quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A democracia chinesa do dólar conquista a América Latina

Concluiu-se neste domingo, dia 23, a viagem do presidente chinês, Hu Jintao, na América Latina. A visita teve início no dia 17 de novembro na Costa Rica, onde Hu Jintao encontrou-se com o presidente Oscar Arias. Após a Costa Rica, o presidente chinês visitou Cuba e o Peru. Em Lima, capital do Peru, Hu Jintao participou da cúpula anual da APEC (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico). É a segunda vez que Hu Jintao visita a América Latina. A primeira foi em 2004. Desde então, a América Latina passou a ser uma região de interesse estratégico para o gigante asiático que, nos últimos anos, busca diversificar os países de suas importações. Do lado americano, as relações com a República Popular da China também são recentes. Com exceção de Cuba, que já em 1960 reconheceu a legitimidade do governo de Pequim, a maioria dos países da América latina esperou que os Estados Unidos reconhecessem oficialmente o governo de Pequim, em 1972, para estreitar relações diplomáticas com a China. A Argentina e o México reconheceram o governo de Pequim já em 1972; o Brasil em 1974 e a Bolívia somente em 1985. Na América Latina existem ainda 12 países que não possuem relações diplomáticas com Pequim, e que, portanto, apóiam o governo da ilha de Taiwan. Entre eles estão Panamá, Paraguai, Guatemala, El Salvador, Honduras e República Dominicana. A tentativa de reverter este quadro, ganhando novos interlocutores diplomáticos e enfraquecendo a posição diplomática de Taiwan, foi apontada como um dos motivos da visita de Hu Jintao. Até o ano passado, por exemplo, a Costa Rica estava entre os países que apoiavam Taiwan. Contudo, o investimento chinês de 300 milhões de dólares em títulos na Costa Rica e a doação de 73 milhões de dólares para a construção do novo estádio nacional, fez o país mudar de lado. Em junho de 2007, celebrou-se, de fato, o início das relações diplomáticas com o país. É a eficácia da diplomacia do dólar, que neste momento de dificuldade econômica poucos países parecem querer recusar. Há menos de 1 mês a China tornou-se integrante do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e desde 2004 é observadora na OEA (Organização dos Estados Americanos). O foco do interesse da China pelos mercados latino-americanos reside principalmente nos setores de recursos energéticos, de minérios e no setor agrícola. Pequim compra soja da Argentina e do Brasil. Do Chile e Peru a China importa cobre; da Bolívia, gás; da Venezuela e do Equador, petróleo; de Cuba, níquel e açúcar. Nesta nova visita o presidente chinês assinou acordos de Livre Comércio com os governos dos países visitados. Cuba se reafirmou como seu parceiro estratégico. Desde 2006, chegaram à ilha 2544 estudantes chineses para cursar espanhol e outros cursos universitários. O presidente chinês trouxe, nesta visita, 4,5 toneladas de ajuda humanitária para os desabrigados, vítimas dos três furacões que atingiram recentemente a ilha cubana. Com tal ajuda, o governo chinês quer demonstrar que sua reputação de “nação predatória” - imagem difundida, sobretudo, pelos Estados Unidos – não corresponde à realidade. É evidente que a expansão chinesa na América Latina coloca em questão a tradicional hegemonia americana no continente. Para os Estados Unidos, a tentativa chinesa de ampliar sua influência econômica na região é uma ameaça à sua já enfraquecida hegemonia. Contudo, o governo chinês faz questão de sublinhar seus objetivos pacíficos. Jiang Shixue, subdiretor da Academia de Ciências Sociais da China, em Pequim, esclareceu que o objetivo da visita é pragmático: “A China entende bem que a América Latina é o quintal dos Estados Unidos, então não há razão para desafiar a influência americana”. Durante sua visita, Hu Jintao sublinhou que a China segue o caminho do desenvolvimento pacífico e manterá a política de abertura de benefício mútuo e progresso econômico. Ele reforçou que a China acredita que todos os países, grandes e pequenos, ricos ou pobres, fortes ou fracos, devem ser iguais e que o desenvolvimento dos interesses comuns é o propósito da cooperação bilateral China-América Latina. Se for mesmo assim, a China terá boas chances de se tornar um dos parceiros mais importantes do continente latino-americano.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Do G-8 ao G-20 - mudanças na geopolítica internacional

Realizou-se em Washington, no domingo passado, 15 de novembro, a reunião do G-20, grupo que reúne os países ricos (G-8) mais os principais países emergentes, dentre os quais Brasil, Índia e China. Foi um encontro histórico, pois, pela primeira vez, a discussão acerca do futuro econômico do nosso planeta não foi somente monopólio dos países ricos. Os principais países emergentes puderam apresentar suas propostas e trabalhar lado a lado com os “grandes” da terra. O presidente Lula, que durante o summit sentou ao lado da China e dos Estados Unidos, comentou brincando a este propósito: “A impressão era que eles tomaram chá de humildade”. O desejo de reunir não só o clássico G-8, mas, também, o G-20 significou, de fato, tomar consciência de que, para superar uma crise cujos efeitos devastadores atingiram a todos os países, será preciso pensar juntos medidas eficazes de prevenção contra possíveis novas crises no futuro. O summit de Washington foi comparado a uma nova Bretton Woods onde, em 1944, foram colocadas as bases para a criação da atual ordem econômica internacional, com a implantação do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. Todavia, tal comparação foi desmentida pelos resultados do summit recém concluído. Nenhuma nova ordem econômica internacional foi criada neste domingo, nenhuma decisão efetiva foi tomada, mas não por isso podemos considerar inúteis os esforços demonstrados, neste encontro, pelos Chefes de governo.

O documento final do G-20 contém propostas de medidas importantes que, se concretizadas, poderão constituir base sólida para um novo sistema econômico. Uma das propostas mais esperadas, por exemplo, foi a da criação de um colégio de supervisores que deverá monitorar 30 entre as maiores instituições financeiras internacionais. O documento de Washington definiu cinco princípios básicos de reforma da ordem financeira internacional: aumentar a transparência das aplicações financeiras de alto risco; melhorar a regulamentação, incluindo forte vigilância sobre as agências de avaliação de crédito; promover a integridade dos mercados; reforçar a cooperação internacional entre as entidades de vigilância e os responsáveis da supervisão sobre os vários segmentos do mercado; reformar as instituições financeiras internacionais criadas por Bretton Woods (FMI e Banco Mundial), ampliando o acesso das economias emergentes a estas instituições. A resolução de Washington prevê também a ampliação, em favor dos países emergentes, do Fórum de Estabilidade Financeiro (FSF), criado em 1999 após a crise econômica dos países asiáticos. Tal organismo internacional possui o papel central de regulamentação dos mercados e reúne as autoridades de vigilância bancária e dos mercados dos maiores países. Outras medidas relevantes foram a decisão de superar o impasse da Rodada de Doha deste ano, e a rejeição do protecionismo, evitando, ao menos nos próximos 12 meses, de erguer barreiras comerciais. Tais medidas deverão ser implantadas até dia 31 de março de 2009, por meio de grupos de trabalho coordenados pelo Brasil, Coréia do Sul e Grã-Bretanha. A esses grupos de trabalho caberá também a tarefa de definir o critério de escolha dos 30 maiores bancos e instituições financeiras internacionais que deverão ser colocados sob vigilância do colégio de supervisores acima mencionado. O próximo summit mundial está previsto para o dia 30 de abril de 2009, e será realizado em Londres.

A contribuição mais significativa do summit certamente foi o reconhecimento da necessidade de substituição do velho G-8, reduto dos países ricos, pelo G-20, aliás, provável G-22, com a presença da Espanha e Holanda, convidadas a participar do summit. Até a Suíça quer ingressar no G-20. A crise econômica internacional provocou efeitos devastadores, mas, de outro lado, serviu para redesenhar a geopolítica internacional: não mais fundada na concentração-exclusão, mas em valores mais abertos, solidários, internacionalistas de desconcentração-inclusão.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Barack Obama: o "presidente Google"

O “Presidente Google”, ou o “Google da política”: assim é chamado Barack Obama no ambiente da Internet, onde tantas pessoas trabalharam apaixonadamente para que ele se tornasse o primeiro presidente afro-americano da história dos Estados Unidos da América. Este apelido bizarro foi-lhe dado por causa da extraordinária rapidez com a qual Obama subiu a escada da carreira política, mas, também, pela sua capacidade de usar os conhecimentos tecnológicos como nenhum outro candidato à presidência americana demonstrou possuir. Barack Obama é um presidente americano sui generis, pois não se encaixa nos moldes pré-fixados pela tradicional ortodoxia americana. Contudo, é justamente esta sua peculiaridade que fez despertar em milhões de americanos (e não só) a esperança de que algo novo estava surgindo.

Barack Obama é o presidente das misturas que correm em seu sangue. Conscientemente ou não, isso o tornou mais compreensivo e conciliador. A vida de Obama começou no dia 4 de agosto de 1961, na cidade de Honolulu, no Havaí. Filho de Barack Obama Senior, natural de uma pequena aldeia do Quênia, na África, e de Ann Dunham, americana, branca, nascida em Wichita, no estado do Kansas. Seus pais encontraram-se na Universidade do Havaí. A mãe de Obama estudava antropologia, e o pai - que vencera uma bolsa de estudos que lhe permitiu deixar a África - estudava economia. Mas o casamento durou poucos anos. Eles se separaram quando Barack tinha dois anos. Em 1967, a mãe de Obama casou-se com o estudante indonésio Lolo Soetero. O casal decidiu se mudar para a Indonésia. Barack tinha seis anos. A Indonésia que ele conheceu era a de Suharto, que naquele ano, com um golpe de estado, deu início a uma ditadura que duraria mais de trinta anos. Em Jacarta, capital da Indonésia, Barack Obama freqüentou escolas muçulmanas e cristãs. Obama era filho de muçulmano e, consequentemente, segundo a lei do Islã, era muçulmano. Ele, porém, afirmou em várias entrevistas nunca ter praticado o islamismo. De fato, aos 27 anos converteu-se ao cristianismo. Aos 10 anos, Barack Obama voltou para o Havaí, sob os cuidados dos avós maternos. Aos 18, terminou o ensino secundário e mudou-se para Nova Iorque, onde se formou em Ciência Política na Universidade de Columbia. Após ter trabalhado alguns anos em empresas de Nova Iorque, decidiu mudar-se para Chicago, no estado de Illinois. Ali, de 1985 a 1988, trabalhou como diretor do Projeto Comunidade em Desenvolvimento (DCP), uma associação comunitária religiosa por meio da qual Obama mobilizava grupos negros do bairro industrial de South Side, uma área pobre da cidade de Chicago em busca de melhorias sociais e econômicas. Em 1988, Obama ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Harvard. A sua figura brilhante não passou despercebida. Um dos seus professores de direito, Charles Oglotree, dizia de Obama que “ele não era um daqueles estudantes dos quais só queria-se ler as anotações ou ouvir sua voz. Você queria ouvi-lo pensando. Havia algo de especial nele”. No primeiro ano de Harvard, Obama foi escolhido como editor da revista Harvard Law Review e, no ano seguinte, eleito como presidente da revista, formada por uma equipe de 80 editores. Foi uma conquista importante porque Obama foi o primeiro afro-americano a ser presidente da revista. Em 1991, obteve o título de Doutor em Direito, graduando-se com louvor. Retornou, então, para Chicago onde, em 1992, casou-se com Michelle Robinson, também advogada e formada em Harvard. Até 1996, Obama trabalhou como advogado em defesa dos direitos civis, colaborando com diversas organizações filantrópicas e atuando como docente universitário de direito constitucional na Universidade de Chicago. Durante todos esses anos, ele foi construindo de forma capilar sua base de apoio, o que lhe permitiu, em 1996, ser eleito Senador pelo Estado de Illinois. De lá para cá foi uma corrida só. Ele associou ao tradicional, mas eficaz método do “porta a porta”, o novo instrumento de agregação por excelência da Internet. Mais do que ao seu Partido, ele deve sua vitória ao povo: “Somos os Estados Unidos da América”, exclamou no dia de sua eleição. Tomara que o cosmopolita Obama, representativo da hodierna mistura cultural, consiga reconciliar de fato os EUA com o resto do mundo. Sua vitória já foi um primeiro passo.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

A República Democrática do Congo lança um SOS ao mundo

Nas últimas semanas, enquanto a atenção da opinião pública internacional estava absorvida pelos desenvolvimentos da crise financeira internacional e pelo resultado das eleições presidenciais americanas, no coração da África uma nova guerra civil marcava o início de uma crise humanitária de dimensões catastróficas.

A República Democrática do Congo (RDC) - país localizado na região central do continente africano - é o palco deste novo e triste capítulo da história africana. Desde agosto passado, na província de Kivu - região oriental do país -, combates intensos entre as tropas governistas e as milícias do CNPD (Conselho Nacional para a Defesa da Paz), lideradas por Laurent Nkunda, obrigaram milhares de pessoas a deixar suas casas. Nestas últimas semanas a situação piorou. Segundo dados da ONU, seriam até agora 250 mil as pessoas que foram obrigadas a abandonar as próprias casas. São milhares de seres humanos caminhando sem rumo pelo país em busca de um refúgio seguro que, num país devastado há anos pelas contínuas guerras civis, praticamente não existe. Por semanas, as ajudas humanitárias não conseguiram chegar até a região dos conflitos. Na quarta-feira passada, o cessar-fogo permitiu às agências humanitárias, lideradas pela ONU, organizar comboios de ajuda. Ontem, o primeiro comboio da ONU conseguiu chegar à aldeia de Rutshuru, onde havia um dos maiores campos de refugiados, mas nos últimos meses foi transformado em base militar dos rebeldes do CNPD. Por isso, quando o comboio chegou, não encontrou mais ninguém. Os refugiados, que conseguiram escapar do massacre de 1994, deixaram a relativa segurança do campo por medo de não conseguirem escapar novamente da violência. O ministro do exterior britânico, David Miliband, em missão na África junto ao ministro francês Bernand Kouchner, alertou que seriam cerca de 1 milhão e 600 mil desalojados. O risco de epidemias e morte por desnutrição é altíssimo. A coordenadora da organização humanitária Médicos sem Fronteiras, descreveu assim as condições do povo congolês: “As pessoas não sabem para onde ir, caminham por quilômetros procurando refúgio por alguns dias, mas sabem que devem continuar andando, sem rumo. Muitas vezes, caminham sem sapatos e protegendo-se da chuva com capas improvisadas. Muitos têm o estômago inchado pelas raízes e ervas que comeram ao longo do caminho. Outros não comem nem isso há dias. Param quando o cansaço ou a dor lhes impede de caminhar. Então caem e dormem na estrada”. Os refugiados tiveram suas casas queimadas durante os conflitos, não possuem mais nada e continuam sendo alvo da violência feroz dos rebeldes e das tropas governistas. O líder das milícias do CNPD, Laurent Nkunda, afirmou estar lutando para proteger a população de etnia tutsi que, segundo ele, estaria sendo ameaçada pelas tropas governistas da etnia hutu. Ele reivindica negociações diretas com o governo congolês. O presidente da República Democrática do Congo, Joseph Kigali, recusou-se a negociações diretas, mas se declarou disposto a participar de uma reunião sob a égide da ONU e das organizações regionais africanas. Tal reunião deverá se realizar na próxima semana, na capital do Quênia (Nairobi). Entretanto, a missão permanente de paz da ONU, presente no território congolês desde o ano de 2000, tenta, como pode, ajudar os refugiados.

É uma situação complexa, cujas raízes se perdem no passado doloroso do continente africano, retalhado e explorado pelas potências européias do séc. XIX, e vítima dos conflitos étnicos localistas. Há pessoas que afirmam que os conflitos atuais são causados por problemas tribais de exclusivo interesse africano. Todavia, diversos analistas políticos internacionais afirmam que não se trataria somente disso. Por trás das divisões entre etnias e povos haveria também interesses políticos e econômicos externos. A região oriental da RDC é riquíssima em minérios preciosos, como ouro e diamantes. Empresas multinacionais estão interessadas em manter o país dividido para poder desfrutar de tais riquezas. Existiria até um projeto de criação de um novo estado nesta região, que se chamaria “República dos Grandes Lagos”. A África continua sendo vítima de si mesma (conflitos étnicos) e dos falsos amigos estrangeiros.