A partir desse ano, no dia 19 de agosto será celebrada a Jornada Humanitária Mundial em homenagem a todos aqueles que sacrificaram suas vidas no serviço humanitário aos mais necessitados, às vítimas das guerras e catástrofes naturais nos mais longínquos e desconhecidos cantos do nosso planeta. Essa data não foi escolhida por acaso, pois nessa quarta-feira, dia 19 de agosto, recorre o sexto aniversário da morte de Sérgio Vieira de Mello, o diplomata brasileiro que, em 2003, morreu junto com outros 21 funcionários da Onu, em um ataque terrorista em Bagdá, capital do Iraque. Com o apoio do Brasil, França, Japão, Suécia e Suíça, a Fundação Sérgio Viera de Mello convenceu a Assembleia Geral da ONU, em dezembro passado, a instituir a Jornada Humanitária Mundial para que o legado de pessoas como Sérgio Vieira de Mello não fosse esquecido.
Sérgio Vieira de Mello trabalhou 33 anos nas Organizações das Nações Unidas. Nascido no Rio de Janeiro em 1948, formado na Universidade Sorbonne, em Paris, começou a trabalhar aos 21 anos junto ao Alto Comissariado para os refugiados da ONU, em Genebra, na Suíça. Participou de operações humanitárias em países marcados por graves conflitos como Sudão, Chipre, Moçambique, Peru, Líbano, Camboja. Em 1999, foi representante do secretário-geral da ONU no Kosovo. Na mesma função, trabalhou para a resolução do conflito no Timor Leste.
Em 2002, em reconhecimento do seu brilhante trabalho, foi nomeado Alto Comissário dos Direitos Humanos da ONU. No ano seguinte, decidiu afastar-se temporariamente desta função para atuar como representante especial do secretário-geral da ONU, no Iraque, no contexto da invasão americana do país. Objetivo da missão da ONU era trabalhar para restabelecer a paz e ajudar o país a construir um governo democrático após o fim do conflito. Seu serviço no Iraque durou somente quatro meses. Morreu durante o atentado do dia 19 de agosto de 2003.
Sérgio de Mello, além de diplomata, era filósofo e gostava de aplicar a filosofia à diplomacia. Filósofo kantiano, ele defendia a tese segundo a qual o princípio filosófico básico que deveria orientar as relações humanas e entre os Estados era o da intersubjetividade, ou a capacidade de pôr-se no lugar dos outros – mesmo como transgressores. Na sua biografia, lemos uma frase muito significativa de Sérgio: “Se pudéssemos ajudar cada indivíduo a ampliar a capacidade de adotar a perspectiva do outro, os filósofos poderiam contribuir para provocar uma conversão”. E não mediu esforços em difundir a ideia de que a ONU deveria ser um “casulo em que se poderia tecer pacientemente acordos e formas possíveis de harmonia”. Provavelmente ele herdara esta concepção sobre a ONU do pensamento do filósofo alemão Immanuel Kant que, em 1795, escreveu uma obra chamada “Projeto de Paz Perpétua”. Nela, Kant propôs, profeticamente, a constituição de uma organização voltada à coexistência pacífica entre todos os povos, onde a ideia da razão prática opunha-se ao estado natural propenso aos conflitos.
A atuação de Sérgio Vieira de Mello era inspirada nos princípios kantianos de busca da paz por meio de uma ordem multilateral. O professor Jacques Marcovitch, ex-reitor da USP, assim descreve a atuação de Vieira de Mello: “Este brasileiro tão preocupado com a consciência do mundo acreditou na força das ideias, da palavra, do convencimento, excluída qualquer mediação de poderes. O seu grande instrumento de trabalho, em todos os momentos, foi a interlocução construtiva e harmoniosa. O diálogo, mais que iniciativa política, é doação ética. Por meio dele uma parte recebe de outra o fruto da meditação solitária e inteligente. É desta forma que se impede a ressurreição da barbárie e materializa-se o ideal da alteridade. Os outros podem ser o inferno de cada um, como queria Sartre? Sim, mas os outros também podem representar, no intercâmbio de opiniões e ideias, fontes inesgotáveis de valores. A construção de pontes interculturais foi uma consequência pouco visível no trabalho deste grande ator da contemporaneidade”.
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