quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Catarinenses e Kosovares - Onde está o centro do mundo?

Na semana passada, a coluna Nosso Mundo ocupou-se da proclamação da independência do Kosovo. Tentamos entender suas razões e conseqüências na ordem mundial.

Uma pessoa, após ler a coluna, agradeceu-me pelos esclarecimentos e perguntou-me sobre a razão que me levou a escolher como tema da semana o Kosovo, região tão distante e desconhecida à maioria dos brasileiros.

Uma das razões é justamente porque se trata de uma região muito distante e quase desconhecida. Minha motivação em escrever sobre o âmbito internacional é exatamente a de trazer ao nosso cotidiano realidades mundiais que parecem não interferir diretamente nas nossas vidas. Não podemos ignorá-las, vivendo como se fôssemos o centro do mundo. Antigamente, devido à falta de conhecimento geográfico, cada continente acreditava ser o único sobre o planeta, ou ao menos o mais desenvolvido. No século XIII, quando os europeus tiveram o primeiro contato com a China, por meio das famosas viagens de Marco Pólo, ficaram surpreendidos com o desenvolvimento arquitetônico, político e econômico da China, que manteve tal primado mundial até 1500. A China, por sua vez, desconhecia também o resto do mundo, tanto que o seu nome, em chinês, significa “país do meio”, ou seja, país do centro do mundo. Os imperadores chineses custaram a crer nos primeiros mapas-múndi desenhados pelos missionários jesuítas que viviam na China.

Hoje, com os atuais meios de comunicação, é impossível que um país se considere ainda o centro do mundo, ao menos do ponto de vista geográfico. Cada um imagina que o centro do mundo seja o seu lugar de habitação e pode-se ter a tentação de ficar olhando somente para o próprio umbigo, fazendo de conta que o que vale para nossas vidas seja somente aquilo que está geograficamente próximo.

O fato do Kosovo ter proclamado a sua independência certamente não afeta diretamente as nossas tarefas cotidianas aqui no sul de Santa Catarina, mas refletir sobre o que acontece do outro lado do mundo ajuda-nos a abrir nossas mentes e ampliar nossos horizontes.

Uma outra razão que desperta em mim o interesse pelo mundo é a convicção de que a humanidade é uma única e grande família espalhada pelo mundo, com interesses, usos, costumes, línguas e religiões diferentes, mas à qual estou profundamente ligada. Então, se cada ser humano é meu irmão, tenho sempre o prazer e o dever de me interessar por aquilo que acontece com ele, próximo ou distante, como gostaria que ele se interessasse por aquilo que acontece comigo e ao meu redor, compartilhando minhas tristezas e alegrias pessoais e coletivas.

Talvez seja este um sentimento ingênuo, mas prefiro pensar desta forma e continuar a olhar o mundo como uma caixa de surpresas, seja, às vezes, para sofrer junto ou, também, para festejar. E a festa dos Kosovares, independentemente do tempo que ela dure, eu a senti como minha.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Independência do Kosovo: novo teste para a diplomacia mundial

O parlamento da província autônoma do Kosovo - mantida sob o protetorado das Nações Unidas desde o fim da guerra de 1999 - decidiu nestes dias proclamar unilateralmente a sua independência da Sérvia. O premier Hashim Tachi afirmou orgulhosamente diante da imprensa internacional: “Agora estamos entre as nações democráticas e livres”.

Mas o que comporta proclamar unilateralmente a própria independência e quais suas conseqüências?

Lembramos algumas etapas do processo que levou a tal proclamação.

Em 1999, o ditador Slobodan Milošević foi acusado pelas Nações Unidas de planejar ações de limpeza étnica contra os habitantes do Kosovo, região da Sérvia, mas cuja população é na maioria de origem albanês. Após o falimento das tentativas de dissuadir o ditador, a Otan decidiu passar ao ataque, bombardeando a Sérvia. As justificativas de tal ato foram as de evitar uma segunda Auschwitz e obrigar Milošević a renunciar ao poder. Entretanto, a decisão de usar as armas, mesmo sendo justificada pela defesa dos direitos humanos, gerou em alguns cientistas internacionais dúvidas sobre os benefícios de tal opção. Será que a guerra era realmente necessária? Não existiriam outros meios que evitassem o sofrimento que uma guerra sempre provoca, mesmo tendo uma justa causa?

De fato, apesar da vitória da Otan e da derrota de Milošević, as conseqüências do conflito foram terríveis: expulsões em massa por meio dos esquadrões da morte, a destruição das aldeias e deportações praticadas por Milošević que encontrou na guerra uma desculpa para continuar o massacre. Além disso, as bombas da Otan, ao invés de bombardear o exército servo, caíram sobre imóveis civis destruindo complexos industriais, sedes administrativas, igrejas e hospitais.

Após o fim da guerra, começaram as negociações em vista de uma resolução pacífica entre sérvios e kosovares. O Conselho de Segurança da ONU estabeleceu na província uma administração controlada, com a presença de missões da ONU.

Desde então o Kosovo visou à sua independência. Os sérvios, porém, se opõem à idéia de perder este pedaço de sua província considerada o berço de sua cultura, mesmo sendo sua população de raízes étnicas diferentes, muito mais próximas da Albânia, sua vizinha.

Nestes nove anos, as negociações coordenadas pela ONU não conseguiram satisfazer as duas partes, cujas decisões sofrem, também, a influência de terceiros. A União Européia apóia o Kosovo e se prepara a enviar uma missão civil que substituirá a da ONU. A Rússia, de outro lado, desde o fim do conflito continua a manifestar o seu apoio ao governo sérvio - seu antigo aliado na Guerra Fria - e se opõe a qualquer plano de independência, ameaçando de vetar na ONU qualquer tentativa neste sentido.

A situação do Kosovo parece recriar uma nova divisão mundial. A Rússia manifestou logo a sua oposição ao saber da declaração de independência do Kosovo. Bush, ao contrário, garantiu logo seu apoio incondicionado. Na União Européia, os países-membros se dividiram: Itália, Grã Bretanha, França e Alemanha irão reconhecer a mais recente nação. Romênia, Eslovênia, Chipre e Espanha já manifestaram seu dissenso. A Espanha não apóia posições que abram precedentes separatistas devido a seus problemas internos com os bascos. Outros países como Portugal e Malta esperam o parecer da ONU. O Brasil alinhou-se neste último grupo esperando prudentemente a declaração oficial da ONU. O Premier Hashim Thaci, festejado pela população eufórica, afirmou que o novo Kosovo será uma sociedade democrática, leiga e multiétnica que proibirá o uso da violência, e manterá boas relações com os países vizinhos.
O que o povo do Kosovo está pedindo é de viver finalmente em paz após duas décadas de isolamento e de sofrimento herdadas da tragédia da ex-Iugoslávia.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Eleições americanas: do pesadelo ao sonho

Há décadas as eleições presidenciais dos Estados Unidos não recebiam tanta atenção do próprio eleitorado e da opinião pública internacional.

O resultado das primárias nos estados mais importantes da federação americana – votação que decide qual candidato deverá concorrer à Presidência – foi seguido passo a passo até a última “super-terça” da qual saíram vitoriosos três candidatos: o republicano - veterano do Vietnã - John McCain, e os democratas Hillary Clinton e Barack Obama.

Obama ganhou a cena internacional e conquistou milhões de jovens americanos.

Conseguiu despertar uma nova esperança política para os Estados Unidos talvez porque a sua trajetória política foge dos padrões ortodoxos até agora vigentes na Casa Branca. Até o ano passado, ao menos para nós estrangeiros, Obama era um simples desconhecido. Com apenas 46 anos ele conseguiu, de simples governador do Illinois, conquistar o espaço necessário para chegar às portas da Casa Branca, sendo comparado à mítica figura de John Kennedy. Em suma, devolveu aos americanos a possibilidade de sonhar. Os Estados Unidos haviam esquecido o que era sonhar, engolidos num pesadelo sempre mais assustador, como foi o governo de George W. Bush.

Talvez Obama não chegue a ganhar as eleições. Talvez a experiência e o pragmatismo político de Hillary Clinton conseguirão vencer a esperança oferecida por Barack Obama. Não temos ainda elementos suficientes para dizer se os Estados Unidos terão um governo democrata ou continuarão tendo um governo republicano. O que sabemos de certo é que o futuro Presidente dos Estados Unidos, seja quem for, terá a complicada tarefa de desfazer os mal-feitos do seu predecessor, principalmente do ponto de vista econômico, que é o que mais interessa aos americanos. Além disso, outra mudança necessária diz respeito à política externa do país. Durante os anos do seu governo, Bush destacou-se pelo desrespeito das decisões das Nações Unidas, pelas gravíssimas mentiras que geraram uma guerra inútil como foi a do Iraque, e pela sua desenfreada política armamentista. Ele quis recriar no âmbito internacional uma situação de conflito tal que justificasse o retorno dos Estados Unidos qual paladino da justiça mundial pronto a atacar quem o desafiasse. Papel que os Estados Unidos perderam com a queda do muro de Berlim em 1989 e com a dissolução da União Soviética em 1991, data esta que marcou o fim da Guerra Fria.

Naquela ocasião, os Estados Unidos - até então única superpotência capaz de enfrentar o gigante comunista russo - perdeu a justificativa de tal supremacia.

Não existia mais o inimigo. Portanto, os Estados Unidos não precisavam mais cumprir o papel de “mocinhos” do mundo. Ainda mais porque no resto do mundo estavam surgindo blocos continentais que desafiavam sua liderança: a União Européia; a América Latina, liderada pelo Brasil; a Ásia, com a China e a Índia; o continente africano, liderado pela África do Sul; o Oriente Médio. Bush usou todos os meios para não perder a supremacia mundial, identificando novos inimigos que justificassem o papel de paladino mundial. O seu governo caracterizou-se pela luta ao assim chamado eixo do mal (Iraque, Iran, Afganistão, etc.), desafiando qualquer um que quisesse barrá-lo.

Com as eleições do ano que vem, esperamos que este pesadelo esteja com os dias contados. As promessas dos candidatos nos indicam uma ordem internacional mais harmoniosa e equilibrada onde cada bloco continental desenvolverá seu papel para garantir uma convivência internacional menos turbulenta do que a ordem desordenada imposta pelo texano George W. Bush.