Desde o dia 12 de junho, quando o resultado das eleições no Irã apontou para a vitória do presidente Mahmoud Ahmadinejad, reeleito com mais de 62% dos votos, o país tornou-se palco de protestos por parte dos oposicionistas, que apoiavam a candidatura à presidência do reformador Mir Houssein Moussavi. As manifestações de protesto que estão tomando cada dia mais força visam denunciar uma suposta fraude eleitoral por parte do governo de Ahmadinejad para impedir a eleição de Moussavi. O líder supremo do Irã, Aiatolá Khameini, ordenou que o Conselho dos Guardiões procedesse a uma recontagem dos votos para tentar acalmar a população, que há dias ocupa as principais ruas e praças de Teerã, capital do Irã.
Em pleno século 21, a imagem dos 12 guardiões, clérigos muçulmanos, reunidos para decidir o futuro próximo de milhões de iranianos, para nós que moramos em países onde há uma clara separação entre igreja e estado, é sem dúvida anacrônica, mas, para a República Islâmica do Irã, não o é. Desde 1979, quando a dinastia Pahlavi - que governou o país por mais de 50 anos - foi derrubada, e o Aiatolá Khomeini proclamou a República Islâmica do Irã, o país é governado por um líder religioso supremo que, além de decidir os rumos da política externa e interna da nação, chefia as Forças Armadas. Um grupo de 12 clérigos juristas - seis indicados pelo Aiatolá e outros seis pelo líder do judiciário - formam o Conselho dos Guardiões.
Trata-se de um grupo com muito poder que trabalha para o Líder Supremo (Aiatolá) na administração do país, interpretando a Constituição de acordo com a visão do grupo sobre os princípios religiosos do Islã. Da mesma forma, o poder judiciário é subordinado à sharia (lei islâmica). Na época anterior à derrubada da dinastia Pahlavi, o governo do Irã mantinha relações estreitas com os países ocidentais, sobretudo com os Estados Unidos, do qual tentava copiar a american way of life. Em 1963, o Xá Mohammad Pahlavi - no período chamado de Revolução Branca - lançou diversas reformas no intuito de modernizar o país: tentativa de uma reforma agrária e introdução do voto feminino. Contudo, a dura oposição dos clérigos e a difícil situação econômica da maioria da população impediram que tais reformas se tornassem efetivas.
O Aiatolá Khomeini liderou os grupos de oposição e apresentou-se à população iraniana - cansada com a pobreza, a opressão do Xá e a exploração estrangeira - como aquele que libertaria o país e o conduziria rumo a uma sociedade mais justa e mais próspera. Uma vez conquistado o poder, porém, Khomeini apressou-se em livrar-se dos seus ex-aliados políticos (liberais e socialistas), e levou à presidência da república o atual Líder Supremo Ali Khamenei. No âmbito externo, as relações diplomáticas com os Estados Unidos, país que ganhou o apelido de “Grande Satã”, foram cortadas. Da mesma forma, o Irã distanciou-se de outros países ocidentais, enquanto procurava difundir, sem muito sucesso, a revolução islâmica nos países árabes vizinhos.
Quase 20 anos depois, em 1997, o reformador Mohammad Khatami conseguiu eleger-se à presidência da República Islâmica, e, pela primeira vez, desde 1979, houve uma tentativa de modernização do país. Apoiado, sobretudo pelas mulheres, jovens e intelectuais do país, que o reelegem em 2000, Khatami empenhou-se na construção de um Irã moderno. Suas tentativas, porém, não tiveram força suficiente para derrotar a oposição dos grupos conservadores que temiam perder poder. Para frear tais reformas, os clérigos muçulmanos decidiram atingir a já débil economia do país por meio de greves gerais que paralisaram o Irã. A conjuntura externa também não lhe foi favorável, pois eram os anos em que George W. Bush incluiu o Irã entre os países do assim chamado “Eixo do Mal”.
A invasão americana no Iraque foi usada pelos clérigos muçulmanos como pretexto para deslegitimar o presidente reformador. De fato, em 2005, o conservador Mahmoud Ahmadinejad, candidato dos clérigos, foi eleito presidente. De volta aos nossos dias, percebemos que os atuais protestos fazem parte de um projeto reformador já saboreado pela população iraniana. Os fundamentalistas islâmicos acreditaram tê-lo derrotado, mas num país cuja média de idade da população é de 26 anos, o desejo de liberdade e mudanças está falando mais forte que o medo da repressão.
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