sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Breves notas sobre a diplomacia pontifícia (parte final)

Conta-se que uma vez, um embaixador da América do Sul junto à Santa Sé, disse ao cardeal Domenico Tardini, na época secretário de estado do papa João 23º: “Estou orgulhoso de servir a primeira diplomacia do mundo”. Recebeu como resposta: “Se nós somos a primeira, tenho realmente dó da segunda”. Essa frase é muitas vezes lembrada para sublinhar o realismo dos integrantes da diplomacia pontifícia, que sabem que a diplomacia da Santa Sé é bem diferente, quanto aos fins e funções, das diplomacias dos estados com os quais ela mantém relações diplomáticas. Jean-Louis Tauran, secretário de estado nos anos 90, durante o pontificado de João Paulo 2º, esclarecia que “um núncio que quisesse desempenhar o papel de diplomata seria logo menosprezado pelos seus confrades. O que se exige antes de tudo de um núncio é que seja padre”.

Uma diplomacia “sui generis”
A diplomacia pontifícia é sem dúvida uma diplomacia “sui generis”, atípica, justamente porque a Santa Sé é um sujeito internacional diferente dos outros atores internacionais. Essa sua posição privilegiada no âmbito internacional é justificada pelo fato de ela ser a suprema autoridade da igreja católica. É significativa a afirmação de Dag Hammarskjold, secretário-geral da ONU, entre 1953 a 1961, que uma vez falando do papa dizia: “Quando peço uma audiência no Vaticano não vou ver o rei da cidade do Vaticano, mas o chefe da igreja católica”.

Envia e recebe
A igreja católica é a única instituição religiosa no mundo que possui o direito de ter relações diplomáticas com outros estados, ela envia seus diplomatas, chamados “núncios apostólicos”, e recebe, por sua vez, embaixadores, do mundo todo.

Na história
Do ponto de vista histórico, compreende-se a diplomacia da Santa Sé como resultado da evolução histórica do papado, ocorrida ao lado das grandes transformações históricas dos séculos passados: do crescimento e queda do império romano e do império do oriente, até o surgimento dos primeiros estados absolutistas que marcou a queda da influência do poder papal sobre os regimes monárquicos. Mesmo após a unificação da Itália, em 1870, que resultou na perda do poder temporal por parte dos papas, a Santa Sé manteve suas relações diplomáticas com numerosas nações europeias.

domingo, 8 de agosto de 2010

Breves notas sobre a diplomacia pontifícia (1)

No dia 13 de novembro de 2009, o papa Bento 16 recebeu, pela primeira vez em Roma, a visita do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. Na ocasião, o estado brasileiro e a Santa Sé assinaram uma convenção esperada e desejada há anos pelo atual núncio apostólico no Brasil, Lorenzo Baldisseri, e pela conferência episcopal brasileira. Por meio deste acordo, a igreja católica no Brasil adquiriu personalidade jurídica, o que lhe permitirá, de agora em diante, melhor desenvolver sua missão apostólica e pastoral no país.

De fato, até então, mesmo podendo desempenhar seu papel em plena liberdade de expressão, a igreja católica no Brasil tinha sua ação amparada apenas em um decreto de 1890, que conferira personalidade jurídica a todas as igrejas existentes naquela época, sem, no entanto, se referir especificadamente à igreja católica.

O acordo contempla, no seu conteúdo, todos os âmbitos de ação desta instituição, regulamentando sua relação com a sociedade e com o próprio estado brasileiro. O convênio internacional assinado entre o Brasil e a Santa Sé configura-se, portanto, como um ato diplomático a todos os efeitos, devido ao reconhecimento internacional da Santa Sé como sujeito soberano de direito internacional.

A igreja católica, por meio da Santa Sé, sua autoridade suprema, é a única organização religiosa a poder contar com uma vasta rede de relações diplomáticas. Sua atuação internacional tornou-se evidente já no período entre as duas guerras mundiais, reforçando sua posição internacional a partir dos anos 60, quando se realizou o Concílio Vaticano 2. Apesar disso, pouco se conhece de sua dinâmica internacional e muitas vezes esse desconhecimento alimenta as fantasias de quem imagina ainda o Vaticano como centro de misteriosos e perigosos complôs internacionais.

A diplomacia pontifícia é a mais antiga diplomacia. Segundo Lebec, “foi ela que inspirou o essencial do direito público internacional moderno, no congresso de Viena”. Por isso, às vezes ela ganha o título de primeira diplomacia do mundo. Conta-se que uma vez, um embaixador da América do Sul junto à Santa Sé, disse ao cardeal Domenico Tardini, na época secretário de estado do papa João 23: “Estou orgulhoso de servir a primeira diplomacia do mundo”. Recebeu como resposta: “Se nós somos a primeira, tenho realmente dó da segunda”.

domingo, 1 de agosto de 2010

A França aprova lei contra a burca (fim)

A pós lembrar esses fatos significativos, o professor Samir atribui essa difusão repentina do uso da burca na Europa à corrente “salafita” que prega o retorno à tradição do primeiro século do Islã. Segundo ele, muitos grupos de ativistas islâmicos pertencentes a essa corrente atraem mulheres europeias muitas vezes por meio de casamentos. Por exemplo, durante uma conferência sobre Islã, na Alemanha, entre os tantos muçulmanos turcos presentes na sala, o professor lembra que foi atacado apenas por três mulheres alemãs convertidas ao Islã.

Na França, segundo ele, o véu integral é vestido apenas por mulheres que nunca o vestiram antes. Por isso, ele afirma, o uso da burca deve ser procurado não nas tradições religiosas, mas dentro de um espírito ideológico que deseja o retorno à tradição cultural da arábia antiga, em oposição ao Ocidente.

Não foi apenas a França que proibiu o uso da burca. A burca também foi proibida na Bélgica, em Barcelona, na Itália. A União Europeia a considera como uma rejeição contra a integração na cultura europeia.

Talvez seja este o núcleo do problema e o objetivo da lei, cujo intuito não é atacar uma cultura de tradição diferente, quanto, ao contrário, pôr limites a tendências extremistas que, ao invés de favorecerem a integração entre povos diferentes, visam minar tal união.

Em 2007, todos os líderes dos países árabes, reunidos na capital do Reino da Arábia Saudita, rejeitaram todo tipo de extremismo como pode se ler na Declaração de Riyadh, resultado daquela reunião. É o contrário daquilo a que se propõe o grupo salafita que, como o professor Samir alertou, prega a rejeição da modernidade.