quarta-feira, 25 de junho de 2008

Tragédia política no Zimbábue

O Zimbábue, localizado no sul da África, está atravessando um dos períodos mais tumultuosos de sua história. Colonizado pelo Reino Unido em 1888, recebeu o nome de Rodésia do Sul, em honra do explorador inglês Cecil Rodhes. Por décadas, o Reino Unido desfrutou o ouro e outros minérios preciosos de seu território. Em 1980, em ocasião da proclamação de sua independência, o país adotou o nome de Zimbabwe ou Zimbábue. Hoje, este país - conhecido no passado como o celeiro da África e grande exportador de tabaco de qualidade -, apresenta a mais alta inflação do planeta, 160.000%, e o maior índice de desemprego, com mais de 80%. Hospitais e escolas não funcionam mais. A população depende inteiramente de ajudas humanitárias. O responsável por tal colapso econômico é o atual ditador Robert Mugabe, que governa o país há 28 anos, ou seja, desde o ano de sua independência. No final do mês de março, a sua ditadura parecia ter chegado à reta final. A vitória da oposição já teria ocorrido no primeiro turno das eleições, em 29 de março, com a perda de Mugabe da maioria no Parlamento em favor do Movimento de Mudança Democrática (MdC), liderado por Morgan Tsvangirai. A vitória do opositor e o fim da ditadura pareciam iminentes. Mas, segundo a oposição, houve fraudes que permitiram o segundo turno. Segundo as fontes governativas, Mugabe obteve 43,2% dos votos e Tsvangirai 47,9%, não alcançando a maioria necessária para a definição no primeiro turno. A oposição afirmou, ao contrário, que Tsvangirai obteve 50, 3% dos votos, vencendo o atual presidente, acusando o governo de fraude na apuração.

Após a divulgação dos resultados eleitorais, a violência tomou conta do país, sobretudo na capital, Harare. O líder do MdC informou que a polícia invadiu a sede do partido prendendo mais de 60 pessoas, entre as quais mulheres e crianças. O próprio Tsvangirai foi preso por três vezes em 10 dias sem acusações fundamentadas. As milícias do governo prenderam também jornalistas ocidentais que se encontravam no país para seguir a campanha eleitoral. Além disso, a oposição acusou o governo de ser responsável pela morte de mais de 90 de seus partidários.

Nesta segunda-feira, dia 23, diante da crescente onda de violência, o líder do Movimento pela Mudança Democrática decidiu renunciar à corrida eleitoral faltando somente quatro dias para o segundo turno. Ele afirmou que as atuais condições do país não permitem eleições livres e regulares, pois o presidente Mugabe declarou guerra à oposição avisando que as balas iriam substituir as cédulas eleitorais. Tsvangirai afirmou não ter a coragem de pedir aos seus eleitores de votar contra o atual governo, pois isso significaria pedir que arriscassem suas vidas.

Após a declaração de renúncia, o líder da oposição pediu refúgio à embaixada holandesa, que o acolheu imediatamente. Da embaixada da Holanda, Tsvangirai lançou um apelo à comunidade internacional para que impeçam as votações do segundo turno previstas para o dia 27 de junho. De fato, o governo - não obstante a renúncia do líder de oposição -, declarou que as eleições vão acontecer mesmo tendo um único candidato. A comunidade internacional respondeu prontamente ao apelo de Tsvangirai. O Conselho de Segurança da ONU, por unanimidade condenou a ditadura de Mugabe pedindo ao governo do país de adiar as eleições marcadas para o dia 27 de junho. Aliás, foi a primeira decisão unânime do Conselho de Segurança da ONU. O debate liderado pelo governo inglês conseguiu vencer as resistências da África dos Sul, da Rússia e da China que recusavam uma linguagem dura demais. O texto foi reescrito mais vezes até chegar à unanimidade. Agora, o ditador octogenário (84 anos!) e o seu entourage militar deverão decidir se enfrentar ou não a oposição de Tsvangirai e de toda a comunidade internacional, unanimemente unida (coisa rara) contra a violência de Mugabe.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Nova crise na União Européia

Há poucos dias uma nova crise abriu-se no processo de integração européia. O povo irlandês, convidado a expressar seu consentimento ou sua oposição à adesão da Irlanda ao Tratado de Lisboa, optou pelo não. Tal recusa representa para a União Européia uma grave freada no processo de revitalização da União Européia no qual estão trabalhando há tempo os 27 Estados-membros. Até agora, já 18 destes Estados ratificaram o Tratado de Lisboa. Entre estes, estão países estratégicos como França, Alemanha, Dinamarca, Polônia, etc. Este Tratado, que foi assinado pelos Chefes de Governos de todos os Estados-membros em 13 de dezembro de 2007, parecia ser a solução definitiva às precedentes crises que a União Européia superou desde a sua criação. Ao todo, foram seis as crises que colocaram em sério perigo a união deste bloco continental. A última foi em 2006, quando França e Holanda reprovaram, também com um referendum, a adoção da Constituição Européia. Ao assinar o novo Tratado, em dezembro, o clima era otimista, nada fazia prever possíveis rejeições. Isso porque se pensava que este Tratado tivesse alcançado o objetivo de garantir benefícios satisfatórios para todos os seus membros. Entre as justificativas do Tratado estão: melhorar a eficiência do processo de tomada das decisões; reforçar a democracia por meio do Parlamento Europeu; permitir uma posição mais sólida e coerente em matéria de política externa, sobretudo por meio da combinação na mesma pessoa das funções de Alto Representante para os Negócios Estrangeiros e de Vice-Presidente da Comissão Européia; enfrentar os grandes desafios da alteração climática, do problema energético, e de outros problemas transnacionais. Além disso, o Tratado prevê a criação de um novo cargo permanente de Presidente do Conselho Europeu, nomeado por um período de dois anos e meio pelo próprio Conselho Europeu, que traria maior continuidade e estabilidade para o seu trabalho.

Mas, então, quais as razões do “não” irlandês? O famoso cientista político italiano, Giovanni Sartori, atribui este resultado à diminuição da capacidade cognitiva do cidadão europeu. Ou seja, eles não teriam entendido do que se tratava. Ou podemos pensar que foram mal-informados. Há quem diga que existem interesses econômicos e políticos externos que lutam contra uma Europa mais unida e, conseqüentemente, mais autônoma.

Não é a primeira vez que a Irlanda provoca uma crise na União Européia. Já em 2001 os irlandeses optaram pelo não quando votaram contra a ampliação da União Européia e após um ano corrigiram sua posição aprovando a ampliação com um novo referendum.

Diante desta nova crise, a tendência unânime dos outros Estados-membros é de não superestimar o não irlandês. É certamente sintoma de alguma insatisfação que deve ser analisada, mas não é definitivamente o ponto de ruptura que marcará o fim da União Européia. “Devemos continuar a caminhar rumo ao fortalecimento da integração européia”, afirmaram Chefes de Governo europeus.

Poucas semanas atrás tratamos nesta coluna da primeira crise enfrentada pelo continente sul-americano no seu projeto de integração. Em comparação com a União Européia a América do Sul é uma criança movendo os primeiros passos ao lado do irmão mais velho que já corre. A criança menor cai mais que a maior. Contudo, ambos estão sujeitos às quedas. A União Européia também pode cair e se machucar, mas isso não a impede de levantar e continuar caminhando e crescendo. O que vale para o irmão mais velho, vale também para o novo. É o que desejamos também para a experiência da Unasul (União das Nações Sul-americanas).

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Roma, Hong Kong e Macau

Em janeiro de 2005, estava em Roma preparando as malas para uma viagem longamente sonhada. Na manhã seguinte pegaria o avião que me levaria à China, mais propriamente a Macau, ex-colônia portuguesa. Ali se realizaria um seminário internacional sobre China e Ocidente e tive a honra de ser convidada para proferir uma breve palestra.

Era a primeira vez que fazia uma viagem ao Oriente, e sozinha. Meu esposo e minhas filhas ficaram na casa dos meus pais, onde naquele ano passamos as festas de Natal e Ano Novo. Vários familiares e amigos ao saber que iria sozinha à China me perguntavam maravilhados: “Não tens medo de ir sozinha?”. Na verdade, não sentia medo, talvez certo temor. Mas a curiosidade e a vontade de conhecer de perto o meu objeto de estudo de anos e anos, me faziam superar o temor.

Finalmente, o grande dia chegou. Peguei o avião de Roma para Paris, e até aqui nada de incomum para um europeu. Em Paris, peguei o avião para Hong Kong. O cenário mudou completamente. Nós, ocidentais, éramos minoria. Os chineses eram praticamente os donos do avião. Encontrei-me espremida entre duas moças chinesas. Uma delas abriu logo o jornal, em chinês. Consegui ler alguns títulos, mas como há anos não praticava o chinês, muitos ideogramas haviam sumido da minha cabeça. Preferi então pegar o jornal em francês, que me entregaram na entrada do avião. Depois, dormi. Quando acordei, de madrugada, olhei logo a tela da TV que indicava a posição do avião. Estávamos voando sobre a cidade de Vladivostok, na fronteira entre a Rússia e a China. Havíamos percorrido no ar o trajeto da mítica ferrovia transiberiana. Era realmente emocionante. Passamos sobre a cidade de Harbin, famosa pelas esculturas de gelo. Depois, Pequim e Xangai. Enfim, pousamos em Hong Kong.

Quando coloquei o pé em terra chinesa, foi como ter ganhado uma medalha de ouro. Mas a aventura estava somente começando. O aeroporto de Hong Kong é um dos aeroportos mais bonitos que vi até agora. O teto é totalmente de vidro. Poltronas e sofás coloridos estão espalhados em todo o saguão oferecendo repouso aos viajantes mais cansados. A emoção me impedia de sentir o cansaço. Havia preparado todo o trajeto pela internet. Porém, assim que cheguei, percebi que o os horários dos ferry-boat - que saíam do aeroporto direto para Macau - não eram os mesmos que eu havia assinalado pela internet. Deveria esperar pelo menos duas horas, e resolvi pedir informações. Aconselharam-me a pegar o metrô, depois um táxi até o porto e, de lá, o ferry-boat para Macau. Parecia simples, mas a idéia de lançar-me no coração de Hong Kong sem conhecer nada da cidade, e sozinha, fez-me parar alguns minutos para avaliar a situação. Após breve hesitação, decidir arriscar. Era uma aventura e teria que viver cada segundo dela. Peguei um mapa do metrô de Hong Kong, estudei bem as paradas e fui. No metrô não era a única estrangeira, mas certamente a mais inexperiente. Cheguei ao ferry-boat sem problemas. Após quarenta minutos de travessia, já podíamos enxergar as luzes de Macau. Era quase noite quando desci do navio. Enormes letreiros luminosos e coloridos enfeitavam as principais avenidas da cidade. Logo percebi que os cassinos eram os principais empregadores dos habitantes de Macau. Em Hong Kong os cassinos são proibidos, por isso o fluxo de chineses provenientes da ilha e da China continental é enorme. Foi muito bom chegar ao hotel e perceber que estava tudo certo com a minha reserva. Na manhã seguinte, com as luzes artificiais apagadas, pude admirar o rosto mais humano da cidade. Como Macau foi colônia portuguesa, todas as ruas têm o nome português. O hotel em que estava hospedada localizava-se na Rua da Amizade. A arquitetura da cidade antiga é típica de uma cidade portuguesa. No coração da cidade, conheci a Praça do Senado com as mesmas calçadas típicas de Copacabana. Mas o português não é falado, a não ser por poucos idosos. As línguas que prevalecem são o chinês (cantonês) e o inglês, naturalmente. E chinesa é a verdadeira identidade de Macau. De Portugal sobraram os nomes das ruas, a arquitetura de alguns prédios, as ruínas da Igreja de São Paulo, o forte que domina do alto a cidade e a missa das 11 horas de domingo de manhã, sempre rezada em língua portuguesa. Foi uma viagem e tanto. Pena que durou poucos dias. Deixou-me o desejo de conhecer a China mais profundamente. E esse é o lado bom de uma boa viagem: aumenta o desejo de viajar!

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Itália sob acusação internacional

No dia 2 de junho, festa da proclamação da República Italiana, o país foi acusado pela ONU de atitude xenófoba e intolerante contra a imigração irregular e as minorias étnicas presentes no território italiano. Louise Arbour, Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, durante uma reunião do Conselho da ONU, em Genebra, denunciou a recente decisão do governo italiano de considerar como delito a imigração ilegal. Ela alertou a comunidade internacional contra os recentes ataques aos acampamentos nômades em Roma e Nápoles. O governo Berlusconi defendeu-se das acusações lembrando que a Itália sempre lutou contra o racismo, a intolerância e a xenofobia. As autoridades italianas alegaram que as medidas legislativas, ainda em discussão, não possuem nenhuma valência discriminatória, mas visam garantir a segurança do povo italiano. Durante a campanha eleitoral, Berlusconi prometeu empenhar-se nas questões de segurança nacional e luta contra a imigração clandestina. Entre as medidas discutidas figuram a expulsão dos estrangeiros quando condenados a uma pena superior a dois anos e o aumento da pena em um terço para o imigrante que cometer um delito. Além disso, qualquer um que viva ilegalmente na Itália pode ser condenado a uma pena de seis meses a três anos de prisão, além de ter que pagar multas de até 150 mil euros e ter a casa confiscada. Se tais medidas forem aprovadas pelo Parlamento, a Itália se tornará um dos países europeus com as regras mais rígidas em relação à imigração.

Segundo uma recente pesquisa, os italianos têm medo dos imigrados, especialmente das populações rom (ciganos), provenientes do leste europeu. Elas vivem acampadas nas periferias das grandes cidades, muitas vezes em condições higiênicas precárias. Recentemente, membros dessas comunidades foram atacados durante a noite e os acampamentos incendiados por grupos extremistas. Por causa disso, as comunidades nômades estão se organizando por meio de turnos de vigilância noturna, tentando proteger-se de outros eventuais ataques.

Medo e insegurança, portanto, de ambos os lados, estão caracterizando o panorama italiano. O governo decidiu usar mão de ferro para colocar fim à criminalidade que se esconde entre os clandestinos. A oposição, porém, liderada por Walter Veltroni, posicionou-se contra as medidas do governo Berlusconi. Tais medidas, segundo ele, só reforçam o medo e a insegurança da população. Segundo Veltroni, é preciso combater a criminalidade e a clandestinidade, mas dentro das diretrizes européias de integração das minorias étnicas. Não se pode, em nome da segurança nacional, aceitar o perigoso estereótipo segundo o qual “todos os rom seriam criminosos”. A oposição alerta que se o novo governo aplicará a política de segurança anunciada, em poucos anos o número de detentos poderá duplicar ou triplicar. Contudo, a discussão italiana não é um problema isolado. A Itália manifestou de forma aguda um sintoma já presente em todo o continente europeu. Outros países europeus, como a Alemanha, França, Reino Unido e Grécia já possuem normas semelhantes às que o governo italiano quer adotar, mesmo se com penas menores (entre três meses e um ano de prisão). O problema da imigração é um assunto que a União Européia está tentando resolver há anos. São quase 12 milhões de clandestinos presentes em todo continente. No último encontro da Assembléia plenária de Estrasburgo, a Comissão Européia, referindo-se aos problemas italianos, condenou todo tipo de violência contra as populações rom, reiterando que os romenos são cidadãos europeus, e têm direito de circular nos países membros. Ocorre distinguir entre os criminosos e aqueles que querem trabalhar e integrar-se.

O problema é que a velha Europa continua sendo o sonho de consumo de muitos. Espera-se conseguir lá uma vida melhor. A Itália continua sendo - no imaginário geral - o país do sol, do mar, da dolce vita. Infelizmente isso não passa de um mito. O velho continente está doente e precisa de cuidados imediatos por parte de todos, imigrantes ou não.