sábado, 24 de setembro de 2011

Breve história das relações entre Líbia e Itália


As revoltas políticas ocorridas na Líbia envolveram diretamente suas relações com a vizinha Itália, o que me lembrou de uma cena ocorrida na minha infância quando, ao conversar com uma colega de natação, esta me disse que ela não tinha nascido na Itália, mas em Trípoli. De volta para casa, consultei o Atlas para procurar onde estava essa cidade. Trípoli, capital da Líbia, país no norte da África. Na minha cabeça de menina, porém, ficou uma dúvida, pois não entendia como a minha colega, que era loira, pele muito clara, assim como sua mãe e seu irmão, pudesse ser africana. Anos mais tarde, estudando história - uma das minhas matérias preferidas - essa dúvida foi resolvida quando soube que a Líbia tinha sido colônia italiana por mais de três décadas, de 1911 a 1943 e que, mesmo após o fim do colonialismo italiano, a Itália continuou sendo um dos maiores parceiros comerciais do país.

O longo período colonial marcou certamente a formação atual da Líbia. O ano de 2011 foi lembrado como o do centenário do desembarque das tropas italianas na costa da que na época chamava-se ainda de Tripolitania, uma das três províncias que, unificadas pelo governo italiano, em 1934, recebeu o atual nome de Líbia. As outras duas províncias eram Cirenaica, no leste do país. e Fezzan, no sul. Um artigo publicado recentemente no jornal espanhol El País lembrou as etapas mais importantes da colonização italiana no território líbio.

Quando da chegada dos italianos, o território pertencia ainda aos Otomanos, mas a região encontrava-se em situação de abandono por parte do governo central. O professor Nicola Labanca, especializado em História Colonial Italiana, sublinhou o impacto negativo da colonização italiana na Líbia. Antes da chegada dos italianos, mesmo esquecida pelo governo otomano, a Tripolitania - segundo o professor - tentava iniciar sua modernização, avançando na qualidade da instrução, desenvolvendo um início de imprensa e trabalhando para uma futura integração com a vizinha província da Cirenaica. Os colonizadores aplicaram o princípio estratégico do divide et impera interrompendo bruscamente tal processo.

A mudança ocorrida no governo da Itália com a chegada ao poder de Mussolini só agravou a situação da pequena colônia italiana, onde, de 1930 a 1933, foram abertos 16 campos de concentração para combater a resistência do povo líbio à ditadura italiana. Outra grave ingerência lembrada pelo professor Lobanca é que o governo italiano decidiu não difundir a instrução. Ao contrário das outras potências ocidentais que incentivaram a formação de uma classe dirigente local, a Itália decidiu não instituir universidade alguma na capital do país. A causa de tal diferença de atitude encontra-se, na opinião dos historiadores italianos, na ideologia racista que caracterizava o governo fascista.

Segundo Federico Cresti, outro professor entrevistado pelo repórter espanhol de El Pais, tal postura de repressão cultural e de enfraquecimento da vida institucional do país, atuada pelo governo fascista, continuou com a monarquia constitucional do rei Idris I (1951-1969) e, sobretudo, pelo regime do coronel Khaddafi que assumiu o poder por meio de um golpe de estado em setembro de 1969.

A Segunda Guerra Mundial marcou o fim do domínio italiano na Líbia. Em 1951, foi proclamada sua independência. Contudo, o governo italiano continuou mantendo relações privilegiadas com sua ex-colônia, com a qual, em 1956, assinou um tratado bilateral.

Em 1969, o golpe de estado do coronel Muammar Khaddafi provocou mudanças nestas relações. Khaddafi recusou-se a reconhecer a validade do tratado de 1956. Além disso, no ano seguinte, assinou um decreto ordenando o confisco de todos os bens dos italianos residentes em território líbio. No mês seguinte, os italianos foram expulsos.

Após tal reafirmação de nacionalismo, porém, as ligações econômicas entre Líbia e Itália retomaram seu rumo.

Já em 1978, o primeiro ministro Giulio Andreotti viajava para Trípoli para se encontrar com o coronel Khaddafi e inaugurar oficialmente a amizade entre os dois povos.

Vinte anos depois, em 1998, foi assinado outro acordo bilateral entre Líbia e Itália. Como premissa dos futuros acordos comerciais, o tratado previa que a Itália renunciasse a reivindicar o respeito do tratado de 1956, pré-Khaddafi. Tal renúncia foi interpretada como um gesto de boa vontade por parte da Itália, em vista dos futuros ganhos econômicos.

Durante o governo de Silvio Berlusconi, os gestos de boa vontade em relação ao governo líbio se multiplicaram, não obstante as provocações de Khaddafi. Com efeito, em ocasião de sua primeira visita à Itália, o presidente Khaddafi desceu do avião em alto uniforme, decorado não só de muitas medalhas, mas também da foto de um herói da resistência líbia, o coronel Omar Al-Mukhtar, que expulsou os italianos da província da Cirenaica durante a época da colonização. O herói foi capturado e justiçado pelos italianos em 1931.

A nova amizade Berlusconi-Kaddhafi foi selada em 2008, quando a Itália assinou com a Líbia um Tratado de Amizade, Associação e Cooperação. O premier Berlusconi pediu perdão a Khaddafi pela ocupação colonial e prometeu indenizar a Líbia com 5 milhões de dólares a serem investidos em novas infraestruturas ao longo de 20 anos. A Itália tornou-se o primeiro parceiro comercial da Líbia, que lhe fornece 20% do petróleo por ela importado além de ser o terceiro fornecedor de gás. Tal acordo parecia ter colocado um fim às divergências entre os dois.

Em 2010, por ocasião de uma reunião da Liga Árabe, o beijo-mão do premier Berlusconi ao coronel Khaddafi foi por muitos criticado, pois sinalizava a excessiva submissão italiana à sua ex-colônia.

Tal dependência econômica, no âmbito dos recursos energéticos, pode talvez explicar a indecisão de Berlusconi demonstrada até a véspera da ação punitiva das potências da Otan contra o governo líbio. O peso da aliança com os Estados Unidos e a ajuda econômica vital por parte da União Europeia para com um país, a Itália, em agonia, o convenceram a repudiar Khaddafi, que de líder e amigo transformou-se em poucas horas em “ditador”.