terça-feira, 24 de maio de 2011

A ascensão pacífica da China


Desde 1978, ano que marcou o fim do isolamento chinês e a inauguração da política de portas abertas de Deng Xiaoping, passaram-se já três décadas. Nesses trinta anos, a China evoluiu interna e internacionalmente, deixando de ser país periférico para ingressar no grupo dos países emergentes.

Tendo já ultrapassado seus limites regionais, o gigante asiático mostra vontade de participar de forma mais afirmativa também da governança compartilhada do mundo. Contudo, pairam no ar diversos questionamentos sobre o tipo de influência que a China deseja alcançar num futuro próximo.

O discurso da “ameaça chinesa” surgido nos anos de 1990, a crise financeira asiática de 1997 e a difusão da SARS em 2002 forçaram, de certa forma, as autoridades chinesas a se manifestar acerca de seu papel no âmbito internacional. Buscando as origens do conceito de “ascensão Pacífica”, descobri que essa teoria começou a tomar forma justamente na última década do séc. XX quando o gigante asiático buscava melhorar sua imagem internacional e conquistar novamente a confiança de seus vizinhos.

O novo conceito de “ascensão Pacífica” debruçou-se assim no novo século com a intenção de inaugurar uma nova estratégia da China em relação ao mundo externo. Ele foi anunciado oficialmente durante o Boao Forum no final de 2003. Lembramos que o Boao Forum é uma ONG cuja sede encontra-se na ilha de Hainan (no sul da China) e que nasceu com o objetivo de dar mais voz aos atores asiáticos para além das instituições políticas e econômicas já existentes como a APEC (Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico).

No discurso de lançamento da nova teoria, Zheng Bijian, o então presidente do China Forum Reform, indicava que sua atuação visava melhorar a participação da China no processo de globalização econômica, sublinhando o fato de que não era de interesse do país uma expansão ao externo. Ascensão, portanto, não era sinônimo de expansão colonialista como significou para outros países no passado, mas enquadrava-se num conceito mais amplo de “segurança coletiva” em vista de uma sempre maior estabilização política da região asiática.

Contudo, com o passar do tempo, as autoridades chinesas, percebendo que a palavra “ascensão” suscitava perplexidades e até sentimentos de ameaças nos países vizinhos, decidiram substituir oficialmente a palavra “ascensão” por desenvolvimento.

No Livro Branco de 2005, intitulado “Desenvolvimento Pacífico da China”, o governo chinês sinalizou que a paz é o único caminho possível para o desenvolvimento chinês, evidenciando a cooperação mútua e a boa vizinhança internacional como termos estratégicos para seu crescimento internacional. A escolha da palavra desenvolvimento, mais neutra que a palavra ascensão, faz parte da estratégia chinesa de evitar atritos inúteis com os seus interlocutores internacionais.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

João Paulo II, o papa vindo do Leste


No dia 01 de maio, o papa Bento XVI proclamou bem-aventurado seu predecessor, o papa João Paulo II, falecido em 2005, apenas seis anos atrás. No dia dos seus funerais, muitas pessoas reunidas na praça, especialmente jovens, gritavam “Santo súbito (Santo já)” pedindo sua canonização o quanto antes. O reconhecimento por parte do povo da santidade de uma pessoa é um dos requisitos para abrir o processo de canonização.

João Paulo II conquistou o coração de muitos durante seu pontificado, até os italianos se deixaram fascinar por esse papa vindo do leste europeu. Digo até os italianos, pois sua eleição foi um verdadeiro choque para o país. Lembro-me ainda aquele famoso dia 06 de outubro de 1978. Estava com minha mãe caminhando numa avenida próxima à Praça São Pedro, quando a cidade pareceu enlouquecer.

Todos ao meu redor começaram a gritar: “Elegeram o papa, é estrangeiro, o papa é estrangeiro”. Minha mãe e eu começamos a correr em direção à Praça, chegando a tempo para ver o papa estrangeiro se debruçar pela primeira vez da janela papal e pronunciar suas primeiras palavras num italiano incerto: “Non so se posso bene spiegarmi nella vostra... nostra lingua italiana. Se mi sbaglio, mi corrigerete (Não sei se posso me explicar bem na vossa... nossa língua italiana. Se errar, vocês irão me corrigir)”.

O forte aplauso que seguiu dizia que o papa estrangeiro acabara de ganhar a simpatia do povo romano que daquele momento em diante o acompanhou ao longo de todo seu pontificado, mesmo tendo dificuldade em pronunciar seu nome, Karol Wojtyla, o primeiro estrangeiro a governar o Vaticano após 455 anos de monopólio dos italianos.

Nascido em 18 de maio de 1920, em Wadowice, a 50 km da capital Cracóvia, Karol Wojtyla era filho de um costureiro, que militou no exército austríaco e depois no polonês.

Aos 09 anos, Karol perdeu a mãe e, logo depois, o irmão. Aos 21 anos perdeu o pai. A guerra interrompeu os seus estudos universitários, obrigando-o a trabalhar como operário. Em 1942, seguindo a sua vocação ao sacerdócio, entrou no seminário e começou os estudos de Teologia. Terminados os estudos partiu para Roma, onde obteve o Doutorado em Teologia. Em seu retorno, trabalhou como docente no Seminário de Cracóvia e na Universidade Católica de Lublin. Em 1958, foi nomeado pelo Papa Pio XII bispo de Ombi e auxiliar de Cracóvia.

Quando, em 1962, morreu o arcebispo de Cracóvia, Karol Wojtyla foi nomeado no seu lugar. Nesta veste foi chamado a participar dos trabalhos do Concílio Vaticano II. Ali se distinguiu pelas suas contribuições sobre o tema da liberdade religiosa.

Em 1967, foi nomeado Cardeal pelo Papa Paulo VI. Dois anos depois, ele fez falar de si quando, opondo-se à proibição do governo comunista de construir novas igrejas, colocou a primeira pedra na a construção da Igreja de Nova Huta.

A surpresa dos católicos do mundo inteiro com a eleição de Karol Wojtyla foi grande. Todavia, a escolha de um papa que vinha do Leste Europeu não parecia feita por acaso, se analisarmos a conjuntura geopolítica da época. Aos olhos dos países ocidentais, o perigo maior provinha justamente do Leste, da hegemonia soviética. Karol Wojtyla havia nascido em um país que, mesmo sendo dirigido por um governo ateu, contava com a maior concentração de católicos entre a sua população.

De fato, quase 90% de sua população eram católicos. A esperança de quem o tinha elegido era que o novo papa combatesse o comunismo soviético favorecendo os países ocidentais.

E, em parte, o que aconteceu em seguida lhes deu razão. Com efeito, João Paulo II não poupou esforços no combate ao comunismo, apoiando abertamente o movimento Solidarnosc na Polônia e aproximando-se do governo dos Estados Unidos, por meio do diálogo com o polonês Zbigniew Brzezinski, Assessor de Segurança do governo Carter.

Em 1981, durante uma audiência na Praça de São Pedro, enquanto saudava os peregrinos do mundo inteiro, João Paulo II sofreu um atentado por parte de um terrorista turco.

A hipótese de responsabilidade soviética era a mais evidente, visto o engajamento do papa contras os regimes ditatoriais de esquerda. Todavia, as verdadeiras causas do atentado nunca foram esclarecidas totalmente.

Depois da queda do Muro de Berlim, em 1989, e do socialismo real nos países do Leste Europeu João Paulo II mudou o alvo de suas críticas, dirigindo a sua atenção e os seus protestos ao Ocidente e combatendo o capitalismo selvagem, que estava destruindo os valores e as raízes cristãs da Europa e dos países ocidentais. Poucos anos depois que o comunismo desmoronou no Leste, em uma das suas tantas viagens à Polônia, ele chamou a atenção dos seus compatriotas, mostrando-se decepcionado pela atitude do seu próprio país em relação à liberdade que poderiam ter conquistado.

Segundo ele, de fato, os poloneses haviam passado de um sistema totalitário a outro, o sistema capitalista ocidental, deixando-se escravizar pelos laços do consumismo, do hedonismo e do individualismo, típicos do ocidente.

Com as suas inúmeras viagens no mundo todo ele quis conhecer pessoalmente a vida das Igrejas locais e os seus problemas, manifestando abertamente o seu dissenso, quando considerava necessário. Lembramos, neste caso, das visitas na América Central, onde chamou a atenção dos padres que haviam se envolvido com o marxismo.

João Paulo II recebeu 38 visitas oficiais, 738 audiências ou encontros com Chefe de Estados, 246 audiências ou encontros com Primeiros Ministros, nas quais ele não deixou de manifestar suas convicções.

No seu pontificado deu impulso ao diálogo com as grandes religiões, sobretudo com o mundo hebraico. Foi, porém, intransigente em relação a questões de bioética. O atentado sofrido deixou graves sequelas na sua saúde, mas isto não o impediu de continuar governando a Igreja Católica. Ao invés de enfraquecê-lo, as doenças, que ele não fazia questão de esconder, atraíram a simpatia e a admiração de católicos e não católicos, especialmente dos jovens, que se deixaram seduzir pela sua vivacidade, expressa não somente em palavras, mas com gestos “quase” teatrais, herança da sua paixão pelo teatro.

A visibilidade foi uma característica inegável do seu pontificado, que ele realizou usando todos os meios de comunicação, tornando, desta forma, a Igreja Católica protagonista do cenário mundial. Fato este comprovado nos dias da celebração de sua morte, pela participação dos líderes mundiais quase que ao completo.