão religiosa majoritária nesses países ou de seus governos. A Venezuela e a Argentina, por exemplo, já têm acordos com a Santa Sé, assinados em 1964 e 1966, respectivamente. E não são os únicos na América Latina. A Colômbia, o Peru, o Equador, a República Dominicana e o Haiti também já assinaram concordatas semelhantes. Nada de novo, portanto, no caso do Brasil”.