quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Feliz 2011!


Feliz 2011!
O blog vai ficar sem atualização em janeiro.
Boas férias e obrigado pela sua companhia.
Anna

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Coreia do Norte - ameaças internas e externas

Nos últimos meses, assistimos a desavenças entre as duas Coreias, a do Norte, onde vige o regime comunista do ditador Kim Jong-il, e a do Sul, tradicional aliada dos Estados Unidos desde o fim da Guerra de 1950.

Os dois países continuam - teoricamente - em estado de guerra desde então, mesmo se foram registradas numerosas tentativas, ao longo dessas décadas, de aproximação, inclusive com envio de alimentos por parte da Coreia do Sul.

Nos últimos meses, porém, a guerra fria entre elas imperante até hoje correu o risco de se transformar em guerra quente. O pretexto foi o incidente ocorrido em 26 de março, quando um navio de guerra sul-coreano que navegava próximo da fronteira marítima entre as duas Coreias foi afundado em uma explosão que o atingiu. Dos marinheiros que estavam a bordo, 58 conseguiram escapar, mas 46 morreram. Após ter examinado o torpedo que teria atingido o navio, os investigadores concluíram que a responsabilidade era da Coreia do Norte, a qual, por sua vez, negou o seu envolvimento no ocorrido. Para agravar a situação, no mês passado, a Coreia do Norte atacou a ilha de Yeonpyeong, provocando a morte de quatro fuzileiros sul-coreanos. O país, um dos últimos baluartes do comunismo, defende-se afirmando que a Coreia do Sul organiza desde muito tempo exercitações militares junto com o vizinho nipônico, no Mar do Japão, consideradas como atividades que ameaçam o regime de Kim Jong-il.

Alguns analistas asiáticos afirmam que Pyongyang (capital da Coreia do Norte) há muito já preparava essa crise. Segundo eles, Kim Jong-il, preocupado pelo insucesso de suas políticas econômicas que provocaram uma queda desastrosa da economia, usou essa crise para culpar Washington e Seul e indicá-los ao povo faminto como os verdadeiros inimigos. Tal estratégia poderia fazer-lhe ganhar tempo e permitir que a sucessão de poder já preparada para seu filho Kim Jong-un aconteça sem grandes desestabilizações políticas internas.

Em nível internacional, porém, a Coreia do Norte, que já era o alvo das denúncias internacionais em matéria de armas nucleares, foi condenada imediatamente pelos Estados Unidos e Japão, que apoiaram o governo de Seul, pedindo à ONU severas sanções contra o governo norte-coreano. Já a China, tradicional aliado da Coreia do Norte, evitou condená-la, defendendo o caminho do diálogo.

O presidente chinês Hu Juntao, em conversa com o presidente americano Barack Obama, teria defendido uma ação internacional mais calma e racional para evitar a deterioração de uma já frágil situação de segurança em torno da península coreana. Ele afirmou: “Diálogo é o único canal correto para resolver a questão nuclear e outras questões relevantes que envolvem a península coreana”. Assim, incentivou os países envolvidos nas tratativas (China, Rússia, Estados Unidos, Japão, a República da Coreia – ROK e a República Democrática Popular da Coreia - DPRK) a retomarem as negociações visando à manutenção da paz e da estabilidade.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

China, Japão e Rússia: possíveis choques (parte 2)

Na primeira parte desse artigo foi lembrado o incidente diplomático ocorrido no início de setembro entre China e Japão sobre as ilhas do arquipélago Senkaku, em japonês, e Diaoyu, em chinês, localizadas no noroeste de Taiwan e próximas a Okinawa (sul do Japão). Tal incidente reabriu a ferida, aparentemente já cicatrizada, da disputa das ilhas do sul do pacífico entre os dois países. O mesmo ocorre entre Japão e Rússia a propósito das ilhas Curilas meridionais, localizadas na parte setentrional do Japão, próximas à ilha de Hokkaido. Kunashiri, Etorofu, Shikotan e Habomai, conhecidas também com o nome de “quatro ilhas do norte”, foram colonizadas pelos japoneses desde a primeira metade do século 19.

Disputa pelas ilhas do norte
Em 1855, ano em que Japão e Rússia estreitaram pela primeira vez suas relações diplomáticas, foi assinado um tratado de comércio, navegação e delimitação, conhecido como Tratado de Shimoda. Tal tratado visava delimitar as fronteiras territoriais entre os dois países. Com a derrota do Japão, no fim da 2ª Guerra Mundial, as forças soviéticas invadiram o arquipélago, que foi anexado à URSS, e deportaram todos os moradores japoneses. Contudo, o Japão, continuou a considerar estes locais como parte do seu território, denunciando a ilegalidade da ocupação soviética e obtendo, nessa questão, o apoio incondicional dos Estados Unidos.

Tentativas de paz
De 1945 até hoje, numerosas tentativas de resolução pacífica dessa disputa territorial ocorreram. A primeira foi durante o período de distensão da Guerra Fria, quando Japão e URSS retomaram o diálogo tentando negociar uma paz separada, entre junho de 1955 e outubro de 1956. A segunda, mais recente, foi em 1993, no governo Ieltsin. Os dois governos assinaram a Declaração de Tokyo, que estabeleceu bases de negociação que deveriam permitir a resolução pacífica da questão territorial assim que as relações diplomáticas fossem retomadas. No governo de Vladimir Putin, houve mais uma tentativa de se chegar a um compromisso, propondo a cessão de algumas ilhas do arquipélago ao Japão. E finalmente, seu sucessor, o atual presidente russo Medvedev, sempre declarou-se a favor de uma política de acomodação, até esta visita inesperada na ilha de Kunashiri, que marcou a mudança repentina da política externa russa.

Durante sua visita, Medvedev anunciou que o governo russo iria empenhar-se para melhorar a vida de seus habitantes com a construção de novas casas e envio de mais mercadorias, manifestando com esse discurso a intenção de não querer renunciar a estas ilhas, ricas em peixes, jazidas de petróleo, gás, ouro e prata. A tentativa de recuperar a soberania das ilhas ao norte do Pacífico por parte da Rússia, e ao sul do Pacífico por parte da China é considerada por alguns analistas internacionais como parte de uma estratégia comum dos dois governos em relação ao vizinho japonês. China e Rússia estariam tentando eliminar, ou ao menos mitigar, a influência do Japão na área do Pacífico e, por consequência, controlar a presença norte-americana nessa área do mundo, tradicional aliado do Japão.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

China, Japão e Rússia, possíveis choques diplomáticos (parte 1)

No dia 7 de setembro, ocorreu uma colisão entre um barco pesqueiro chinês e uma embarcação da guarda costeira japonesa nos mares do arquipélago Senkaku, em japonês, e Diaoyu, em chinês. As consequências do que parecia ser um normal incidente foram maiores do que as esperadas, resultando em uma grave crise diplomática entre os dois países. O Japão prendeu o capitão do pesqueiro chinês alegando que o pesqueiro chinês teria intencionalmente atacado a embarcação japonesa e ainda em território japonês.

Essa última declaração contém o núcleo do problema. O arquipélago em questão, formado por oito pequenas ilhas desabitadas, está localizado no noroeste de Taiwan e próximo a Okinawa. O Japão controlou essas ilhas de 1895 até sua rendição após a 2ª Guerra Mundial, quando passaram à administração americana que as devolveu ao Japão em 1972. Taiwan e a República Popular da China reivindicam desde 1971 a posse dessas ilhas por eles descobertas e administradas do século 16 até 1895.

As ilhas são importantes do ponto de vista econômico, pois se trata de área rica em recursos naturais. Geograficamente elas ocupam uma posição estratégica de controle do Sul do Pacífico. China e Japão reivindicam a posse das ilhas, mesmo se é o Japão que exerce o controle de fato sobre o arquipélago. Esse acontecimento provocou a reação popular dos dois países, cada um reivindicando a posse das ilhas. Também Taiwan participou das reivindicações sobre o conjunto de ilhas ricas em peixes e jazidas de petróleo.

Devemos observar, porém, que esse aparente acidente rompeu com uma tradição de acomodamento pacífico entre Japão e China em relação à navegação de barcos chineses nas águas próximas ao arquipélago. Segundo o estudioso japonês Tanaka, houve um acordo nos anos 60 entre China e Japão sobre pesca nas águas limítrofes e em 1978, Deng Xiaoping decidiu adiar a resolução do impasse sobre as ilhas Senkaku-Diaoyu. Daquele momento em diante, o Japão permitiu que os barcos chineses transitassem nas proximidades do arquipélago.

No último período, porém, algo mudou na política externa do atual governo japonês. Sua aliança com os EUA parece empurrar o Japão a criar pretextos para se chocar com a vizinha China. Pretexto que serviria para os Estados Unidos justificarem a presença na área como defensor dos direitos de seu aliado. A situação não melhorou com a última visita do presidente russo, Dimitry Medvedev, à ilha Kunashir, parte das ilhas Curili Meridionais, disputadas entre Rússia e Japão. Também essas ilhas são ricas em peixes, jazidas de petróleo, gás, ouro e prata. Estão localizadas próximo ao Japão, na parte setentrional, próximas à ilha de Hokkaido.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

ONU luta pelo fim do bloqueio econômico

Na última terça-feira, a assembleia geral da ONU reiterou mais uma vez o pedido de fim do embargo americano contra Cuba. Foi o pedido nº 19. No ano passado, só três estados votaram contra: Estados Unidos, Israel e Palau. Dois abstiveram-se (as Ilhas Marshall e Micronésia). Os democratas americanos, tradicionalmente a favor do fim do bloqueio, no governo de Barack Obama parecem ter mudado de ideia. Nesses dois anos de governo democrata, não ocorreu nenhuma alteração em relação à política externa americana em Cuba. Ao contrário, foi reforçada a natureza extraterritorial do bloqueio econômico que começou oficialmente 48 anos atrás. Decretado pelo presidente John F. Kennedy, no dia 3 de fevereiro de 1962, o embargo foi a oficialização de sanções punitivas que tiveram início logo após a Revolução Cubana de 1959.

O objetivo dos norte-americanos era derrotar um regime que seria um mau exemplo para o continente latino-americano, região de tradicional influência dos Estados Unidos. Cuba foi proibida de exportar produtos para o mercado estadunidense, além de não poder receber turistas de lá. Não pode ter acesso a créditos nem utilizar o dólar no comércio com o exterior. A agravar essa situação, foi aprovada, durante o governo Bush, em 1992, a Lei Torricelli. Essa lei proibiu Cuba de importar produtos de empresas norte-americanas também sediadas fora dos Estados Unidos, impondo mais restrições à navegação a partir e para a ilha cubana. Mesmo quando, em 2004, o Congresso dos EUA, sob pressão dos agricultores norte-americanos, votou a favor de uma lei que autorizasse Cuba a comprar produtos americanos, esta veio acompanhada de graves restrições.

Os prejuízos econômicos sofridos por Cuba foram calculados em mais de 82 bilhões de dólares, sem contar o sofrimento moral da população cubana. Diante dessa situação, uma pergunta não quer calar. O “perigo vermelho” desapareceu com a queda do muro de Berlim. A America Latina não é mais submetida à influência direta dos Estados Unidos. Cuba não representa mais a pequena ovelha negra da America Latina, dos anos da Guerra Fria. Então, por que os Estados Unidos ignoram a vontade da maioria dos membros da assembleia geral da ONU, que, por bem 19 vezes demonstrou quase unanimidade em relação ao fim do bloqueio econômico? Há quem diga, e não são poucos, que a resposta esteja em um grupo de pressão, cubano, localizado em Miami, no estado da Flórida, que luta há décadas contra o governo de Fidel Castro, querendo vingança contra tudo o que perderam durante a revolução de 1959, e que sustentou a política anti-cubana de Bush.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O segredo da felicidade de Chiara Luce


Escrito em co-autoria com Fábio Régio Bento

No sábado passado, dia 25 de setembro, mais de 20.000 pessoas, sobretudo jovens, vindos de todas as partes do mundo, se encontraram em Roma para festejar o reconhecimento da santidade de vida de uma jovem italiana, Chiara Luce (Clara Luz) Badano, falecida aos 18 anos por um tumor nos ossos. Uma vida, a de Chiara Luce, aparentemente simples, sem nada de extraordinário, comum aos jovens de sua idade: a escola, o esporte, as reuniões de final da tarde com os amigos na praça da pequena cidade onde ela vivia. Contudo, quando a grave doença é diagnosticada, algo de surpreendente acontece. Chiara Luce, após momentos de inevitável decepção, raiva diante da notícia que interrompe bruscamente seus projetos, seus sonhos e que a distanciaria sempre mais de uma vida ordinária, é capaz de reagir, de aceitar a doença e de transformá-la no segredo de uma felicidade profunda e douradora que espalhou ao seu redor até o final de sua vida.

Qual foi o segredo que tornou a experiência de Chiara Luce mundialmente conhecida? Aos nove anos de idade, junto com seus pais, Chiara Luce participou de um encontro mundial de famílias, o Family Fest, organizado pelo Movimento dos Focolares. Ali, ela aprendeu que o evangelho pode ser vivido, e que havia um Pai que a amava imensamente. Com outras meninas e meninos de sua idade, ela se lança em viver dessa maneira, fazendo do amor seu novo estilo de vida. Por exemplo, no dia do seu aniversário, tendo recebido uma boa quantia em dinheiro, decide doar tudo em prol de projetos de desenvolvimento na África. Com seus colegas de escola, nunca falava de Deus, pois ela queria transmiti-lo por meio de suas ações, do seu amor atento e delicado.

Amava praticar esporte, principalmente o tênis. E foi justamente jogando tênis que a doença se manifestou. Uma dor aguda lhe fez cair a raquete da mão. Era o início de uma longa e dolorosa doença que lhe tirou o uso das pernas e a obrigou a longos períodos no hospital. Após dois anos de tentativas, a medicina não tinha mais o que fazer, e Chiara Luce voltou para casa. O pai de Chiara, no dia da beatificação de sua filha revelou que foram dois anos especiais, a realidade era de dor, mas o amor de Deus os mantinha como que em um nível mais elevado onde o amor que eles experimentavam era mais forte. Chiara Luce, no início de sua doença, num diálogo silencioso de 25 minutos com aquele Pai do qual se sentia amada imensamente, conseguiu dizer seu sim e acreditou que a doença se tornaria um instrumento de santificação, um caminho especial por meio do qual poderia doar a todos a realidade de felicidade e Luz que experimentava dentro dela.

Os médicos ficaram impressionados pela sua coragem, pelo amor dado a quem ia visitá-la. Jovens e adultos saiam daquele quarto revigorados pela certeza da presença de Deus amor que eles viam nos olhos luminosos de Chiara Luce. Ela recusou a morfina, não obstante as fortes dores na coluna. O motivo por ela alegado é que lhe tirava a lucidez, e ela queria ficar lúcida para oferecer perfeitamente as dores que sentia.

Com sua melhor amiga, preparou o seu funeral, escolhendo as músicas, as flores, a roupa de noiva que ela vestiria naquele dia, que queria fosse tão belo quanto uma festa de núpcias. Mesmo sofrendo, continuava a menina alegre de sempre, brincava com seus pais, com os amigos, gravava mensagens para se fazer presente nos encontros do movimento, já que não podia mais participar fisicamente. No seu quarto, assim como no seu coração, cabia o mundo.

No último dia, quando percebeu que o momento de sua partida estava se aproximando, pediu para a mãe que deixasse entrar as pessoas que tinham vindo saudá-la. “Vou tirar o oxigênio para que não se assustem”. Saudou cada um, deixando especialmente para os jovens de sua idade a tarefa de levar para frente o Ideal de sua vida. Por fim, despediu-se de sua mãe. Acariciando-lhe os cabelos, disse: “Mãe, seja feliz, porque eu o sou”. A experiência de Chiara Luce chegou aos 04 cantos do mundo e, também, no mundo virtual, por meio do Twitter, Facebook, Youtube.

sábado, 18 de setembro de 2010

Austrália: a maior ilha do mundo

Há pouco mais de um mês, o resultado das eleições na Austrália deu o que falar. O Partido Trabalhista, no governo, perdeu votos e, pela primeira vez desde 1940, o parlamento ficou sem maioria. A primeira mulher na Austrália a ocupar o cargo de premiê, Julia Gillard, teve que negociar o apoio de deputados independentes para salvaguardar a estabilidade política da maior ilha do mundo.

Após ler essa notícia, um amigo pediu-me para escrever algo sobre a Austrália, país que aparece pouco nas primeiras páginas dos jornais, ao contrário de outros, e do qual talvez não se saiba muito.

A Comunidade da Austrália (Commonwealth da Austrália) foi fundada em 1901 e é atualmente composta por seis estados: Nova Gales do Sul, Queensland, Austrália da Sul, a ilha da Tasmânia, Victória, Austrália Ocidental, mais dois territórios que funcionam praticamente como os outros Estados da Confederação: Território do Norte e Território da Capital da Austrália (ACT). Nesse último, encontra-se a capital da Austrália: Canberra. A Austrália é uma monarquia cujo chefe de estado é a rainha do Reino Unido, que atua por meio de um governador geral por ela nomeado após ter consultado o governo australiano.

Antes de a Austrália ser descoberta pelos europeus, os aborígenes, primeiros habitantes da Austrália, já haviam estabelecido contato com os povos asiáticos. Em 1606, o navegador espanhol Torres atravessou o estreito que separa a Austrália da Papua Nova Guiné, e que recebeu por isso seu nome. Em seguida, os holandeses descobriram a ilha de Tasmânia, no sul da Austrália. O primeiro explorador inglês chegou à costa noroeste da Austrália em 1698. Após essas primeiras viagens de exploração, a Grã-Bretanha escolheu a Austrália para torná-la sua colônia penal. De fato, após a Independência dos Estados Unidos, em 1776, a Inglaterra precisava encontrar outro lugar para enviar seus deportados. O lugar escolhido foi a costa sul oriental do Novo Gales do Sul, onde iria constituir-se uma colônia penal economicamente independente, sustentada pelo trabalho dos detentos.
No dia 26 de janeiro de 1788, 11 navios ingleses chegaram à Austrália transportando 1,5 mil deportados e civis. Logo, o número de civis que chegava à Austrália superou o número de deportados. A indústria da lã e a corrida ao ouro estimularam a chegada de novos colonizadores.

Na Segunda Guerra Mundial, por motivos de segurança nacional, a Austrália aproximou-se dos Estados Unidos, tornado-se uma das bases estratégicas do exército americano liderado pelo General MacArthur. Após a Segunda Guerra, o país viveu um período de boom econômico, recebendo emigrantes de mais de 140 nações. Hoje, a Austrália detém o terceiro lugar na classificação IDH, após a Noruega e Irlanda.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A virada de página do governo americano

Na última terça-feira, pela segunda vez após a sua eleição, o presidente Barack Obama falou aos americanos diretamente do Escritório Oval da Casa Branca, anunciando o fim das operações militares no Iraque. Em seu discurso, que durou cerca de 20 minutos, Obama escolheu deter-se longamente na explicação do significado da retirada das tropas americanas, e das graves consequências de uma guerra decidida apenas por uma parte do povo americano. Obama lembrou que, desde o início, declarou-se contrário à guerra, guerra que custou a vida de 4.420 soldados americanos, 32 mil feridos e 100 mil vítimas civis iraquianas. Contudo, enquanto deixava bem claro a sua atitude, fez questão de afirmar que ninguém colocava em dúvida o patriotismo demonstrado por Bush durante o seu governo, tentando dessa forma evitar a agravação de divisões internas que o enfraqueceriam nesse período de proximidade às eleições americanas de mid-term (metade do mandado), que ocorrerão em novembro.

Anunciando o fim da missão americana no Iraque, Barack Obama fez questão de evitar tons triunfalistas que mal se adaptariam à situação instável do Iraque, tons que eram característicos de seu predecessor, George W. Bush. Obama não proclamou vitória nem afirmou que os Estados Unidos cumpriram sua missão. Não deixou, porém, de enfatizar o valor dos sacrifícios de homens e mulheres que exerceram as suas funções no Iraque durante estes sete anos de guerra.

Reiterou o apoio dos EUA ao Iraque por meio de outros meios não militares, como a ação diplomática e o treinamento das forças locais por parte dos cerca de 50 mil soldados americanos que permanecerão no Iraque até o fim de 2011. Após ter discorrido sobre a guerra no Iraque, o presidente Barack Obama dedicou o resto de seu tempo em afirmar que sua principal responsabilidade, agora, é com a restauração da economia americana. Manifestando os motivos de sua firme oposição à guerra no Iraque, ele afirmou: “Infelizmente, na última década, não fizemos o que era necessário para fortalecer os alicerces da nossa própria prosperidade. Gastamos um trilhão de dólares em guerra, muitas vezes financiados por empréstimos do exterior”, e concluiu seu discurso afirmando: “Nossa tarefa mais urgente é restaurar a nossa economia, e colocar os milhões de americanos que perderam os seus empregos de volta ao trabalho. Para reforçar a nossa classe média, temos de dar a todos os nossos filhos a educação que eles merecem, e a todos os nossos trabalhadores as habilidades que eles precisam para competir numa economia global. Precisamos alavancar as indústrias que criam postos de trabalho e acabar com nossa dependência do petróleo estrangeiro”.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Breves notas sobre a diplomacia pontifícia (parte final)

Conta-se que uma vez, um embaixador da América do Sul junto à Santa Sé, disse ao cardeal Domenico Tardini, na época secretário de estado do papa João 23º: “Estou orgulhoso de servir a primeira diplomacia do mundo”. Recebeu como resposta: “Se nós somos a primeira, tenho realmente dó da segunda”. Essa frase é muitas vezes lembrada para sublinhar o realismo dos integrantes da diplomacia pontifícia, que sabem que a diplomacia da Santa Sé é bem diferente, quanto aos fins e funções, das diplomacias dos estados com os quais ela mantém relações diplomáticas. Jean-Louis Tauran, secretário de estado nos anos 90, durante o pontificado de João Paulo 2º, esclarecia que “um núncio que quisesse desempenhar o papel de diplomata seria logo menosprezado pelos seus confrades. O que se exige antes de tudo de um núncio é que seja padre”.

Uma diplomacia “sui generis”
A diplomacia pontifícia é sem dúvida uma diplomacia “sui generis”, atípica, justamente porque a Santa Sé é um sujeito internacional diferente dos outros atores internacionais. Essa sua posição privilegiada no âmbito internacional é justificada pelo fato de ela ser a suprema autoridade da igreja católica. É significativa a afirmação de Dag Hammarskjold, secretário-geral da ONU, entre 1953 a 1961, que uma vez falando do papa dizia: “Quando peço uma audiência no Vaticano não vou ver o rei da cidade do Vaticano, mas o chefe da igreja católica”.

Envia e recebe
A igreja católica é a única instituição religiosa no mundo que possui o direito de ter relações diplomáticas com outros estados, ela envia seus diplomatas, chamados “núncios apostólicos”, e recebe, por sua vez, embaixadores, do mundo todo.

Na história
Do ponto de vista histórico, compreende-se a diplomacia da Santa Sé como resultado da evolução histórica do papado, ocorrida ao lado das grandes transformações históricas dos séculos passados: do crescimento e queda do império romano e do império do oriente, até o surgimento dos primeiros estados absolutistas que marcou a queda da influência do poder papal sobre os regimes monárquicos. Mesmo após a unificação da Itália, em 1870, que resultou na perda do poder temporal por parte dos papas, a Santa Sé manteve suas relações diplomáticas com numerosas nações europeias.

domingo, 8 de agosto de 2010

Breves notas sobre a diplomacia pontifícia (1)

No dia 13 de novembro de 2009, o papa Bento 16 recebeu, pela primeira vez em Roma, a visita do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. Na ocasião, o estado brasileiro e a Santa Sé assinaram uma convenção esperada e desejada há anos pelo atual núncio apostólico no Brasil, Lorenzo Baldisseri, e pela conferência episcopal brasileira. Por meio deste acordo, a igreja católica no Brasil adquiriu personalidade jurídica, o que lhe permitirá, de agora em diante, melhor desenvolver sua missão apostólica e pastoral no país.

De fato, até então, mesmo podendo desempenhar seu papel em plena liberdade de expressão, a igreja católica no Brasil tinha sua ação amparada apenas em um decreto de 1890, que conferira personalidade jurídica a todas as igrejas existentes naquela época, sem, no entanto, se referir especificadamente à igreja católica.

O acordo contempla, no seu conteúdo, todos os âmbitos de ação desta instituição, regulamentando sua relação com a sociedade e com o próprio estado brasileiro. O convênio internacional assinado entre o Brasil e a Santa Sé configura-se, portanto, como um ato diplomático a todos os efeitos, devido ao reconhecimento internacional da Santa Sé como sujeito soberano de direito internacional.

A igreja católica, por meio da Santa Sé, sua autoridade suprema, é a única organização religiosa a poder contar com uma vasta rede de relações diplomáticas. Sua atuação internacional tornou-se evidente já no período entre as duas guerras mundiais, reforçando sua posição internacional a partir dos anos 60, quando se realizou o Concílio Vaticano 2. Apesar disso, pouco se conhece de sua dinâmica internacional e muitas vezes esse desconhecimento alimenta as fantasias de quem imagina ainda o Vaticano como centro de misteriosos e perigosos complôs internacionais.

A diplomacia pontifícia é a mais antiga diplomacia. Segundo Lebec, “foi ela que inspirou o essencial do direito público internacional moderno, no congresso de Viena”. Por isso, às vezes ela ganha o título de primeira diplomacia do mundo. Conta-se que uma vez, um embaixador da América do Sul junto à Santa Sé, disse ao cardeal Domenico Tardini, na época secretário de estado do papa João 23: “Estou orgulhoso de servir a primeira diplomacia do mundo”. Recebeu como resposta: “Se nós somos a primeira, tenho realmente dó da segunda”.

domingo, 1 de agosto de 2010

A França aprova lei contra a burca (fim)

A pós lembrar esses fatos significativos, o professor Samir atribui essa difusão repentina do uso da burca na Europa à corrente “salafita” que prega o retorno à tradição do primeiro século do Islã. Segundo ele, muitos grupos de ativistas islâmicos pertencentes a essa corrente atraem mulheres europeias muitas vezes por meio de casamentos. Por exemplo, durante uma conferência sobre Islã, na Alemanha, entre os tantos muçulmanos turcos presentes na sala, o professor lembra que foi atacado apenas por três mulheres alemãs convertidas ao Islã.

Na França, segundo ele, o véu integral é vestido apenas por mulheres que nunca o vestiram antes. Por isso, ele afirma, o uso da burca deve ser procurado não nas tradições religiosas, mas dentro de um espírito ideológico que deseja o retorno à tradição cultural da arábia antiga, em oposição ao Ocidente.

Não foi apenas a França que proibiu o uso da burca. A burca também foi proibida na Bélgica, em Barcelona, na Itália. A União Europeia a considera como uma rejeição contra a integração na cultura europeia.

Talvez seja este o núcleo do problema e o objetivo da lei, cujo intuito não é atacar uma cultura de tradição diferente, quanto, ao contrário, pôr limites a tendências extremistas que, ao invés de favorecerem a integração entre povos diferentes, visam minar tal união.

Em 2007, todos os líderes dos países árabes, reunidos na capital do Reino da Arábia Saudita, rejeitaram todo tipo de extremismo como pode se ler na Declaração de Riyadh, resultado daquela reunião. É o contrário daquilo a que se propõe o grupo salafita que, como o professor Samir alertou, prega a rejeição da modernidade.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

A França aprova lei contra a burca (1)

Semana passada, após meses de debates, o parlamento francês aprovou uma lei que proíbe o uso de esconder o rosto em lugares públicos. Consequentemente, o uso da burca tornou-se ilegal em território francês. A lei foi aprovada com 355 votos a favor e apenas um contra. Ela prevê seis meses de adaptação, durante os quais não serão aplicadas multas.

A lei proíbe que o rosto seja coberto de maneira integral, definindo as exceções a tal lei como em caso de doenças, enfaixamentos, fantasia de Carnaval, etc. Após esse primeiro período de reflexão e assimilação, a multa para quem transgredir a lei, vestindo a burca, será de 150 euros. Porém, multas mais pesadas serão aplicadas para quem obrigar alguém a vestir a burca. A multa prevista nesse caso é de 30 mil euros ou um ano de prisão (o dobro se a pessoa obrigada for menor de idade).

Li nesses dias, no site de Asianews, um interessante artigo sobre essa lei, escrito por Samir Khalil Samir, natural do Egito, professor de estudos islâmicos e história da cultura árabe na Universidade de Beirute.

Comentando a decisão do governo francês de proibir a burca, ele evidenciava como o uso extensivo da burca seja um fenômeno bastante recente, pois, segundo a polícia francesa, alguns anos atrás, apenas uma centena de mulheres usava a burca. Atualmente, na França, são ao menos duas mil as mulheres que a usam. Da mesma forma, no Egito, em 2001, apenas algumas centenas de mulheres usavam a burca, e hoje 16% da população do país usam essa vestimenta.

Tentando encontrar as razões dessas mudanças, o professor Samir, antes de tudo, sublinhou que no Corão ou na tradição islâmica (Sunna) nunca se fala de burca, portanto, ele conclui: “não estamos falando de um costume islâmico”. A burca é diferente do chador ou do niqab. Contudo, é um hábito que se encontra apenas em alguns países de tradição islâmica. Mas, segundo o professor Samir, ela continua sendo uma exceção e não a regra. Com efeito, em outros países muçulmanos, a burca é proibida, por não fazer parte de suas tradições, como acontece na Tunísia.

Na Turquia, ela é proibida para respeitar a laicidade do Estado. No Egito, em novembro de 2009, o reitor da universidade islâmica Al-Azhar, Mohammad Sayyed Tantawi, a maior autoridade religiosa no Egito, proibiu o uso da burca entre as estudantes, pois dizia que esse uso não tinha nenhuma ligação com o Islam. Em fevereiro de 2010, o primeiro ministro egípcio, Ahmad Nazif, definiu a burca como “uma negação da mulher”.

Continua na próxima semana...

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Cooperação Sul-Sul

Na semana passada, realizou-se a reunião anual do G-7 mais a Rússia, e do G20, grupo este que reúne países desenvolvidos e emergentes, na busca de novos caminhos que ajudem todos os países a sair da crise econômica que abalou recentemente as economias mundiais. Entres os integrantes desse grupo, nos últimos anos, destacou-se a ação internacional de países como Brasil, Índia, África do Sul e China, que estão liderando um novo tipo de relacionamento internacional, a assim chamada Cooperação Sul-Sul. Na verdade, esse tipo de cooperação, que reúne os países em desenvolvimento localizados no hemisfério sul, afunda suas raízes no período da primeira década de 1960, quando se formou o Grupo dos 77.

O grupo foi implantado em 1964, dentro da estrutura da Unctad (Conferência para o Comércio e Desenvolvimento das Nações Unidas), em Genebra, com o objetivo de fornecer meios aos países do sul de articular e promover os interesses econômicos coletivos. Outro objetivo era melhorar a capacidade de negociação dos países periféricos dentro do sistema internacional, promovendo, ao mesmo tempo, a cooperação para o desenvolvimento entre os países pertencentes ao hemisfério sul.

Em 1978, sempre no seio das Nações Unidas, uma nova iniciativa veio reforçar a cooperação entre os países do sul do mundo. Tratava-se do Plano de Ação de Buenos Aires, resultado da conferência realizada na capital argentina, em 1978, e que reuniu 138 países. O Plano de Ação apresentava 38 recomendações para a implantação de um programa de Cooperação Técnica entre os Países em Desenvolvimento (TCDC). A este fim, foi criada uma Unidade Especial de Cooperação Sul-Sul, dentro do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas. Contudo, as décadas se passaram e tal programa não alcançava os fins para os quais tinha sido criado.

O modelo de cooperação até então atuado se baseava na assistência oferecida aos países do sul pelos países do norte usando metodologias criadas nos países desenvolvidos. O passo decisivo para uma re-emergência de uma Cooperação Sul-Sul mais eficaz ocorreu apenas no início do atual século, sobretudo graças a países emergentes cujo modelo de desenvolvimento deu certo e que suscitaram esperança no resto dos países do hemisfério sul.

Entre eles, o Brasil, a China, a Índia e a África do Sul, que aceitaram desempenhar um papel de liderança no sistema de Cooperação Sul-Sul. Tais países, reconhecidos como líderes regionais, estão tentando ensaiar um novo modelo de cooperação e diplomacia, dessa vez, estruturado a partir dos países do hemisfério sul, evitando com isso reproduzir erros já cometidos pelos países do hemisfério norte. A aplicação desse novo projeto pode ser observada a partir de duas iniciativas valiosas de cooperação: o Fórum IBSA, formado em 2003 por Brasil, Índia e África do Sul e o grupo do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China).

A cooperação empreendida por tais grupos não se limita a iniciativas comerciais e de desenvolvimento industrial, mas atinge áreas fundamentais como educação, saúde e proteção social. A presença desses novos atores no cenário internacional e sua intenção de criar modelos alternativos de cooperação gerou uma nova esperança para povos que até então ficaram a mercê dos tradicionais centros de poder, sendo considerados apenas como a periferia do mundo.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

A África e sua integração regional (parte final)

A década de 1980 foi marcada por violentos conflitos e a Conferência para a Coordenação do Desenvolvimento da África Austral (SADCC) não possuía força e instrumentos adequados para barrar a ação da África do Sul. A situação mudou somente com o estabelecimento da democracia na África do Sul, nos anos 90.

Com o ingresso do país no bloco regional, este se transformou de SADCC em SADC - Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral. O novo grupo regional foi ratificado em 1992, por um tratado assinado pelos chefes de estado e de governo. Atualmente, fazem parte da SADC 14 países. Além dos nove países membros da extinta SADCC, ingressaram, além da África do Sul, também as ilhas Maurício, Namíbia, República Democrática do Congo e as ilhas Seicheles.

Entre os objetivos da SADC, estão: alcançar desenvolvimento e crescimento econômico; aliviar a pobreza; aumentar o padrão e a qualidade de vida dos países da África Austral, dando apoio aos socialmente desamparados, por meio da integração regional; desenvolver valores, sistemas e instituições políticas comuns; promover e defender a paz e segurança; promover o desenvolvimento sustentado a partir da autoconfiança coletiva e da interdependência dos estados membros; alcançar a complementaridade entre estratégias e programas nacionais e regionais; promover e maximizar o emprego produtivo e a utilização dos recursos da região; alcançar o uso sustentável dos recursos naturais e a efetiva proteção do meio ambiente; fortalecer e consolidar as antigas unidades históricas, sociais e culturais e os elos entre os povos da região.

Uma das fragilidades desse bloco consiste na diversidade de seus países membros em termos socioeconômicos e políticos. A instabilidade de seus governos, todos declarados por seus governantes como democráticos, dificulta a integração econômica. Alguns dos seus países membros estão envolvidos há anos em guerras civis, o que demonstra quanto distante ainda esteja uma paz estável nessa porção do continente. Mesmo nessa instabilidade política, a presença da SADC desempenha um papel importante para colaborar na solução desses conflitos. Outra dificuldade é a falta de compromisso dos países membros em relação a quanto foi decidido para melhorar a integração regional.

Há uma tendência por parte dos membros da SADC a priorizar o projeto nacional ao projeto de integração. A cooperação não está acontecendo como se esperava, devido, também, às economias desses países que sofrem com moedas instáveis. O quadro não é dos melhores. Contudo, frente à tendência mundial sempre mais premente rumo à integração, espera-se que os estados mais desenvolvidos do bloco, como a África do Sul e o Zimbábue, que hoje prezam mais pelo seu desenvolvimento nacional, decidam voltar a olhar para seus vizinhos, tomando a decisão de crescer junto com o resto da África.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

A África e sua integração regional (1)

Nesses dias de Copa, a atenção do mundo e os holofotes da mídia estão voltados para o continente africano. Os jogos de futebol têm como pano de fundo esta terra sofrida, e muitas são as reportagens televisivas que procuram nos aproximar do povo africano, mostrando-nos um pouco de seu modo de viver, suas tradições, suas cidades, sua busca por um futuro melhor.

O desenvolvimento e o crescimento econômico que a África está tentando alcançar passam também pela integração de suas diversas regiões, os assim chamados “blocos econômicos” que se fortaleceram no mesmo período em que o fenômeno da globalização alastrava-se no mundo inteiro. Na África, há diversos blocos econômicos que geralmente reúnem países geograficamente próximos, ou que foram submetidos, nas décadas passadas, ao domínio de uma mesma potência ocidental. Como a Copa do Mundo ocorre este ano na África do Sul, vamos falar hoje do bloco econômico que reúne os países da África austral, entre os quais está a própria África do Sul. Trata-se da SADC (Southern African Development Community), a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral. As origens da SADC devem ser procuradas em um projeto anterior, chamado Conferência para a Coordenação do Desenvolvimento da África Austral (SADCC), fundada em 1980 por nove estados africanos: Angola, Botsuana, Lesoto, Malaui, Moçambique, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue. Esses novos países uniram-se com o principal objetivo de obter maior autonomia frente à África do Sul, tentando cortar a dependência econômica do país vizinho, detentor da economia mais forte do continente. Com efeito, na época, na África do Sul, sob o governo da minoria branca, reinava uma dura política de segregação racial, o apartheid.

Frente ao fato de os estados vizinhos terem ganhado sua independência sob o governo de presidentes africanos, a África do Sul foi tomando ciência do seu crescente isolamento regional. Como reação a tal situação, tentou semear a desestabilização ao longo de suas fronteiras e se tornou o principal promotor de conflitos nos países vizinhos, especialmente Moçambique, Angola e Zimbábue.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

A Santa Sé e a ONU (parte final)

A Santa Sé respondeu prontamente à provocação, por meio do secretário para as relações com os estados, o arcebispo francês Dominique Mamberti, que explicou qual a razão da participação da Santa Sé na ONU e evidenciou os valores que a Santa Sé procura levar nas discussões da assembleia geral: “Certamente, não é um convite aceitável! Ele nasce talvez de uma compreensão não exata da posição da Santa Sé na comunidade internacional. (...) Por trás do convite a reduzir-se a ONG, além da incompreensão do status jurídico da Santa Sé, há provavelmente também uma visão redutiva de sua missão, que não é setorial ou ligada a interesses particulares, mas universal e compreensiva de todas as dimensões do homem e da humanidade. É por isso que a ação da Santa Sé no âmbito da comunidade internacional é muitas vezes um ‘sinal de contradição’, porque ela não cessa de levar sua voz em defesa da dignidade de cada pessoa e da sacralidade de cada vida humana, sobretudo aquela mais fraca”.

Mesmo podendo ser considerado um estado a todos os efeitos - e a criação do estado da Cidade do Vaticano lhe permitiria isso - a Santa Sé possui peculiaridades que dificultariam sua participação na ONU como membro pleno e que descaracterizariam a sua contribuição e seus objetivos no seio das Nações Unidas.

Em 2002, o Cardeal Tauran, em uma conferência sobre a presença da Santa Sé nas Organizações Internacionais, evidenciou justamente o papel da Santa Sé como promotora de um clima de maior confiança entre os parceiros internacionais e perorando a afirmação de uma nova filosofia, as relações internacionais baseadas numa gradual diminuição das despesas militares; no desarmamento efetivo; no respeito das culturas e das tradições religiosas; na solidariedade com os países pobres, ajudando-os a serem eles mesmos os artífices do próprio desenvolvimento.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

A Santa Sé e a ONU (parte 2)

Tal campanha originou-se após a participação da Santa Sé na conferência internacional do Cairo, em 1994, sobre a população e após a sucessiva Conferência de Pequim sobre a mulher. Nas duas conferências, a Santa Sé recusou de aderir às políticas favoráveis ao aborto e que eram defendidas pela maioria dos países.

Em 2002, quando a Suíça, que mantinha ao lado da Santa Sé o status de observador permanente, tornou-se membro pleno da assembleia geral, a Santa Sé, por meio de seu secretário de estado, o então cardeal Angelo Sodano prospectou a possibilidade de modificar a posição da Santa Sé junto à ONU de observador permanente a membro pleno. Tal possibilidade, porém, foi excluída em 2004, quando, por meio de uma resolução aprovada pela assembleia geral, o status de observador permanente da Santa Sé foi finalmente definido e aprovado pelos seus membros.

A Resolução A/58/L.64 acerca da participação da Santa Sé aos trabalhos da ONU foi aprovada por unanimidade pelos membros da assembleia geral em 1º de julho de 2004. Apesar da campanha de 1995, que visava expulsar a Santa Sé da ONU ou, ao menos, reduzir sua participação na ONU a status de Organização Não Governamental, tal resolução reconheceu, de fato, a validade da participação da Santa Sé nos trabalhos da ONU, incrementando as possibilidades de intervenção da Santa Sé.

No texto, justifica-se tal resolução em ordem a diferentes fatores, tais como: a participação da Santa Sé como observador permanente, desde 1964; a participação da Santa Sé em diversos organismos internacionais; o reconhecimento do status jurídico internacional de diversas convenções internacionais; a contribuição financeira da Santa Sé às despesas gerais de administração das Nações Unidas.

Em 2007, um artigo dedicado à diplomacia pontifícia, da revista inglesa The Economist retomou as criticas da campanha “See Change” a respeito da participação da Santa Sé. Na conclusão do artigo, o autor aconselhava a Santa Sé “a renunciar ao seu especial status diplomático e a se definir para aquilo que era, a maior organização não governamental do mundo, assim como Médicos Sem Fronteiras e outras ONGs”.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

A Santa Sé e a ONU (parte 1)

Em 1957, a Santa Sé ingressou na Organização das Nações Unidas com o status de observadora. Isso foi possível porque, desde 1929, ano de sua fundação, o estado da Cidade do Vaticano participava como membro pleno de organizações internacionais como a União Postal Internacional e a União Internacional das Telecomunicações. Em 1964, a Santa Sé ganhou o status de observador permanente, que lhe permitiu uma mais ampla participação nas discussões da assembleia geral da ONU.

Em 1965, o papa Paulo 6º aceitou o convite do então secretário geral U Thant a fazer uma visita à ONU, durante sua viagem aos Estados Unidos. Pela primeira vez, o papa dirigiu-se aos membros da assembleia geral da ONU. Na época, não eram muitos os estados que mantinham relações diplomáticas com a Santa Sé. Quando da eleição de Paulo 6º, em 1963, tais países eram apenas 46.

A partir de 1964, então, a Santa Sé foi convidada pelo secretário geral da ONU a participar de todas as reuniões de sua assembleia geral, com o status de observador permanente. Contudo, desde os primórdios das Nações Unidas à modalidade de participação da Santa Sé foi objeto de discussão por parte dos outros participantes. A possibilidade da Santa Sé tornar-se membro pleno da assembleia geral suscitou sempre numerosos conflitos. Em 1944, a proposta apresentada pelos Estados Unidos de tornar a Santa Sé membro permanente da assembleia geral foi vetada não apenas pela União Soviética, mas também pela resistência de grupos protestantes americanos que recusavam a possibilidade de a igreja católica participar plenamente da máxima Organização Internacional.

Em 1995, as modalidades de participação da Santa Sé na ONU foram colocadas de novo em discussão por parte de uma organização americana que, agindo em nome de vários países, lançou uma campanha, conhecida pelo nome de “See Change” (Muda de Sede) que visava expulsar a Santa Sé da ONU. As teorias que sustentavam tais objetivos fundamentavam-se na convicção de que a igreja católica era a única religião que participava da ONU como observador permanente, com privilégios que a assimilavam aos estados e que isso representava uma anomalia que fomentaria contrastes no seio dessa Organização mundial. Além disso, segundo tais teorias, não era justo que a Santa Sé aproveitasse de um status jurídico internacional que não lhe competia, para defender os próprios interesses, a saber, lutar contra o aborto e a eutanásia.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

O mundo menos violento e o retorno da paz

Semana passada, li um artigo muito interessante de Alberto Barlocci na revista Cidade Nova. O título era: “O mundo está menos violento”. O artigo desenvolve-se em torno do livro de um sociólogo italiano, Pino Arlacchi, que é professor de Sociologia na Universidade de Sassari (Itália) e parlamentar da União Européia. De 1997 a 2002, foi vice-secretário da Organização das Nações Unidas. Autor de vários livros sobre a máfia, Arlacchi lançou recentemente um livro intitulado “O engano e o medo”, (em italiano L’inganno e la paura: il mito del grande caos).

Na introdução do livro, lemos um trecho significativo que explica a ideia ao redor da qual se desenvolve o livro: estamos sendo enganados, não é verdade que o mundo está se tornando sempre mais violento, é o contrário. Eis como Arlacchi introduz sua hipótese: “O grande engano é produzido pela mídia, pelos governos, pelos aparados militares e de segurança, predominantemente americanos. Ele produz continuamente uma das emoções mais poderosas: o medo. Uma sensação de angústia, que acabou por envolver quase toda crônica, toda informação e avaliação sobre os fatos de mundo. Mas, ao mesmo tempo, é uma emoção artificial, gratuita, que corresponde pouco ao que efetivamente ocorre.

A produção do pânico implica difusão das mentiras que possuem o objetivo de nos colocar na defensiva e de nos fazer sentir muito mais frágeis de quanto somos realmente. O grande engano é uma operação reacionária, que constrói monstros onde existem apenas alteridades desconfortáveis e inventa perigos mortais onde agem apenas processos de mudança que subvertem velhos equilíbrios”.

Para fundamentar essa hipótese, o artigo mencionado no início evidencia alguns dados interessantes encontrados no livro de Arlacchi. Com o fim da Guerra Fria, os conflitos no mundo diminuíram em torno de 60%. O ano de 2007 foi o ano de menor incidência de guerras desde 1950; a partir de 2003, os conflitos armados entre países desapareceram, com exceção da invasão do Iraque; entre 1981 e 2004, as crises internacionais, que costumam ser fontes de guerras, diminuíram em torno de 70%; entre 1992 e 2007, 92,5% dos conflitos foram resolvidos com a negociação e o recuso da guerra foi utilizado em 7,5% dos casos; a partir do início dos anos de 1990, também diminuiu o número de guerras civis.

Reduziram-se, também, os golpes de Estado: em 1993, foram 23; em 2004, foram dez; e em 2005, apenas três. Entre 2007 e 2009 houve um único golpe de Estado, o de Honduras. Arlacchi dedica um capítulo do seu livro ao atual tema do terrorismo. Aqui também ele demonstra o contrário de quanto nos é comunicado pela mídia. Por exemplo, ele demonstra que a afirmação que o terrorismo seria uma forma de agredir o Ocidente não é comprovada pelos números, pois dos 14.041 ataques terroristas ocorridos entre 2004 e 2007, apenas 3,2% foram registrados na Europa, e 0,1% nos Estados Unidos. Apenas 330 atentados, dos 15.035 ocorridos no Oriente Médio e no Golfo Pérsico, no mesmo período, tiveram como alvo cidadãos europeus.

Segundo o artigo que analisa o livro de Arlacchi, tais dados levam a uma ideia diferente daquela que geralmente a opinião pública internacional tende a sublinhar, a saber, que o terrorismo é uma ameaça para todo mundo. Segundo o autor, ao contrário, o terrorismo tem sido usado, como método para resolver problemas internos na área islâmica. Mas a difusão de tais informações não ajudaria o governo americano a manter o clima de medo instaurado após o11 de setembro.

Da mesma forma, Arlacchi fala sobre os índices de criminalidade que diminuíram no mundo todo. Na Itália, por exemplo, em 2001, os homicídios diminuíram pela metade em relação a 1991, e, em 2006, os homicídios diminuíram de um terço respeito a 2001. Na União Européia também houve uma redução em 30% dos atos criminosos. Arlacchi vê na democracia e no progresso o caminho para a diminuição progressiva da violência. Naturalmente, como ele afirma em outras páginas do livro, “a crítica do grande engano não desemboca em nenhuma visão do ‘fim da história’, mas na proposta de algumas ideias que circulam há dois séculos: um Parlamento e um Governo mundiais, a proibição legal da guerra, o desarmamento”.

Arlacchi, no seu livro, quer derrubar a ideia de que a violência e a guerra estão tendo a melhor e se faz promotor da paz, “invenção recente” visto que, segundo o autor, somente após Kant a paz tornou-se, aos olhos da comunidade internacional, um objeto digno de atenção.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Turquia – candidata perene à União Europeia

O debate sobre a aceitação ou menos da Turquia como membro pleno da União Europeia teve início logo após a constituição da Comunidade Econômica Europeia, criada com o Tratado de Roma, em 1957. Com efeito, no mesmo ano, a Turquia manifestou seu interesse em ingressar na nova comunidade.

Para conhecer melhor a história desse país e entender as razões que dificultam a integração da Turquia no espaço europeu, ocorre voltar um pouco no tempo, no momento da proclamação da república da Turquia, que surgiu sobre as ruínas do antigo Império Otomano. Nas últimas décadas do século XIX, o Império otomano reduzira-se a um estado semi-colonial onde as potências estrangeiras gozavam de numerosas áreas de extraterritorialidade e isenção de impostos.

Além disso, as nações estrangeiras protegiam os cristãos otomanos que puderam, dessa forma, ter acesso à educação europeia e progressivamente tomaram conta dos setores estratégicos da economia turca. A nova república, fundada em 1923 por uma revolução modernizadora liderada por Mustafá Kemal Ataturk (Ataturk significa pai dos turcos), mudou o rumo do país, instituindo um regime laico, com o apoio dos militares e procurando criar uma burguesia nacional nas mãos dos muçulmanos até então discriminados. A maioria dos cristãos fugiu para a Grécia.

Após a crise mundial de 1929, o estado turco optou por uma política oficial chamada “estatism”, através da qual a econômica seria controlada quase que exclusivamente pelo estado. No período que seguiu à Segunda Guerra Mundial, o primeiro-ministro Ismet Inonu, sob pressão anglo-americana e contra a vontade do partido, introduziu no país o sistema multipartidário, apoiando os grupos de reformadores moderados que solicitavam uma liberalização da economia nacional, presa até então ao modelo soviético.

Tal inversão de política pública obedecia a motivos essencialmente pragmáticos. Para se defender do expansionismo da URSS, a Turquia procurou a proteção dos Estados Unidos que, em 1947, lançava a Doutrina Truman com o intuito de conter a expansão soviética. A partir daquele ano, a Turquia tornou-se parte integrante do bloco ocidental. Foi um dos primeiros países a enviar tropas de auxílio aos Estados Unidos na Guerra da Coréia, em 1950.

Em 1952, a Turquia tornou-se membro da OTAN. Sob sugestão dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, procurou formar redes de cooperação com os países do Oriente Médio, por meio do pacto de Bagdá, assinado pelo Reino Unido, Paquistão, Irã, Iraque e Turquia e, em seguida, por meio da Organização do Tratado Central, junto com os Estados Unidos, Irã e Paquistão. A tentativa de cooperação regional não teve sucesso, sobretudo pelo surgimento e rápida difusão do movimento socialista árabe, liderado pelo presidente egípcio Nasser.

A Turquia passou a ser percebida, pelos seus vizinhos árabes, como um fantoche nas mãos das potências ocidentais. Para fugir desse isolamento, o país apresentou à nascente Comunidade Econômica Europeia o pedido de integração como novo membro. A Europa demonstrou interesse e apoiou tal pedido, pois a Turquia era considerada um país estrategicamente importante pela sua localização às portas do Oriente Médio, sobretudo, no âmbito da defesa e da estabilidade regional.

Até 1974, a Turquia e CEE mantiveram ótimas relações. A Turquia fazia questão de se apresentar como uma democracia liberal, com uma economia ascendente, tentando, com isso, preencher os pré-requisitos dos candidatos à CEE. Além disso, o país tornou-se o principal fornecedor de trabalhadores imigrados para a Europa ocidental, sobretudo para a Alemanha. Desde 1974, novos acontecimentos esfriaram as relações com a Europa. A invasão turca da ilha de Chipre foi um dos fatores predominantes desse distanciamento, assim como o golpe militar, em 1980, que tentou barrar os projetos democráticos turcos.

Com o fim da Guerra Fria e o desmantelamento dos governos comunistas no Leste Europeu, a Europa priorizou os novos possíveis candidatos ao bloco europeu, em detrimento de suas relações com a Turquia, que já não representava mais o mesmo valor estratégico do período da Guerra Fria.

Atualmente, a adesão da Turquia à União Europeia permanece assunto de debate entre os governos europeus. Não se pode esquecer que a Turquia desempenha ainda um papel importante na área do Mediterrâneo e no Oriente Médio, pois 97% de seu território estão localizados na Ásia. De outro lado, o ingresso da Turquia, de maioria muçulmana, desperta em alguns governos europeus a ideia de abandono definitivo de uma Europa culturalmente homogênea e com as mesmas raízes religiosas, mesmo se, desde sua fundação, a república laica da Turquia optou claramente pela separação entre Igreja e Estado.

A opinião pública turca encontra-se igualmente dividida entre os grupos que consideram a perspectiva de ingresso do país na União Europeia como um forte estímulo ao crescimento econômico e social do país, e o grupo dos radicais islâmicos que desejaria retomar o projeto de um mercado comum na região do Oriente Médio.

Há, portanto, muitos elementos em jogo que devem ser considerados em relação à aceitação da Turquia como membro pleno da União Europeia, e que certamente atrasarão ainda por algum tempo a solução de tal impasse.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

O futuro das relações entre a Polônia e a Rússia (conclusão)

Para o professor Pomianowski, o incidente aéreo de Smolensk é mais que um evento dramático, é também o resultado da diferença de opinião no campo político do grupo ligado ao falecido presidente Kaczynski e o primeiro-ministro Donald Tusk. De fato, o presidente polonês, justamente pelas dificuldades de relação com as autoridades russas, recusou-se de participar da comemoração junto ao primeiro-ministro Putin e o primeiro-ministro Donald Tusk, preferindo comemorar o massacre com uma delegação separada constituída apenas de poloneses. Quanto ao futuro das relações entre os dois países, segundo o professor Pomianowski, o primeiro-ministro Donald Tusk está perseguindo uma política feita de pequenos passos rumo a uma normalização das relações entre a Polônia e seu poderoso vizinho russo.

Após a derrota do candidato pró-ocidental na Ucrânia, a Polônia considerou necessário encontrar uma língua política comum compreensível pela Rússia e pela Polônia, decisão que levou o país a aceitar algum tipo de compromisso como a aprovação do acordo entre a PCNig (companhia energética estatal polonesa) e a companhia russa Gazprom, que obrigaria a Polônia a importar gás e petróleo apenas da Rússia até 2037. Segundo o prof. Pomianowski, tal compromisso contraria o estatuto da União Europeia, da qual a Polônia é membro, que requer que cada integrante importe matérias primas estratégicas de um único fornecedor por no máximo 33%. Comentando o acordo russo-polonês, o pesquisador Pomianowski afirmou: “Os canhões foram substituídos pelo gás e por matérias-primas estratégicas que são atualmente um instrumento de pressão muito mais importante que as ações bélicas”.

Apesar disso, o professor Pomianowski se diz otimista quanto ao futuro das relações entre os dois países. A Comissão mista na qual trabalha está tentando remover obstáculos históricos e políticos que impediram até então uma aproximação dos dois países, e o reconhecimento, por parte do primeiro-ministro russo, de suas responsabilidades nacionais pelo massacre de Katyn, sem dúvida ajudará muito em tal processo de aproximação binacional.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

O futuro das relações entre a Polônia e a Rússia (1)

A morte do presidente polonês Lech Kaczinsky e de sua esposa, Maria, em um acidente aéreo que provocou também o falecimento de várias personalidades políticas, militares e religiosas do país, provocou sentimentos de desespero e perda entre os cidadãos poloneses. As eleições presidenciais, previstas para outubro, deverão ser antecipadas para o fim de junho. Segundo as palavras do primeiro-ministro Donald Tusk: “É o evento mais trágico na história da Polônia no pós-guerra”.

Paradoxalmente, a tragédia ocorreu justamente quando o povo polonês comemorava o 70º aniversário do massacre de Katyn, localidade próxima à cidade de Smolensk, na Rússia. Neste local, entre o dia 3 de março e 19 de abril de 1940, foram executados quase 22 mil poloneses. Entre eles, apenas oito mil eram prisioneiros militares, o restante era constituído de civis. Por muitos anos, os soldados nazistas foram acusados pela Rússia do massacre, até que, pouco tempo atrás, a abertura de arquivos secretos demonstrou que quem ordenou a barbárie foi o próprio Stalin.

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, as relações da Polônia com a Rússia foram compreensivelmente marcadas por ressentimentos, resistindo às tentativas de reaproximação da vizinha Rússia. No entanto, uma “comissão mista russo-polonesa para as questões difíceis” foi instituída com o propósito de avançar no entendimento das relações entre os dois países. Nesse sentido, um primeiro sinal positivo de melhoria foi dado no dia 7 de abril, quando o primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, e o primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, encontraram-se lado a lado, na floresta de Katyn, para recordarem a morte de milhares de poloneses pelas mãos de soviéticos.

Segundo o professor polonês Jerzy Pomianowski, membro da comissão mista russo-polonesa, e profundo conhecedor das relações entre os dois países, a presença de Putin no lugar do massacre foi positiva. Para Pomianowski, entrevistado por um jornal italiano (Il Sole 24 ore) logo após a tragédia, “esse fato finalmente expôs aos olhos de todo o povo russo um episódio que até então era quase que desconhecido”. O professor lembrou que, segundo uma recente pesquisa russa, apenas 18% da população do país sabia o que tinha ocorrido em Katyn e que os culpados disso eram os soviéticos.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

A origem do conflito entre israelenses e palestinos (conclusão)

Em 1939, a Grã-Bretanha aprovou no Livro Branco a restrição da imigração dos judeus na Palestina, com o objetivo de limitar a crise da região e evitar novas revoltas. Tal decisão, porém, provocou a rebelião dos judeus, que reforçaram suas organizações de extrema-direita com a criação de núcleos como a Irgun (Organização Militar Nacional) e o Lehi (Combatentes pela Liberdade de Israel).

Em 1947, a Grã-Bretanha dirigiu-se à ONU para apresentar a questão palestina. As Nações Unidas prepararam um plano de partilha segundo o qual o território palestino deveria abrigar no seu espaço um estado judeu e um estado árabe-palestino. No entanto, atos de terrorismo entre os dois povos sucediam-se em ritmo incessante, sobretudo após o massacre de 1948 dos camponeses palestinos em Deir Yassin, onde morreram 254 civis palestinos. Tais execuções por parte de grupos paramilitares israelenses objetivavam expulsar maciçamente os palestinos, forçando-os a deixarem suas terras que passavam a ser ocupadas pelos judeus que chegavam de toda a Europa.

O Plano de Partilha da ONU foi votado com 33 votos a favor (entre eles EUA, URSS e os países da América, Europa e Oceania), 13 votos contra (países do Oriente Médio e Ásia) e dez abstenções (entre as quais estava a Grã-Bretanha). O Mandato Britânico extinguiu-se. O estado judeu receberia 14 mil quilômetros quadrados e o Estado palestino 11 mil, situando-se entre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. O norte de Israel deveria ser dividido entre os dois. A cidade de Jerusalém ficaria sob administração internacional, por ser considerada como lugar sagrado pelos cristãos, judeus e muçulmanos.

Os judeus aceitaram o plano apresentado pelo brasileiro Osvaldo Aranha, mas os árabes se opuseram à criação de um estado de Israel, argumentando querer proteger os interesses dos palestinos. Em 1948, o mediador da ONU foi assassinado em Jerusalém por sionistas. Os britânicos deixaram definitivamente o território palestino. Os judeus proclamaram dia 14 de maio de 1948 o estado de Israel. No dia seguinte, as forças da Liga Árabe entraram em guerra contra o novo Estado. Em 1950, cerca de 900 mil palestinos refugiados viviam nos campos organizados pela ONU.

Nota-Este artigo baseia-se no livro de Paulo Fagundes Vizentini. Oriente Médio e Afeganistão. Dois séculos de conflitos. Editora Leitura XXI.

quarta-feira, 31 de março de 2010

A origem do conflito entre israelenses e palestinos (2)

Nessas terras foram instalados, no início do século 20, os primeiros Kibbutz, fazendas coletivas inspiradas em princípios socialistas, mas que eram pensadas também como áreas organizadas militarmente. Para se proteger dos ressentimentos palestinos resultantes da ocupação do território palestino, os judeus mantinham organizações armadas e também grupos terroristas. As hostilidades entre os dois grupos cresciam dia após dia.

Os árabes eram excluídos dos trabalhos e das atividades organizadas pelos judeus. A chegada em massa dos judeus na Palestina criou um forte desequilíbrio demográfico na região. Apresentamos alguns números para entender o vertiginoso crescimento da população dos judeus na Palestina: no fim da 1ª Guerra Mundial, os habitantes da Palestina eram formados por 515 mil muçulmanos, 60 mil cristãos, 60 mil judeus e 5 mil de outras religiões. Em 1939, os judeus na Palestina já chegavam a 400 mil.

A delicada situação existente entre judeus e palestinos foi agravada por negociações contraditórias entre países europeus, principalmente França e Inglaterra. Entre as principais negociações, Vizentini lembra o acordo Sykes-Picot, concluído em maio de 1916, durante a 1ª Guerra Mundial, que colocava a Palestina sob controle internacional, e a Declaração Balfour, de 1917, com a qual o governo britânico empenhava-se em estabelecer no território palestino um lar para o povo judeu.

No início dos anos de 1920, portanto, a Palestina era objeto de planos diferentes: um desses planos surgiu do acordo anglo-francês que queria deixar a Palestina sob proteção inglesa, outro era o plano dos árabes que desejavam a independência da Palestina, e o terceiro fundava-se no sonho dos judeus em criar seu novo estado na região.

De1919 a 1929, a Grã-Bretanha impôs sua influência na Palestina, por meio do Mandato Britânico, sob comando de um cidadão inglês de origem judaica. Dessa forma, a Palestina começou a ser contendida por três forças: os ingleses; os judeus sionistas - que se apressaram, por meio da criação de organizações próprias como a Organização Sionista Mundial, da Agência Judaica, dentre outras, a constituírem quase que um estado judaico -; e os árabes, que se organizaram no Conselho Supremo Muçulmano e no Partido Palestino Árabe Nacional.

Após o surgimento do nazismo na Alemanha, as emigrações do povo judeu rumo à Palestina aumentaram vertiginosamente, gerando ainda maiores tensões entre os árabes da região. Com a tragédia do Holocausto, a ideia de criar um estado próprio para o povo judeu se fez ainda mais urgente e relevante. Nesse período, o governo britânico não podia mais conter o fluxo de imigrantes judeus que chegava ao país de forma clandestina. A população árabe, que já organizara a revolta contra a dominação inglesa, começou a se organizar contra a presença judaica, o que provocou a Revolta Árabe de1936. Esta, porém, foi derrotada pelos ingleses, militarmente superiores. Em três anos de conflito, mais de cinco mil árabes morreram.

Nota-Este artigo baseia-se no livro de Paulo Fagundes Vizentini. Oriente Médio e Afeganistão. Dois séculos de conflitos. Editora Leitura XXI.

quarta-feira, 24 de março de 2010

A origem do conflito entre israelenses e palestinos (1)

É comum lermos nos jornais ou escutarmos na TV que uma das causas da guerra entre israelenses e palestinos é o ódio milenar existente entre esses dois povos. Segundo o historiador Paulo Vizentini, tal afirmação não é verídica, pois, no passado, judeus e palestinos viveram por séculos em relativa harmonia.

O conflito só começou na passagem do século 19 ao 20, quando os judeus começaram a ser perseguidos na Europa Oriental sofrendo Progroms (massacres), sobretudo na Rússia czarista. Para se defender dos contínuos ataques e dos sentimentos de anti-semitismo que estavam se difundindo, os judeus criaram o sionismo, um movimento político que defendia o direito por parte dos judeus de constituir uma nação na terra de origem.

Em 1896, sai a obra de Theodor Herlz, O Estado Judeu, enquanto no ano seguinte realizou-se o 1º Congresso Sionista, na Suíça. Outra iniciativa importante do movimento sionista foi a fundação da Universidade Hebraica na Palestina. Tomou forma, portanto, todo um movimento de incitação ao retorno dos judeus na terra deixada séculos antes, em contraposição ao crescimento do anti-semitismo que da Europa Oriental passou a se difundir até na esclarecida França.

No final do século 19, começou, portanto, um fluxo de migrações moderado de judeus para a região da Palestina. Tal fluxo aumentou após a Primeira Guerra Mundial, com as grandes mudanças de então, entre as quais se destaca a Revolução Russa de 1917.
Para facilitar o enraizamento dos imigrantes na Palestina, a Agência Judaica começou a adquirir terras, sobretudo de proprietários que viviam distantes, o que resultou na obrigação para os camponeses de abandonar as terras onde trabalhavam.

Nota-Este artigo baseia-se no livro de Paulo Fagundes Vizentini. Oriente Médio e Afeganistão. Dois séculos de conflitos. Editora Leitura XXI.

quarta-feira, 17 de março de 2010

A origem da diáspora judaica

Semana passada, recebi e-mail de um estudante de relações internacionais pedindo que eu indicasse algum livro que o ajudasse a compreender a origem e as razões do conflito entre Israel e Palestina. Justamente naqueles dias, estava lendo um livro muito interessante sobre o tema, do professor Paulo Fagundes Visentini, intitulado Oriente Médio e Afeganistão, um século de conflitos, da Editora Leitura XXI. O autor aborda o tema do conflito partindo da Primeira Guerra Mundial, onde situa o início da questão judaica. Em seguida, explica o desenrolar dos acontecimentos que levaram à proclamação do Estado de Israel, em 1948.

Uma pergunta me veio em mente: quando foi e por que os judeus deixaram sua terra se espalhando pelo mundo? Onde começa a assim chamada diáspora judaica? Para responder a essa pergunta, comecei a ler algumas versões resumidas da história do povo de Israel. O Antigo Testamento relata as etapas mais conhecidas da história dos judeus. De Abraão e Sara nasceu Isaac. Isaac casou com Rebeca, e eles tiveram dois filhos: Esaú e Jacó, que será chamado também de Israel. Os seus descendentes foram, portanto, chamados de israelitas. O povo de Israel, por causa de uma situação de carestia, foi para o Egito, onde passou 400 anos. Lá, feitos escravos pelo faraó, foram libertados por Moisés e levados para a Terra Prometida. A história desse povo não é certamente uma história pacífica.

Os israelitas tiveram que se defender constantemente dos ataques de povos vizinhos, antes de tudo dos filisteus, seus inimigos tradicionais. Em 1029 a.C., o profeta Samuel, a pedido do povo, escolheu um rei que deveria garantir a unidade do povo de Israel. O escolhido foi o jovem Saul. Nasceu assim a primeira monarquia da história. Seu sucessor, Davi, expandiu o território de Israel e conquistou a cidade de Jerusalém. O território de Israel atingiu seu apogeu sob o reinado de Davi. Em seguida, porém, o reino foi dividido em duas partes, o reino do Norte, também chamado Reino de Israel e o Reino do Sul, ou Reino de Judá, com capital em Jerusalém. Em 586 a.C., a cidade de Jerusalém foi invadida pelo rei de Babilônia, Nabucodonosor, os israelitas foram obrigados a sair de sua terra e forçados a viver por cerca de 50 anos na Babilônia.

Foi nesse período que os anciãos do povo de Israel, para evitar o perigo de extinção total do povo hebreu, decidiram fundar sinagogas e escolas para o estudo sistemático dos livros sagrados da Torá. O reino de Judá foi objeto de invasão de muitos povos: assírios, persas, gregos e romanos. Em 63 a.C., os romanos transformaram a Judeia em província romana. No primeiro século d.C., as lutas entre judeus de várias facções e romanos se intensificaram.

Uma grande revolta judaica começou em 66 d.C. e terminou com o massacre da fortaleza de Massada, em 70 d.C., onde cerca de 900 judeus tentaram resistir ao cerco romano até esgotarem suas forças. A cidade de Jerusalém foi destruída pelos romanos, que escravizaram mais de cinco mil judeus. Uma nova revolta dos judeus foi definitivamente derrotada pelos romanos em 135 d.C. Sobre as ruínas do Templo de Jerusalém, os romanos construíram um templo dedicado ao deus Zeus, proibindo a todos os hebreus o acesso à cidade de Jerusalém.

No mesmo período, segundo a professora Maria Luisa Moscati Benigni, especialista no estudo de comunidades judaicas, para cortar toda ligação com o passado, o nome do território judaico foi mudado para Palestina pelos romanos, o que resultou em uma ofensa para os judeus, porque o nome Palestina derivava da Phalestina, que significa terra dos filisteus, tradicionais inimigos de Israel. Os hebreus expulsos reuniram-se em comunidades ao longo da costa do Mediterrâneo, espalhando-se, depois, pela Europa. Do século 8 até o ano mil, as comunidades judaicas viveram um período próspero e relativamente pacífico.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Costa Rica, o país mais feliz do mundo e sua nova presidente

Após 189 anos de governo masculino, a Costa Rica agora é governada por uma mulher. Contudo, a vitória de Laura Chinchilla Miranda, do Partido Liberação Nacional (PLN), não foi surpresa para o povo da Costa Rica. Sua vitória foi favorecida por muitos elementos, tais como o apoio do presidente Óscar Rafael de Jesús Arias Sánchez, em cujo governo Chinchilla trabalhou como vice e como Ministro da Justiça, a alta percentagem de mulheres (58% do total dos eleitores) favoráveis à sua eleição e, sobretudo, a ausência de fortes candidatos na oposição.

Ela derrotou Ottón Solis, fundador do Partido da Ação Cidadã (PAC), que ficou em segundo lugar, com 25% dos votos. Ottón foi ministro do Planejamento e Políticas Econômicas no governo Arias de 1986 a 1988, e já foi derrotado duas vezes nas eleições presidenciais, em 2002 e em 2006. O candidato que chegou em terceiro lugar na corrida presidencial foi Otto Guevara, fundador do Movimento Libertário (ML). O judeu Luis Fishman Zonzinski, último colocado, que recebeu apenas 3,8% dos votos, foi vice-presidente e Ministro da Saúde, representando o Partido de Unidade Social Cristã (Pucs).

O Pucs, de tendência liberal, foi fundado em 1983 pela confluência de forças conservadoras em oposição ao Partido Liberação Nacional e governou o país entre 1990 e 2006, marcando a virada liberalista do país. Em 2006, quando o Presidente Arias retornou ao poder, o Pucs perdeu força e o sistema bipartidário que caracterizou a vida política da Costa Rica por décadas desmoronou, deixando espaço para os novos partidos PAC e ML.

Costa Rica é considerada como a democracia mais estável da América Latina. Em 1987, o presidente Arias recebeu o prêmio Nobel da Paz pela contribuição dada à mediação nos conflitos da América Central durante seu primeiro mandado (1986-1990). Foi o primeiro presidente a ser eleito por duas vezes (em 1986 e em 2006) seguindo o exemplo do líder revolucionário José “Pepe” Figueres Ferrer, que governou o país por três vezes (1948-49; 1953-58; 1970-1974) e que fundou, em 1951, o Partido Liberação Nacional (PLN). O lendário libertador nacional aboliu o exército em 1949, apesar de ser um guerrilheiro.

O Partido Liberação Nacional, de inspiração social democrata, aderente à Internacional Socialista, transformou o país, que é conhecido como a “Suíça da América Latina”. Apelido justificado pelo alto nível do sistema de saúde e do sistema escolar, como também pela expectativa de vida (78,5 anos). Melhores até da vizinha Cuba que não se cansa de fazer propaganda dos seus ótimos hospitais e escolas. A propósito dessa comparação, parece que o slogan preferido do povo da Costa Rica seja: “Preferimos ter mestres e não soldados”. Também na salvaguarda do meio-ambiente, o país destaca-se pelos resultados.

Nesse ano de 2010, a Costa Rica foi classificada em tal âmbito como terceiro entre 163 países, tendo aumentado as próprias florestas de 20%, dos anos oitenta, para mais da metade do território nacional. Em 2021 será o primeiro país no mundo a ter impacto zero na emissão de gás carbônico.

É natural, mesmo se talvez não seja justa, a comparação entre esse país, que foi considerado recentemente como o mais feliz do mundo, e a não distante ilha do Haiti, o país mais pobre da América Central, o país mais triste e que necessita urgentemente de ajuda internacional.

Permanece a esperança que um pouco da felicidade da Costa Rica encontre lugar entre os vizinhos do Haiti.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Toussaint Louverture – o herói da independência haitiana (fim)

Segundo o cientista político Antonio Maria Baggio, Toussaint possuía uma história diferente dos outros escravos. Desde pequeno, ele não conheceu a vida de pancadas e perseguições, comum aos outros escravos. Cresceu junto à plantação Breda e foi destinado sempre a serviços que o faziam conviver com os donos da plantação. Ganhou sua confiança e pôde, dessa forma, aprender noções preciosas para sua futura missão.

Outro elemento destacado por Baggio é que sua educação aconteceu em um ambiente cristão. Foi um padre que lhe ensinou a ler e escrever. Toussaint frequentava a igreja, ajudava na missa, estava, portanto, acostumado a escutar a mensagem evangélica. A ideia fundamental que retirou dessas leituras era a da fraternidade, da igualdade: todo o homem é feito à imagem de Deus e ele é irmão de todos os outros.

Tal ideia - segundo o cientista italiano - permeou toda ação revolucionária de Toussaint. Exemplo disso foi o apelo, lançado em 20 de agosto de 1793, por Toussaint Louverture. Ele dirigiu-se assim aos escravos das plantações do norte do Haiti: “Irmãos e amigos, meu nome é Toussaint Louverture, que talvez vocês já conheçam. Quero que a liberdade e igualdade reinem em Santo Domingo, trabalho para que elas existam. Unam-se a nós e combatam conosco pela mesma causa”.

Com essa mensagem, Toussaint procurava unir todos os escravos haitianos, formar um povo só. Os escravos provinham de lugares diferentes da África. Tinham, com certeza, tradições culturais diferentes, não existia a nação haitiana. Por isso, é importante evidenciar a palavra usada por Toussaint para se dirigir aos escravos. Ele os chama de “irmãos”.

Comentando essa mensagem, o professor Baggio escreveu: “Toussaint os chama de irmãos para fazer deles um povo. A fraternidade tem uma nítida leitura política. Ela muitas vezes desempenha um papel importante no alvorecer dos estados, quando a liberdade e a igualdade ainda não existem. Quando um estado é invadido por colonizadores e por estrangeiros, quando está sob uma ditadura, e a liberdade e a igualdade não existem, é preciso conquistá-las a partir da fraternidade, porque os combatentes estão prontos a dar a vida um pelo outro e não medem sacrifícios.

Portanto, é uma fraternidade que funda os estados; mesmo que, depois, ao atingir a condição de normalidade e de ser estabelecida uma ordem institucional e legal, frequentemente seja esquecida. É quando também a liberdade e a igualdade podem entrar em crise, porque não mais se vivem com a fraternidade, que foi sua origem e seu fundamento”.

A mensagem de Toussaint, mesmo a escravidão tendo sido abolida e a independência alcançada, permanece incrivelmente atual. O apelo de Toussaint deveria ainda hoje ressoar nas ruas do Haiti como uma chamada à fraternidade, à igualdade e a liberdade. Elementos fundamentais para a reconstituição de um novo Haiti.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Toussaint Louverture – o herói da independência haitiana (1)

Há semanas, seguimos com o coração apertado as vicissitudes do Haiti, alegrando-nos com cada sobrevivente encontrado, compartilhando a dor pelo aumento das mortes e frustrando-nos pela impressionante dificuldade que as equipes internacionais encontram para distribuir as ajudas provenientes do mundo todo. O caos impera e a esperança de reconstrução desse país, já devastado antes do terremoto, aparece como uma pequena chama muito fácil de ser apagada.

Observando as reportagens diárias sobre esse pequeno país, porém, evidencia-se, além do sofrimento, a resistência extraordinária desse povo que há décadas enfrenta desemprego, corrupção por parte de governos ditatoriais, ausência dos pressupostos básicos para o funcionamento de um estado. O Haiti, país mais pobre do continente americano, pode ser classificado, segundo os parâmetros de classificação dos estados, como um quase-estado.

Contudo, esse quase-estado possui na sua história um herói, quase desconhecido, que se tornou um modelo para o movimento anti-colonialista da América Latina. Seu nome é Toussaint Louverture.

Líder da revolução haitiana, que começou em 1791, Toussaint lutou junto com os escravos negros do Haiti contra a dominação francesa por 14 anos, alcançando a independência em 1804. Foi a primeira república negra. Um caso atípico na história. Sua divulgação histórica foi considerada inconveniente pelo ocidente, por óbvias razões. Mas essa omissão não conseguiu evitar que o nome de Toussaint Louverture se tornasse referência para muitos países que desejavam a libertação da dominação estrangeira.

Já seu nome, é um programa. Toussaint adoutou em 1793 o nome Louverture, do francês l’ouverture que significa abertura, a abertura de um novo caminho, o da libertação, da independência.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Matteo Ricci, os jesuítas e a questão dos ritos (fim)

Em Nanquim, Mons. Tournon publicou um decreto que renovava a condenação da igreja de Roma contra os ritos chineses, ameaçando todos os missionários que se conformassem às decisões de Kangxi de excomunhão (Decreto de Nanquim). A publicação deste decreto, que retomava as decisões já promulgadas pela Santa Sé em 20 de novembro de 1704, provocou a ira do imperador que convidou Mons. Tournon a se retirar em Cantão e, em seguida, a Macau, onde deveria esperar a volta de dois jesuítas enviados a Roma pelo imperador Kangxi para tentar convencer o papa a revogar a proibição dos ritos.

Em Macau, Mons. Tournon foi preso pelas autoridades portuguesas com a acusação de ter agido junto ao imperador chinês sob a autorização exclusiva de Roma, quando, segundo as leis do padroado de Portugal, qualquer missão diplomática católica deveria ser intermediada pelo governo português.
Trata-se de episódio significativo porque mostra as dificuldades da Santa Sé para estabelecer relações diretas com a China.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Matteo Ricci, os jesuítas e a questão dos ritos (parte 4)

A intransigência de Roma contradisse as instruções que, no mesmo período, exatamente em 1659, Propaganda Fide apresentara a todos os missionários: “Não usem nenhum meio de persuasão para induzir aqueles povos a mudar os seus ritos, os seus hábitos, os seus costumes, ao menos que não estejam abertamente contra a religião e os bons costumes. O que existe, de fato, de mais absurdo do que transplantar na China, a França, a Espanha, a Itália ou qualquer outro país da Europa?

Não é isto que vocês devem introduzir, mas a fé, que não rejeita os ritos e os costumes de nenhum povo, contanto que não sejam maus, mas quer, ao contrário, salvaguardá-los e consolidá-los... Não façam, portanto, comparações entre os usos locais e os usos europeus; procurem com todo vosso empenho acostumar-vos a eles. Admirem e elogiem tudo que merece elogios; se algo não o merece, não devem certamente exaltá-lo como fazem os aduladores, mas devem ter a prudência de não julgá-lo ou ao menos de não condená-lo sem motivo”.

Faltou confiança nas intuições dos missionários jesuítas que tinham experiência direta e conhecimento profundo da cultura chinesa. As decisões pontifícias distanciaram-se da posição da própria Propaganda Fide e resultaram numa derrota da experiência missionária deste período.

O papa Clemente 11 enviou à China Mons. Charles-Thomas Maillard de Tournon. A sua missão era aquela de explicar e fazer respeitar as decisões do Vaticano em relação à Questão dos Ritos. Admitido à corte imperial, em um primeiro momento, o imperador Kangxi acolheu Mons. Tournon com uma certa cortesia, mas, quando teve conhecimento das comunicações de Roma contra os ritos chineses, fez reconduzir Mons.Tournon a Nanquim e ordenou que daquele momento em diante os missionários deveriam providenciar um piao, isto é, uma permissão emitida pelas autoridades civis para se deslocar no interior da China que seria dada somente aos missionários que tivessem declarado de aceitar o ponto de vista do imperador. Caso não quisessem, seriam expulsos do império.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Matteo Ricci, os jesuítas e a questão dos ritos (parte 3)

Alguns missionários, principalmente dominicanos e franciscanos, que evangelizavam com métodos intransigentes, porque culturalmente ligados a modelos europeus, escreveram à Santa Sé comunicando suas opiniões contrárias aos métodos usados por Matteo Ricci e outros jesuítas, afirmando que a fé cristã corria risco, porque os jesuítas estavam permitindo aos católicos chineses de praticar os ritos aos ancestrais.

Estes ritos eram homenagens que os chineses dirigiam aos próprios defuntos. Todos os chineses guardavam nas suas casas tabuinhas com os nomes dos seus defuntos e a eles dirigiam saudações, acendiam incensos, ofereciam frutas, perfumes... As mesmas homenagens eram reservadas a Confúcio. Tudo isso era a manifestação da virtude da “piedade filial” que estava à base da organização familiar e da sociedade civil chinesa.

Um outro ponto de litígio era sobre a escolha da palavra chinesa para a definição de Deus. Três eram as palavras usadas no tempo de Matteo Ricci: Tian Zhu (Senhor do Céu), Shang-di (Senhor Soberano) e Tian (Céu). Esta última denominação foi usada pelo imperador Kangxi em uma inscrição que ele mesmo tinha redigido em grandes ideogramas com o objetivo de doá-la aos Jesuítas. Estes tinham colocado a inscrição na capela de sua casa. A controvérsia era se estas palavras chinesas pudessem ou não expressar a natureza de Deus. Depois de vários estudos por parte de Roma, o uso das denominações Shang-di e Tian foi proibido.

Em 1645, a igreja católica pronunciou-se pela primeira vez contra os ritos aos ancestrais definindo-os como atos supersticiosos, inaceitáveis para quem queria se converter ao catolicismo. Os jesuítas tentaram esclarecer que esses ritos eram um simples e amoroso tributo aos pais e ascendentes defuntos, consequência da virtude da piedade filial ensinada aos chineses por Confúcio e que nada tinham a ver com superstição. Mas ninguém quis escutá-los. Nem um ato oficial do imperador Kangxi, no qual ele afirmava que as honras prestadas a Confúcio e aos ancestrais eram puramente civis, conseguiu convencer Roma a abandonar a sua atitude intolerante.