quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Mario Monti e o novo governo da República Italiana


Na semana passada, dia 16 de novembro, o presidente da República Italiana, Giorgio Napolitano, nomeou o novo primeiro-ministro: Mario Monti.

Berlusconi foi obrigado - frente a uma crise econômica cada dia mais grave - a sair de cena após ter ocupado o cargo de primeiro-ministro por bem quatro governos (1994-1995/2001-2005/2005-2006 e 2008-2011). Sua estreia na cena política, em 1994, foi construída graças a uma poderosa campanha publicitária que o apresentou como o grande salvador da Itália. A ausência de habilidades políticas fez com que ele governasse (ou desgovernasse) a Itália, enfrentando repetidas crises de credibilidade política nacional e internacional, na base da influência de seus cinco canais televisivos e da propriedade de um dos mais poderosos times de futebol italiano: o Milan. Contudo, Berlusconi representa apenas um dos tantos fatores internos e externos que contribuíram à assustadora crise econômica e política que atormenta o Bel Paese.

Com a nomeação de Mario Monti, a era berlusconiana parece ter acabado, para a satisfação de ao menos metade dos italianos que vivem na Itália e no exterior.
O governo de Mario Monti é, ao contrário daquilo que a GloboNews veiculou - demonstrando mais uma vez sua leviandade e falta de compromisso frente ao seu público - o quinto governo técnico nomeado e não eleito na história da República Italiana.

Esse novo governo apresenta, porém, algumas peculiaridades em relação aos outros governos técnicos. Uma dessas é que na equipe nomeada pelo primeiro-ministro, não aparece nenhum nome político. A composição do novo governo é prevalentemente constituída de acadêmicos, professores universitários assim como o novo primeiro-ministro, docente de economia.

Recolhi alguns dados biográficos visando conhecer melhor o novo cenário da política italiana.
Mario Monti nasceu na cidade de Varese, próxima a Milão, no dia 19 de março de 1943, em plena Segunda Guerra Mundial. Em 1965, ele obteve a graduação em Economia na prestigiosa Universidade Bocconi, de Milão, especializando-se na Universidade de Yale, nos Estados Unidos. Em 1969, começou sua carreira acadêmica como professor da Universidade de Trento, depois foi para Turim e Milão.

Em 1995, começou a exercer a função de Comissário Europeu, responsável pelo mercado interno, serviços financeiros e integração financeira até 1999 e em seguida, se ocupando da questão da concorrência. Autor de numerosas publicações, Mario Monti é um defensor da corrente neoliberalista, o que lhe custa várias críticas no mundo político. É um nome forte na União Europeia o que lhe garante pleno apoio por parte da instituição europeia.

O receio de alguns grupos é, justamente, o de que a nomeação de Mario Monti seja resultado de uma manobra dos principais interlocutores da União Europeia (leia-se França e Alemanha) que querem tirar proveito da instalação dos novos governos italiano e grego, o que resultaria num possível agravamento da situação desses dois países.

Os novos ministros por ele nomeados são expoentes conservadores, ligados a instituições bancárias como o novo ministro do Desenvolvimento Econômico, representante do Instituto bancário SanPaolo. O novo Ministro da Cooperação Internacional, Andrea Riccardi, professor de história Contemporânea da Universidade “La Sapienza”, de Roma, é o fundador da Comunidade Sant´Egidio, movimento internacional que ajudou na resolução da guerra civil em Moçambique.

O voto de confiança dado pelo Senado e pela Câmara italiana demonstra a inicial aprovação de um governo que, mesmo se de tendência neoliberal, é constituído, ao menos, por pessoas competentes.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O governo de Pequim abre as portas ao homem mais rico da China


O ano de 1978 marcou a abertura da China ao mercado capitalista mundial. Deng Xiaoping, o líder que desenhou a transformação do gigante asiático, trocou os dogmas da ideologia comunista por um pensamento pragmático que mirava ao enriquecimento nacional. Contudo, muitos anos se passaram antes que o Partido Comunista da China decidisse abrir suas portas aos capitalistas, que contribuíram para o crescimento do país.

O autor dessa reforma foi Jiang Zemin, que sucedeu a Deng Xiaoping, inaugurando a terceira geração dos líderes comunistas chineses. As suas convicções ideológicas foram resumidas em uma única expressão: Teoria das Três Representações, cuja aplicação marcou uma virada importante na história do Partido Comunista da China.
Jiang Zemin fez referência a esta teoria pela primeira vez no ano 2000, durante uma viagem ao sul da China, de 21 a 25 de fevereiro.

A novidade deste pensamento era que o Partido Comunista da China declarava-se pronto para abrir as suas portas, acolhendo entre os seus membros não somente as tradicionais representações dos camponeses e das massas trabalhadoras, mas, também, as novas classes sociais que estavam emergindo no âmbito da modernização econômica chinesa. Estas novas classes sociais eram os empresários, os intelectuais - que com Deng Xiaoping foram reabilitados e considerados parte integrante da sociedade chinesa – além dos técnicos e cientistas que nas últimas décadas se tornaram os protagonistas do novo cenário chinês.

Somente desta forma, segundo Jiang Zemin, a China poderia continuar se desenvolvendo e crescendo de forma correta e segura, e o partido teria uma base de apoio bem mais ampla e fortalecida.

Em base a esta teoria, o partido deveria representar “as exigências de desenvolvimento das forças produtivas mais avançadas, as orientações de cultura mais avançadas e os interesses fundamentais da grande maioria da população”.
Segundo alguns analistas, as expressões usadas nesta teoria eram reveladoras de uma orientação política bem específica.

A referência à “cultura mais avançada” sublinhava a política de abertura ao exterior, no intuito de apropriar-se da tecnologia e dos conhecimentos mais avançados dos parceiros internacionais. Quanto às “forças produtivas mais avançadas” o uso desta expressão justificaria as reformas econômicas que levaram à reforma das empresas estatais, com o fechamento das que apresentavam déficit, favorecendo, com isso, as empresas do setor privado.

Com a aplicação desta teoria, o Partido Comunista da China, que estava enfrentando uma grande crise de credibilidade junto aos próprios membros do partido e ao povo, buscava uma nova identidade e novos apoios, que lhe permitissem adquirir mais força e capacidade para continuar liderando a sociedade chinesa.

A entrada dos capitalistas no Partido Comunista permitiu que o governo chinês passasse, sem grandes abalos, pelas grandes mudanças econômicas.

A teoria de Jiang Zemin foi condenada por muitos conservadores de extrema esquerda que a consideraram como um ulterior elemento de poluição à cristalina ortodoxia marxista que, segundo tal ponto de vista, já havia sido colocada em crise pelo pensamento de Deng.

Uma década depois, a teoria lançada por Jiang Zemin continua sendo aplicada pelas autoridades de Pequim. Liang Wengen, o homem mais rico da China, vai ingressar no seio da Comissão Central, um dos órgãos máximos do poder executivo do Partido Comunista da China.

O ingresso ocorrerá por ocasião da passagem de poder entre o atual secretário do Partido e presidente da República Popular da China, Hu Jintao, e o próximo secretário, Xi Jinping. Liang Wengen, dono da empresa Sany Group, que produz maquinários para empresas de construção civil, não será o único magnata a fazer parte do Partido Comunista. Cerca de um terço dos magnatas chineses já são membros do Partido Comunista, o que confirma a aproximação já firme entre os capitalistas e o poder político na China.

Um artigo publicado recentemente no site Mondo Cinese (www.mondocinese.it) revelou que o número de pessoas que possuem ao menos 01 bilhão de yuan e que, ao mesmo tempo, exercem cargos políticos, seria de 173, o que corresponde a 12% dos super-ricos chineses. Dessa porcentagem, sete participaram como delegados no último Congresso Nacional do Partido e 83 são integrantes da Assembleia Nacional do Povo, da qual faz parte o segundo homem mais rico da China, Zhing Qinghou, dono da empresa de bebidas Wahaha.

sábado, 24 de setembro de 2011

Breve história das relações entre Líbia e Itália


As revoltas políticas ocorridas na Líbia envolveram diretamente suas relações com a vizinha Itália, o que me lembrou de uma cena ocorrida na minha infância quando, ao conversar com uma colega de natação, esta me disse que ela não tinha nascido na Itália, mas em Trípoli. De volta para casa, consultei o Atlas para procurar onde estava essa cidade. Trípoli, capital da Líbia, país no norte da África. Na minha cabeça de menina, porém, ficou uma dúvida, pois não entendia como a minha colega, que era loira, pele muito clara, assim como sua mãe e seu irmão, pudesse ser africana. Anos mais tarde, estudando história - uma das minhas matérias preferidas - essa dúvida foi resolvida quando soube que a Líbia tinha sido colônia italiana por mais de três décadas, de 1911 a 1943 e que, mesmo após o fim do colonialismo italiano, a Itália continuou sendo um dos maiores parceiros comerciais do país.

O longo período colonial marcou certamente a formação atual da Líbia. O ano de 2011 foi lembrado como o do centenário do desembarque das tropas italianas na costa da que na época chamava-se ainda de Tripolitania, uma das três províncias que, unificadas pelo governo italiano, em 1934, recebeu o atual nome de Líbia. As outras duas províncias eram Cirenaica, no leste do país. e Fezzan, no sul. Um artigo publicado recentemente no jornal espanhol El País lembrou as etapas mais importantes da colonização italiana no território líbio.

Quando da chegada dos italianos, o território pertencia ainda aos Otomanos, mas a região encontrava-se em situação de abandono por parte do governo central. O professor Nicola Labanca, especializado em História Colonial Italiana, sublinhou o impacto negativo da colonização italiana na Líbia. Antes da chegada dos italianos, mesmo esquecida pelo governo otomano, a Tripolitania - segundo o professor - tentava iniciar sua modernização, avançando na qualidade da instrução, desenvolvendo um início de imprensa e trabalhando para uma futura integração com a vizinha província da Cirenaica. Os colonizadores aplicaram o princípio estratégico do divide et impera interrompendo bruscamente tal processo.

A mudança ocorrida no governo da Itália com a chegada ao poder de Mussolini só agravou a situação da pequena colônia italiana, onde, de 1930 a 1933, foram abertos 16 campos de concentração para combater a resistência do povo líbio à ditadura italiana. Outra grave ingerência lembrada pelo professor Lobanca é que o governo italiano decidiu não difundir a instrução. Ao contrário das outras potências ocidentais que incentivaram a formação de uma classe dirigente local, a Itália decidiu não instituir universidade alguma na capital do país. A causa de tal diferença de atitude encontra-se, na opinião dos historiadores italianos, na ideologia racista que caracterizava o governo fascista.

Segundo Federico Cresti, outro professor entrevistado pelo repórter espanhol de El Pais, tal postura de repressão cultural e de enfraquecimento da vida institucional do país, atuada pelo governo fascista, continuou com a monarquia constitucional do rei Idris I (1951-1969) e, sobretudo, pelo regime do coronel Khaddafi que assumiu o poder por meio de um golpe de estado em setembro de 1969.

A Segunda Guerra Mundial marcou o fim do domínio italiano na Líbia. Em 1951, foi proclamada sua independência. Contudo, o governo italiano continuou mantendo relações privilegiadas com sua ex-colônia, com a qual, em 1956, assinou um tratado bilateral.

Em 1969, o golpe de estado do coronel Muammar Khaddafi provocou mudanças nestas relações. Khaddafi recusou-se a reconhecer a validade do tratado de 1956. Além disso, no ano seguinte, assinou um decreto ordenando o confisco de todos os bens dos italianos residentes em território líbio. No mês seguinte, os italianos foram expulsos.

Após tal reafirmação de nacionalismo, porém, as ligações econômicas entre Líbia e Itália retomaram seu rumo.

Já em 1978, o primeiro ministro Giulio Andreotti viajava para Trípoli para se encontrar com o coronel Khaddafi e inaugurar oficialmente a amizade entre os dois povos.

Vinte anos depois, em 1998, foi assinado outro acordo bilateral entre Líbia e Itália. Como premissa dos futuros acordos comerciais, o tratado previa que a Itália renunciasse a reivindicar o respeito do tratado de 1956, pré-Khaddafi. Tal renúncia foi interpretada como um gesto de boa vontade por parte da Itália, em vista dos futuros ganhos econômicos.

Durante o governo de Silvio Berlusconi, os gestos de boa vontade em relação ao governo líbio se multiplicaram, não obstante as provocações de Khaddafi. Com efeito, em ocasião de sua primeira visita à Itália, o presidente Khaddafi desceu do avião em alto uniforme, decorado não só de muitas medalhas, mas também da foto de um herói da resistência líbia, o coronel Omar Al-Mukhtar, que expulsou os italianos da província da Cirenaica durante a época da colonização. O herói foi capturado e justiçado pelos italianos em 1931.

A nova amizade Berlusconi-Kaddhafi foi selada em 2008, quando a Itália assinou com a Líbia um Tratado de Amizade, Associação e Cooperação. O premier Berlusconi pediu perdão a Khaddafi pela ocupação colonial e prometeu indenizar a Líbia com 5 milhões de dólares a serem investidos em novas infraestruturas ao longo de 20 anos. A Itália tornou-se o primeiro parceiro comercial da Líbia, que lhe fornece 20% do petróleo por ela importado além de ser o terceiro fornecedor de gás. Tal acordo parecia ter colocado um fim às divergências entre os dois.

Em 2010, por ocasião de uma reunião da Liga Árabe, o beijo-mão do premier Berlusconi ao coronel Khaddafi foi por muitos criticado, pois sinalizava a excessiva submissão italiana à sua ex-colônia.

Tal dependência econômica, no âmbito dos recursos energéticos, pode talvez explicar a indecisão de Berlusconi demonstrada até a véspera da ação punitiva das potências da Otan contra o governo líbio. O peso da aliança com os Estados Unidos e a ajuda econômica vital por parte da União Europeia para com um país, a Itália, em agonia, o convenceram a repudiar Khaddafi, que de líder e amigo transformou-se em poucas horas em “ditador”.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Principado de Liechtenstein


Nessa semana, queremos continuar a nossa volta ao mundo em busca do conhecimento de minúsculos estados, cuja história e origens são por muitos de nós desconhecidas. Falaremos do Principado do Liechtenstein, o quarto maior estado da Europa, com uma superfície de 160 quilômetros quadrados (os três menores da Europa são: o estado da Cidade do Vaticano, 0,44 quilômetro quadrado; o Principado de Mônaco, 1,95 quilômetro quadrado; e a República de San Marino, 61,2 quilômetros quadrados). Localizado entre a Suíça e a Áustria, ele não possui saídas ao mar, não tendo portos. Nem aeroportos.

Liechtenstein era uma das mais antigas famílias nobres da Áustria. O Principado é uma monarquia constitucional hereditária que governa o país juntamente com um parlamento, cujos membros são eleitos diretamente pelos cidadãos do Liechtenstein. Em 2006, festejou 200 anos de sua soberania, mas sua fundação como Principado é de 1719. Já membro da Confederação do Reno em 1806, integrou, logo depois, a Confederação Germânica até sua dissolução em 1866.

Permaneceu ligado ao Império Austríaco até o fim da 1ª Guerra Mundial quando se aproximou da sua outra vizinha, a Suíça, com a qual, em 1923, assinou um dos mais importantes acordos de cooperação, a União Aduaneira. O período entre os dois conflitos mundiais foi marcado por uma grave inundação e por uma crise financeira provocada pela falência de um banco nacional, o que reduziu a zero as finanças nacionais. Graças a uma legislação que garantia o segredo de clientes e contas bancárias, o Principado tornou-se destinação privilegiada de inúmeras empresas, o que permitiu ao país desenvolver uma florescente economia.

Em 1990, o Liechtenstein passou a ser membro pleno da ONU e, em 1995, ao contrário da Suíça, integrou o Espaço Econômico Europeu (EEE), participando da construção da União Europeia, mas sem perder o direito à sua soberania, o que lhe garante manter soberania fiscal e segredo bancário. Além do EEE, o Principado participa da Confederação sobre Segurança e Cooperação na Europa (CSCE) e de outras organizações internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA).

Apesar de suas pequenas dimensões, o Principado de Liechtenstein mantêm suas representações diplomáticas em vários países, como Alemanha, Áustria, Suíça, Estados Unidos, e Estado da Cidade do Vaticano, além de ter missões diplomáticas permanentes em diversas Organizações Intergovernamentais. Se você pensa em viajar para lá a turismo, prepare-se. É um dos lugares mais caros da Europa.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Il contributo della diplomazia pontificia


Articolo (in italiano) sulla diplomazia pontificia presentato a Castelgandolfo (Roma) al Seminario Internazionale di Social-One di gennaio 2011.

O principado de Andorra


A fundação do Principado de Andorra, pequeno território de 468 quilômetros quadrados localizado entre a França e a Espanha, próximo aos Montes Pireneus, deve ser procurada na época da dinastia Carolíngia, em 805 d.C. Criado por Carlos Magno como estado-tampão, serviu para a defesa do território francês contra o avanço dos Mouros.

No século 9, o senhor de Urgel recebeu a senhoria de Andorra. Em seguida, seus descendentes doaram o território ao bispo de Urgel que se tornou, de fato, o administrador de Andorra. Para se defender das invasões dos vários senhores feudais, o bispo de Urgel apelou às milícias da família Caboet, a qual se declarou vassala do Bispo.
O poder episcopal sobre Andorra continuou durante a Idade media. O bispo Ponzio de Villamet, em 1231, organizou em Andorra a primeira administração política e judiciária. Logo depois, em 1278, foi assinado um acordo entre o bispo e o os descendentes da família de Caboet, os Condes de Foix.

Tal acordo visava resolver a disputa do território de Andorra entre França e Espanha, reconhecendo definitivamente que a administração da senhoria de Andorra caberia às duas partes, os condes de Foix e o bispo de Urgel. O acordo foi confirmado pelo então papa Martino 5º e pelo rei espanhol, Pedro de Aragão. Tal situação permaneceu intacta ao longo dos séculos. A única diferença é que a soberania dos condes de Foix passou ao governo francês.

O governo de Andorra ainda hoje é um co-principado, com dois chefes de estado, o bispo de Urgel e o presidente da república Francesa. Os co-príncipes convocam as eleições gerais, credenciam as representações diplomáticas, autorizam e promulgam as leis. Contudo, o poder é exercido, de fato, por um conselho geral que reúne os representantes das sete municipalidades que constituem o território de Andorra.
O conselho geral exerce o poder legislativo e aprova o orçamento estatal. Os conselheiros são eleitos por todos os cidadãos de Andorra a cada quatro anos. A primeira Constituição escrita do principado de Andorra foi aprovada apenas em 1993. Andorra tornou-se, dessa forma, um estado independente de direito, democrático.

Outra peculiaridade de Andorra é que as sete municipalidades (Andorra La Vella, Canillo, Encamp, Ordino, Escaldes-Engordany, La Massana, Sant Julia de Lòria), são chamadas também de paróquias e desempenham uma função tanto eclesiástica quanto civil. Apesar de ter como um dos seus chefes de estado o presidente da França, a língua oficial é o catalão. O principado de Andorra não é um estado confessional, mas a religião católica é a principal do país. Sua economia funda-se no comércio e no turismo.

terça-feira, 5 de julho de 2011

San Marino, a menor e mais antiga das repúblicas da Europa.


Outro dia, em aula sobre História das Relações Internacionais, enquanto se falava do processo de unificação da Itália, um dos estudantes perguntou-me por que a República de San Marino não foi anexada ao resto da Itália. Admiti que desconhecia essa parte da história. A saudável curiosidade dos meus estudantes obrigou-me a pesquisar um pouco sobre esse Estado em miniatura.

Antes de tudo, para quem não conhece a República de San Marino, ela está localizada na Itália central, mais em direção ao norte do país entre as regiões Emilia-Romagna e Marche, ambas banhadas pelo mar Adriático. San Marino tem uma superfície de cerca de 60 quilômetros e uma população de 30 mil habitantes. A capital tem o mesmo nome e foi erguida ao redor do Monte Titano, alto 739 metros.

Quanto à data de sua fundação, devemos voltar muito atrás no tempo e procurar suas origens no ano 301 d.C., quando um cortador de pedras, chamado Marino, escapou das perseguições contra os cristãos e fundou uma comunidade cristã no Monte Titano. A lenda conta que foi uma rica senhora a doar o território do Monte Titano para ajudar na fundação desta comunidade religiosa, pois Marino teria ajudado a salvar a vida de seu filho.

Antes de morrer, o fundador dessa comunidade religiosa, que foi denominado o Santo, teria pronunciado a seguinte frase: “Relinquo vos líberos abutroque homine” (Vos deixo livres de um e do outro homem), aludindo à autonomia do território das duas autoridades que existiam na época, o Imperador e o Papa.

Talvez esta frase nunca tenha sido pronunciada, mas certamente sua transmissão serviu como seguro fundamento para manter tal autonomia frente às circunstâncias históricas que ameaçariam sua independência. Em 1291, em plena Idade Média, o papa Nicola IV, cujos territórios eram limítrofes a San Marino, reconheceu a existência desse território como Estado autônomo. Ao longo de sua história, San Marino foi ameaçada e correu o risco de perder sua autonomia. Contudo, através de tratados e alianças conseguiu se manter independente, tornando-se, na época napoleônica, um modelo para as novas repúblicas, principalmente a francesa.

Mesmo sendo uma república, San Marino era governada por um pequeno número de famílias que detinha a maioria das riquezas. Mesmo assim, ela não pertencia às monarquias consideradas reacionárias. De fato, no período que antecedeu a unificação italiana, a República de San Marino ajudou os movimentos revolucionários e concedeu asilo político a Giuseppe Garibaldi que, com suas tropas, fugia de Roma.

Provavelmente, foi por essa razão que a República de San Marino não foi anexada ao território italiano nem em 1861, quando foi proclamada a unidade da Itália, nem em 1870, quando foi anexada a cidade de Roma, completando a unificação. Era um território já independente, livre da dominação de qualquer potência e assim foi respeitada pelo governo italiano. Contudo, ela participou e continua participando das vicissitudes políticas da Itália moderna e contemporânea.

A moeda usada é o euro, a língua oficial é o italiano. Entre a Itália e a República de San Marino é possível transitar livremente, não existem formalidades de fronteira. Trata-se de uma fronteira aberta, uma das poucas no mundo, como ocorre entre Santana do Livramento e Rivera.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Acordo Brasil - Santa Sé (partes I e II)


Algum tempo atrás, ministrei na Universidade Federal de Santa Maria uma palestra sobre a Diplomacia da Santa Sé para acadêmicos de Relações Internacionais. Ao terminar a palestra, entre as várias perguntas que me fizeram, um estudante levantou o questionamento sobre a utilidade do Acordo que, em 2008, o Brasil assinara com a Santa Sé. Respondi que ainda não tinha lido o Acordo integralmente e prometi que, após ter aprofundado o argumento, iria responder à pergunta. Semana passada, adquiri um livro - publicado recentemente pelo Núncio Apostólico de Brasília, Dom Lorenzo Baldisseri - sobre o argumento. O título do livro é: Diplomacia Pontifícia: Acordo Brasil - Santa Sé.

Dom Lorenzo Baldisseri, Núncio Apostólico em Brasília (ou seja, Embaixador da Santa Sé junto ao Brasil) desde 2002, foi quem conseguiu realizar um sonho que a Igreja Católica, há décadas, tentava realizar. Em poucas palavras, o Acordo apenas ratificou o que já existia no Brasil, regulamentando a atuação da Igreja Católica em território nacional. Até então, de fato, não existia um acordo específico referente à Igreja Católica, mas apenas a todas as instituições religiosas no país.

Antes, porém, de falar do acordo Brasil - Santa Sé é importante conhecer algumas das etapas mais importantes da história das relações entre Brasil e Santa Sé que teve seu início oficial com o estreitamento das relações diplomáticas em 23 de janeiro de 1826, um ano depois que a Santa Sé reconhecera a independência do Brasil.

Em 1824, a Constituição brasileira formalizou o Padroado que reconhecia a religião católica como religião do Império (Art. 5. A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do Templo). Naturalmente, essa concessão por parte do Império, permitia ao governo imperial interferir na nomeação dos prelados católicos no Brasil, aliás, cabia ao Imperador nomear e sustentar os membros da Igreja Católica.

Além disso, todos os documentos emitidos pela Santa Sé, só entrariam em vigor após a aprovação do imperador. Isso gerou não poucos atritos entre as partes. Contudo, o período mais crítico das relações entre o Brasil e a Santa Sé, durante o século XIX, relacionou-se com a assim chamada “questão religiosa”. Em 1864, o papa Pio IX emitiu a Bula Syllabus, com a qual proibia a participação de todos os católicos em sociedades maçônicas, sob pena de excomunhão.

Dom Pedro II, o então imperador, rebelou-se a tal proibição, com um decreto com o qual não reconhecia tal imposição por parte da Santa Sé. Os únicos bispos que se alinharam à decisão da Santa Sé foram os de Olinda e Belém, os quais ordenaram aos sacerdotes de suas dioceses de deixar imediatamente a maçonaria. Dom Pedro II, num primeiro momento, deu a ordem de prender os bispos insurgentes. Isso, porém, gerou uma rebelião por parte do clero católico que o obrigou a anular sua decisão e que marcou um impasse nas relações entre o império e a Igreja Católica.

Com a proclamação da República, em 1889, que colocou fim ao sistema do Padroado, se estabeleceu a divisão entre Estado e Igreja. Um Decreto de 1890 consagrava a liberdade de culto e reconhecia personalidade jurídica a todas as igrejas e confissões. Desde então a igreja católica vinha ensaiando um novo acordo com o Brasil, que tratasse de forma específica de suas relações com o Brasil.

Desde a década de 50, a igreja católica tentou formalizar um acordo específico com o Brasil. Em 1989, foi assinado, por exemplo, um Acordo entre a Santa Sé e o Brasil que regulamentava de forma específica a assistência religiosa às Forças Armadas. Contudo, isso não exauria as exigências da igreja em relação às numerosas atividades desenvolvidas no território brasileiro. Em 2003, começaram a ser avaliadas as possibilidades de finalmente se estabelecer um acordo específico. Em 2006, foram iniciadas as tratativas oficiais para se criar um estatuto jurídico próprio da igreja católica.

A assinatura do acordo ocorreu em novembro de 2008. Tal acordo foi em seguida ratificado pelo congresso, em outubro de 2009. Mas qual seu significado? Por que a igreja queria tanto um acordo desse tipo, levando em conta as relações pacíficas entre as partes?

O núncio do Brasil, Lorenzo Baldisseri, explicou nestes termos o porquê de tal acordo: “Consolida e sistematiza várias normas que foram sendo incorporadas ao direito brasileiro a esse respeito e as eleva ao status de normas de direito internacional. Concretiza e tutela o princípio da liberdade religiosa no Brasil. Trata-se de um marco importante para a segurança e o desenvolvimento das relações da igreja católica e de outras religiões também com os poderes públicos do Brasil”.

Entre os pontos principais do acordo, está: o ensino da religião nas escolas públicas, que continua facultativo; o direito de dar assistência espiritual estável aos fiéis nas instituições de saúde, penitenciárias; a paridade escolar às escolas católicas; a colaboração com as instituições públicas nos campos cultural e artístico; a extensão à igreja dos amplos benefícios legais reconhecidos no Brasil a entidades filantrópicas, não apenas de caráter fiscal; os efeitos civis do matrimônio religioso e sua anulação; etc.

Gilberto Carvalho, que ocupava o cargo de chefe do gabinete da presidência, acompanhou passo a passo o desenvolvimento do acordo. E afirmou: “O andamento rápido das tratativas demonstrou a boa disposição do governo, assim como demonstrou também que não existiam, por parte do governo, objeções radicais a respeito da substância da proposta apresentada pela Santa Sé. Por um motivo muito simples: o ponto substancial, fundamental dessa proposta, é o reconhecimento jurídico da igreja, o estatuto jurídico civil da igreja e de todas as suas instituições. E isso não constitui um problema, na medida em que está previsto pela nossa legislação”.

Gilberto Carvalho lembrou ainda que acordos desse tipo “são rotineiros para a Santa Sé, independentemente da confissão religiosa majoritária nesses países ou de seus governos. A Venezuela e a Argentina, por exemplo, já têm acordos com a Santa Sé, assinados em 1964 e 1966, respectivamente. E não são os únicos na América Latina. A Colômbia, o Peru, o Equador, a República Dominicana e o Haiti também já assinaram concordatas semelhantes. Nada de novo, portanto, no caso do Brasil”.

terça-feira, 24 de maio de 2011

A ascensão pacífica da China


Desde 1978, ano que marcou o fim do isolamento chinês e a inauguração da política de portas abertas de Deng Xiaoping, passaram-se já três décadas. Nesses trinta anos, a China evoluiu interna e internacionalmente, deixando de ser país periférico para ingressar no grupo dos países emergentes.

Tendo já ultrapassado seus limites regionais, o gigante asiático mostra vontade de participar de forma mais afirmativa também da governança compartilhada do mundo. Contudo, pairam no ar diversos questionamentos sobre o tipo de influência que a China deseja alcançar num futuro próximo.

O discurso da “ameaça chinesa” surgido nos anos de 1990, a crise financeira asiática de 1997 e a difusão da SARS em 2002 forçaram, de certa forma, as autoridades chinesas a se manifestar acerca de seu papel no âmbito internacional. Buscando as origens do conceito de “ascensão Pacífica”, descobri que essa teoria começou a tomar forma justamente na última década do séc. XX quando o gigante asiático buscava melhorar sua imagem internacional e conquistar novamente a confiança de seus vizinhos.

O novo conceito de “ascensão Pacífica” debruçou-se assim no novo século com a intenção de inaugurar uma nova estratégia da China em relação ao mundo externo. Ele foi anunciado oficialmente durante o Boao Forum no final de 2003. Lembramos que o Boao Forum é uma ONG cuja sede encontra-se na ilha de Hainan (no sul da China) e que nasceu com o objetivo de dar mais voz aos atores asiáticos para além das instituições políticas e econômicas já existentes como a APEC (Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico).

No discurso de lançamento da nova teoria, Zheng Bijian, o então presidente do China Forum Reform, indicava que sua atuação visava melhorar a participação da China no processo de globalização econômica, sublinhando o fato de que não era de interesse do país uma expansão ao externo. Ascensão, portanto, não era sinônimo de expansão colonialista como significou para outros países no passado, mas enquadrava-se num conceito mais amplo de “segurança coletiva” em vista de uma sempre maior estabilização política da região asiática.

Contudo, com o passar do tempo, as autoridades chinesas, percebendo que a palavra “ascensão” suscitava perplexidades e até sentimentos de ameaças nos países vizinhos, decidiram substituir oficialmente a palavra “ascensão” por desenvolvimento.

No Livro Branco de 2005, intitulado “Desenvolvimento Pacífico da China”, o governo chinês sinalizou que a paz é o único caminho possível para o desenvolvimento chinês, evidenciando a cooperação mútua e a boa vizinhança internacional como termos estratégicos para seu crescimento internacional. A escolha da palavra desenvolvimento, mais neutra que a palavra ascensão, faz parte da estratégia chinesa de evitar atritos inúteis com os seus interlocutores internacionais.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

João Paulo II, o papa vindo do Leste


No dia 01 de maio, o papa Bento XVI proclamou bem-aventurado seu predecessor, o papa João Paulo II, falecido em 2005, apenas seis anos atrás. No dia dos seus funerais, muitas pessoas reunidas na praça, especialmente jovens, gritavam “Santo súbito (Santo já)” pedindo sua canonização o quanto antes. O reconhecimento por parte do povo da santidade de uma pessoa é um dos requisitos para abrir o processo de canonização.

João Paulo II conquistou o coração de muitos durante seu pontificado, até os italianos se deixaram fascinar por esse papa vindo do leste europeu. Digo até os italianos, pois sua eleição foi um verdadeiro choque para o país. Lembro-me ainda aquele famoso dia 06 de outubro de 1978. Estava com minha mãe caminhando numa avenida próxima à Praça São Pedro, quando a cidade pareceu enlouquecer.

Todos ao meu redor começaram a gritar: “Elegeram o papa, é estrangeiro, o papa é estrangeiro”. Minha mãe e eu começamos a correr em direção à Praça, chegando a tempo para ver o papa estrangeiro se debruçar pela primeira vez da janela papal e pronunciar suas primeiras palavras num italiano incerto: “Non so se posso bene spiegarmi nella vostra... nostra lingua italiana. Se mi sbaglio, mi corrigerete (Não sei se posso me explicar bem na vossa... nossa língua italiana. Se errar, vocês irão me corrigir)”.

O forte aplauso que seguiu dizia que o papa estrangeiro acabara de ganhar a simpatia do povo romano que daquele momento em diante o acompanhou ao longo de todo seu pontificado, mesmo tendo dificuldade em pronunciar seu nome, Karol Wojtyla, o primeiro estrangeiro a governar o Vaticano após 455 anos de monopólio dos italianos.

Nascido em 18 de maio de 1920, em Wadowice, a 50 km da capital Cracóvia, Karol Wojtyla era filho de um costureiro, que militou no exército austríaco e depois no polonês.

Aos 09 anos, Karol perdeu a mãe e, logo depois, o irmão. Aos 21 anos perdeu o pai. A guerra interrompeu os seus estudos universitários, obrigando-o a trabalhar como operário. Em 1942, seguindo a sua vocação ao sacerdócio, entrou no seminário e começou os estudos de Teologia. Terminados os estudos partiu para Roma, onde obteve o Doutorado em Teologia. Em seu retorno, trabalhou como docente no Seminário de Cracóvia e na Universidade Católica de Lublin. Em 1958, foi nomeado pelo Papa Pio XII bispo de Ombi e auxiliar de Cracóvia.

Quando, em 1962, morreu o arcebispo de Cracóvia, Karol Wojtyla foi nomeado no seu lugar. Nesta veste foi chamado a participar dos trabalhos do Concílio Vaticano II. Ali se distinguiu pelas suas contribuições sobre o tema da liberdade religiosa.

Em 1967, foi nomeado Cardeal pelo Papa Paulo VI. Dois anos depois, ele fez falar de si quando, opondo-se à proibição do governo comunista de construir novas igrejas, colocou a primeira pedra na a construção da Igreja de Nova Huta.

A surpresa dos católicos do mundo inteiro com a eleição de Karol Wojtyla foi grande. Todavia, a escolha de um papa que vinha do Leste Europeu não parecia feita por acaso, se analisarmos a conjuntura geopolítica da época. Aos olhos dos países ocidentais, o perigo maior provinha justamente do Leste, da hegemonia soviética. Karol Wojtyla havia nascido em um país que, mesmo sendo dirigido por um governo ateu, contava com a maior concentração de católicos entre a sua população.

De fato, quase 90% de sua população eram católicos. A esperança de quem o tinha elegido era que o novo papa combatesse o comunismo soviético favorecendo os países ocidentais.

E, em parte, o que aconteceu em seguida lhes deu razão. Com efeito, João Paulo II não poupou esforços no combate ao comunismo, apoiando abertamente o movimento Solidarnosc na Polônia e aproximando-se do governo dos Estados Unidos, por meio do diálogo com o polonês Zbigniew Brzezinski, Assessor de Segurança do governo Carter.

Em 1981, durante uma audiência na Praça de São Pedro, enquanto saudava os peregrinos do mundo inteiro, João Paulo II sofreu um atentado por parte de um terrorista turco.

A hipótese de responsabilidade soviética era a mais evidente, visto o engajamento do papa contras os regimes ditatoriais de esquerda. Todavia, as verdadeiras causas do atentado nunca foram esclarecidas totalmente.

Depois da queda do Muro de Berlim, em 1989, e do socialismo real nos países do Leste Europeu João Paulo II mudou o alvo de suas críticas, dirigindo a sua atenção e os seus protestos ao Ocidente e combatendo o capitalismo selvagem, que estava destruindo os valores e as raízes cristãs da Europa e dos países ocidentais. Poucos anos depois que o comunismo desmoronou no Leste, em uma das suas tantas viagens à Polônia, ele chamou a atenção dos seus compatriotas, mostrando-se decepcionado pela atitude do seu próprio país em relação à liberdade que poderiam ter conquistado.

Segundo ele, de fato, os poloneses haviam passado de um sistema totalitário a outro, o sistema capitalista ocidental, deixando-se escravizar pelos laços do consumismo, do hedonismo e do individualismo, típicos do ocidente.

Com as suas inúmeras viagens no mundo todo ele quis conhecer pessoalmente a vida das Igrejas locais e os seus problemas, manifestando abertamente o seu dissenso, quando considerava necessário. Lembramos, neste caso, das visitas na América Central, onde chamou a atenção dos padres que haviam se envolvido com o marxismo.

João Paulo II recebeu 38 visitas oficiais, 738 audiências ou encontros com Chefe de Estados, 246 audiências ou encontros com Primeiros Ministros, nas quais ele não deixou de manifestar suas convicções.

No seu pontificado deu impulso ao diálogo com as grandes religiões, sobretudo com o mundo hebraico. Foi, porém, intransigente em relação a questões de bioética. O atentado sofrido deixou graves sequelas na sua saúde, mas isto não o impediu de continuar governando a Igreja Católica. Ao invés de enfraquecê-lo, as doenças, que ele não fazia questão de esconder, atraíram a simpatia e a admiração de católicos e não católicos, especialmente dos jovens, que se deixaram seduzir pela sua vivacidade, expressa não somente em palavras, mas com gestos “quase” teatrais, herança da sua paixão pelo teatro.

A visibilidade foi uma característica inegável do seu pontificado, que ele realizou usando todos os meios de comunicação, tornando, desta forma, a Igreja Católica protagonista do cenário mundial. Fato este comprovado nos dias da celebração de sua morte, pela participação dos líderes mundiais quase que ao completo.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Dilma Rousseff participa da terceira cúpula dos BRICS na China


Dia 13 de abril de 2011, quarta-feira, a presidente Dilma viajou de Pequim à cidade de Sanya, na ilha de Hainan, sul da China, onde no dia seguinte se realizou a reunião do grupo dos BRICS. A presidente Dilma transcorreu dois dias na capital chinesa junto com mais de trezentos empresários brasileiros, assinando acordos de cooperação em âmbito econômico e tecnológico.

A visita da presidente Dilma visava também permitir um salto de qualidade nas relações sino-brasileiras que tiveram seu início oficial em 1974. Foram discutidos temas como diversificação nas exportações brasileiras para a China incluindo produtos de maior valor agregado, maior cooperação no âmbito da agricultura, da energia. A China planeja realizar investimentos no Brasil por um valor de 1 bilhão de dólares. Ao lado das relações bilaterais, China e Brasil manifestaram o desejo de uma maior cooperação também nas relações multilaterais no âmbito de grupos de trabalho como o G-20 e o grupo dos BRICS.

O grupo dos BRICS reúne atualmente os cinco maiores países emergentes do mundo: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que passou a integrar o grupo no ano passado. A entrada da África do Sul foi oficializada nessa cúpula de 2011, onde a sigla inicial do grupo passou de BRIC para BRICS.

A sigla BRIC foi cunhada pelo economista americano Jim O’Neil, em 2001. Em apenas dez anos aquela que parecia ser apenas uma sigla, tornou-se um grupo de grande influência no cenário mundial. Em 2010, o grupo dos BRIC contribuiu por mais de 60% do crescimento econômico global. O comércio entre os membros do grupo cresceu a uma média anual de 28% entre os anos de 2001 a 2010.

A cúpula de Sanya foi, portanto, a primeira para África do Sul, cuja presença garantiu maior representatividade em nível mundial.
Coincidentemente, este ano todos os cinco países dos BRICS fazem parte do Conselho de Segurança da ONU, mesmo se apenas a Rússia e a China possuem direito de veto. Isso levou os países a ocuparem-se não apenas de temas voltados ao comércio ou crise financeira, mas, também, das crises políticas do mundo atual, com especial atenção ao norte da África e Oriente Médio.

O presidente chinês, durante seu discurso de abertura da cúpula, sublinhou a tendência atual à construção de um mundo multipolar caracterizado pela globalização econômica. A partir dessa constatação, ele lançou uma pergunta: “Como fazer para que o século 21 seja um século tranquilo e pacífico no qual a humanidade possa usufruir de uma prosperidade comum?”. Ele fez questão de lembrar, em vários trechos do discurso, que a paz e a estabilidade são pré-requisitos e bases indispensáveis para o desenvolvimento. O presidente Hu Jintao acrescentou que “os países estão agora mais interconectados e interdependentes do que nunca. O futuro e o destino de um país estão sempre mais ligados aos outros. Trabalhar juntos é servir aos interesses comuns de todos os países”.

Compartilhando a ideia do presidente chinês, Dilma Roussef, no seu discurso, afirmou que “a agenda dos BRICS não se define por oposição a nenhum outro grupo. Queremos agregar. Somos a favor de um mundo multipolar, sem hegemonias nem zonas de influência”. O próximo compromisso da presidente Dilma é participar do Fórum de Boao para a Ásia, uma organização não governamental criada em 1998, com sede na China, que é considerada o correspondente asiático de Davos.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Homenagem italiana ao brasileiro Sérgio Vieira de Mello


No dia 15 de março, realizou-se, na cidade italiana de Bolonha, uma cerimônia oficial de dedicação de uma praça da cidade ao diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello, nascido no Rio de Janeiro em 1948 e falecido em Bagdá (Iraque), em 2003, liderando uma missão da ONU no país devastado pela guerra.

Participou da cerimônia, além das autoridades municipais, também o Embaixador Lamberto Zannier, Representante Especial do Secretário Geral da ONU e Chefe da Missão das Nações Unidas no Kosovo (UNMIK). Um gesto benévolo, por parte do governo italiano em relação ao Brasil, país com o qual a Itália está tendo algumas dificuldades em relação ao conhecido caso Battisti. No caso da homenagem ao diplomata brasileiro, contudo, não há divergência alguma.

Sérgio Vieira de Mello é reconhecido mundialmente como promotor da paz e defensor das populações mais atingidas pelas guerras. A decisão de homenagear o diplomata foi motivada pela admiração que sempre suscitou este alto funcionário da ONU, dotado de grande cultura, inteligência, generosidade e empenho em favor da paz, da justiça, dos direitos humanos e dos povos. Segundo o representante do município de Bolonha, sede de uma das mais antigas universidades do mundo, “Sérgio Vieira de Mello é um homem que deixou um marco profundo na história das Nações Unidas”.

Filho de diplomata, Sérgio começou a trabalhar na ONU enquanto estudava filosofia na Universidade de Paris, onde o pai tinha se refugiado durante a ditadura militar. Começou a trabalhar junto ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os refugiados (ACNUR) na cidade de Genebra, na Suíça. Dali em diante, os países que ele escolhia para exercer suas funções foram os mais caracterizados por conflitos ou pobreza, Bangladesh, Sudão, Chipre, Moçambique, Líbano, Camboja, Bósnia, Congo, Kosovo, Timor Leste, e Iraque.

Todos estes países passaram por guerras civis devastadores, onde a inexistência de um governo institucional impedia a garantia de segurança às suas populações. Nessas situações, Sérgio Vieira de Mello incansavelmente procurava promover o diálogo entre todos os atores do conflito, dos ditadores aos rebeldes. No período anterior à sua morte, seu nome estava sendo cogitado para o cargo de Secretário Geral da ONU.

Era a primeira vez que isso acontecia com um brasileiro. Após sua morte, parentes e amigos criaram a Fundação Sérgio Vieira de Mello (www.sergiovdmfoundation.org) para que o legado deixado por esse brasileiro não se perdesse.

Se o Sérgio estivesse ainda vivo, tenho certeza que ele estaria agora na Líbia, empenhado em salvaguardar o direito à vida das populações capturadas mais uma vez pelos horrores da guerra.

sexta-feira, 18 de março de 2011

A unificação italiana e o fim dos estados pontifícios


Ontem a Itália festejou os 150 anos de sua unificação. Contudo, em 1861, o país não estava completo. Faltavam-lhe ainda dois territórios: a região do Vêneto, que ainda pertencia ao Império Austríaco e que foi anexada à Itália em 1866, e os Estados Pontifícios, governados, na época, pelo papa Pio 9, que ocupavam o território que corresponde à atual região do Lazio. A proclamação do Reino de Itália, em 1861, foi percebida pela Santa Sé como um sinal de alarme, pois o poder temporal da igreja tinha os dias contados. Já no início de 1861, o primeiro ministro italiano Camilo Benso, Conte de Cavour, que liderou o governo italiano de 1852 a 1861, enviara seus representantes a Roma para tentar, por meio de tratativas secretas, convencer o papa a renunciar ao poder temporal, prometendo em troca liberdade plena para a igreja. A ideia de que a renúncia ao poder temporal pudesse beneficiar a Santa Sé encontrava o apoio não apenas dos católicos italianos, como também de alguns setores do clero.

A recusa do papa
Quanto ao papa, ele recusou-se de entregar livremente os territórios que pertenceram há séculos à igreja católica. Provavelmente, mesmo sabendo que o fim era próximo, Pio 9 não queria ser lembrado como o papa que se entregara ao poder civil. A história da igreja era repleta de ingerências do estado nos assuntos eclesiásticos e o papa sabia que se possuísse um território isso poderia garantir a plena independência. A situação dos Estados Pontifícios era crítica. Após os ataques das tropas de Garibaldi, permanecia nas mãos do pontífice apenas a cidade de Roma e a parte mais antiga do patrimônio de São Pedro. Em 1870, quando eclodiu a guerra franco-prussiana, a França retirou definitivamente seu apoio ao papa. As tropas francesas foram chamadas de volta. A estrada estava livre. Diante da expedição piemontesa liderada pelo General Cadorna, o papa se rendeu em 20 de setembro de 1870. No ano seguinte, em 1871, o rei Vitório Emanuel estabeleceu sua residência oficial no palácio do Quirinale, que até então hospedava o papa.

Questão Romana
Com a extinção dos Estados Pontifícios, o rei declarou inviolável a pessoa do papa - considerado súdito italiano -, e concedia-lhe os palácios do Vaticano, o do Latrão e de Castel Gandolfo, acrescentando uma renda anual de 3,225 milhões de Liras. Além disso, permitia ao papa de exercer o direito de legação ativa e passiva, ou seja, reconhecia à Santa Sé a legitimidade de manutenção de sua rede diplomática. Considerando tais leis como um ato unilateral, Pio 9 as rejeitou, recusou a indenização oferecida e proibiu os católicos de participar das eleições políticas (non expedit). Pio 9 declarou-se prisioneiro no Vaticano. Faleceu alguns meses após a morte do rei Vitório Emanuel, no dia 7 de fevereiro de 1878. Começava, assim, a chamada “Questão Romana”, que só seria resolvida em 11 de fevereiro de 1929, com a assinatura dos Acordos de Latrão entre o papa Pio 9 e o ditador fascista Mussolini, quando a igreja católica recebeu os territórios que lhe permitiram tornar-se um estado, mesmo se pequeno.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Entre sombras e luzes a Itália festeja 150 anos de unidade nacional


Fazia três anos que não viajava para a Itália, a saudade era grande, não apenas da família e dos amigos, mas também da minha pátria. É verdade que nesses 14 anos de Brasil adotei outra pátria bem maior e muito mais jovem que meu país de origem, mas de vez em quando é bom voltar às próprias origens, pisar nos lugares da infância, lembrar para fazer um balanço da própria vida.

Férias servem também para isso. Pena que a Itália que encontrei não esteja vivendo uma das suas melhores fases, aliás, acho que, há mais de dez anos, todo ano ela desce um degrau rumo ao fundo do poço, ao menos no que diz respeito ao lado político e econômico. Com efeito, existem duas Itálias, a Itália do turismo, dos lugares encantadores, do sol, do mar, das artes, da música que, por sorte, nunca haverá de sofrer, pois seu fascínio continua incorrupto.

A outra Itália, aquela dos políticos, parece não ter solução. Há 14 anos temos um primeiro-ministro vai e vem, Silvio Berlusconi, que infelizmente é conhecido no mundo inteiro não pelo sucesso de sua estratégia política, mas pelas gafes diplomáticas, pelas televisões que possui e por meio das quais chega forçadamente nas casas de todos os italianos, pelas suas mansões e ainda pelo seu harém de mulheres que ultimamente está lhe custando muito caro.

Atualmente acusado de concussão e prostituição de menores, Berlusconi, mais uma vez, ao invés de se ocupar dos graves problemas do país, coloca todas as suas energias para encontrar estratégias de defesa. Enquanto no Mediterrâneo e mais especificadamente no Egito, a sociedade civil ocupava a maior praça do Cairo para reivindicar a saída do Mubarak, nas praças italianas e de muitas capitais no exterior, milhares de mulheres de todos os partidos (menos o de Berlusconi, que parece ter hipnotizado seus leais seguidores), desciam nas praças para defender a dignidade das mulheres, tratadas pelo primeiro ministro italiano como objetos de prazer e meros enfeites nas famosas festinhas da sua mansão em Arcore.

Afirma um ditado famoso que a esperança é a última a morrer. Mesmo diante desse triste panorama italiano, consegui perceber alguns elementos de esperança: milhares de mulheres que se organizaram contra esse vergonhoso estilo de vida que Berlusconi apresenta todo dia ao seu eleitorado, a ruptura do seu tradicional aliado, Gianfranco Fini que, no dia da fundação do enésimo novo partido italiano, apresentou um novo projeto político de oposição a Berlusconi.

Além disso, é preciso lembrar que a sociedade italiana, mesmo atravessando um dos períodos mais difíceis de sua história, desde o final da Segunda Guerra Mundial, continua sendo o país acolhedor e solidário que sempre foi. De fato, nas últimas semanas, registrou-se um fluxo emergencial de imigrados clandestinos vindos da Tunísia, primeiro país do Magreb a caçar seu presidente. Com a ausência de um governo nacional, milhares de tunisinos pagam uma fortuna para comprar a passagem rumo à Itália, passagem obrigatória para outros países da Europa.

A atitude da Itália foi a de logo encontrar soluções para acolher esses refugiados, montando centros improvisados de recepção, apelando à tradicional solidariedade italiana que parece mais forte que o pessimismo e as polêmicas desse período. Ainda há esperança para uma Itália que, no dia 17 de março 2011, festejará 150 anos de sua unificação.