quarta-feira, 26 de agosto de 2009

O legado do diplomata-filósofo Sérgio Vieira de Mello

A partir desse ano, no dia 19 de agosto será celebrada a Jornada Humanitária Mundial em homenagem a todos aqueles que sacrificaram suas vidas no serviço humanitário aos mais necessitados, às vítimas das guerras e catástrofes naturais nos mais longínquos e desconhecidos cantos do nosso planeta. Essa data não foi escolhida por acaso, pois nessa quarta-feira, dia 19 de agosto, recorre o sexto aniversário da morte de Sérgio Vieira de Mello, o diplomata brasileiro que, em 2003, morreu junto com outros 21 funcionários da Onu, em um ataque terrorista em Bagdá, capital do Iraque. Com o apoio do Brasil, França, Japão, Suécia e Suíça, a Fundação Sérgio Viera de Mello convenceu a Assembleia Geral da ONU, em dezembro passado, a instituir a Jornada Humanitária Mundial para que o legado de pessoas como Sérgio Vieira de Mello não fosse esquecido.

Sérgio Vieira de Mello trabalhou 33 anos nas Organizações das Nações Unidas. Nascido no Rio de Janeiro em 1948, formado na Universidade Sorbonne, em Paris, começou a trabalhar aos 21 anos junto ao Alto Comissariado para os refugiados da ONU, em Genebra, na Suíça. Participou de operações humanitárias em países marcados por graves conflitos como Sudão, Chipre, Moçambique, Peru, Líbano, Camboja. Em 1999, foi representante do secretário-geral da ONU no Kosovo. Na mesma função, trabalhou para a resolução do conflito no Timor Leste.

Em 2002, em reconhecimento do seu brilhante trabalho, foi nomeado Alto Comissário dos Direitos Humanos da ONU. No ano seguinte, decidiu afastar-se temporariamente desta função para atuar como representante especial do secretário-geral da ONU, no Iraque, no contexto da invasão americana do país. Objetivo da missão da ONU era trabalhar para restabelecer a paz e ajudar o país a construir um governo democrático após o fim do conflito. Seu serviço no Iraque durou somente quatro meses. Morreu durante o atentado do dia 19 de agosto de 2003.

Sérgio de Mello, além de diplomata, era filósofo e gostava de aplicar a filosofia à diplomacia. Filósofo kantiano, ele defendia a tese segundo a qual o princípio filosófico básico que deveria orientar as relações humanas e entre os Estados era o da intersubjetividade, ou a capacidade de pôr-se no lugar dos outros – mesmo como transgressores. Na sua biografia, lemos uma frase muito significativa de Sérgio: “Se pudéssemos ajudar cada indivíduo a ampliar a capacidade de adotar a perspectiva do outro, os filósofos poderiam contribuir para provocar uma conversão”. E não mediu esforços em difundir a ideia de que a ONU deveria ser um “casulo em que se poderia tecer pacientemente acordos e formas possíveis de harmonia”. Provavelmente ele herdara esta concepção sobre a ONU do pensamento do filósofo alemão Immanuel Kant que, em 1795, escreveu uma obra chamada “Projeto de Paz Perpétua”. Nela, Kant propôs, profeticamente, a constituição de uma organização voltada à coexistência pacífica entre todos os povos, onde a ideia da razão prática opunha-se ao estado natural propenso aos conflitos.

A atuação de Sérgio Vieira de Mello era inspirada nos princípios kantianos de busca da paz por meio de uma ordem multilateral. O professor Jacques Marcovitch, ex-reitor da USP, assim descreve a atuação de Vieira de Mello: “Este brasileiro tão preocupado com a consciência do mundo acreditou na força das ideias, da palavra, do convencimento, excluída qualquer mediação de poderes. O seu grande instrumento de trabalho, em todos os momentos, foi a interlocução construtiva e harmoniosa. O diálogo, mais que iniciativa política, é doação ética. Por meio dele uma parte recebe de outra o fruto da meditação solitária e inteligente. É desta forma que se impede a ressurreição da barbárie e materializa-se o ideal da alteridade. Os outros podem ser o inferno de cada um, como queria Sartre? Sim, mas os outros também podem representar, no intercâmbio de opiniões e ideias, fontes inesgotáveis de valores. A construção de pontes interculturais foi uma consequência pouco visível no trabalho deste grande ator da contemporaneidade”.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O povo filipino despede-se de sua amada Cory Aquino

No último sábado, dia 1º de agosto, morreu Corazón Aquino, aos 76 anos, mais conhecida como Cory Aquino. Ela foi a primeira mulher a assumir a presidência de um país asiático e liderou com sucesso, em 1986, a revolta política que devolveu a democracia ao povo filipino. Filha de uma família muito rica, após ter estudado nos Estados Unidos, casou-se, em 1954, com Benigno Aquino.

Nos anos seguintes, acompanhou de perto a brilhante carreira política do esposo, desempenhando ao mesmo tempo seu papel de mãe de cinco filhos. Em 1973, o ditador Ferdinando Marcos proclamou a lei marcial e mandou prender seus opositores políticos entre os quais estava Benigno Aquino que ficou preso por sete anos. Em 1980, quando da liberação de Benigno, a família Aquino emigrou nos Estados Unidos, onde permaneceu por três anos. Em 1983, Benigno Aquino e sua família decidiram retornar ao seu país com a esperança de poder vencer as eleições presidenciais previstas para o ano seguinte.

Mas, assim que Benigno desceu do avião, foi assassinado. Em vez de se fechar em sua dor, Cory Aquino decidiu enfrentar o ditador Marcos, organizando um forte movimento de oposição. Com efeito, logo após a morte do esposo, ela declarou: “O que é mais importante é que ele não morreu em vão e que seu sacrifício certamente despertará o povo filipino de sua apatia e indiferença”. O povo filipino decidiu apoiar a coragem dessa extraordinária mulher.

Em 1986, Cory apresentou-se como candidata, disputando a presidência do país contra o regime ditatorial do então presidente Marcos. Diante do sucesso eleitoral de sua adversária política, Marcos procurou manipular os resultados eleitorais e proclamou-se vencedor, apostando sua vitória mais uma vez na repressão militar de seus opositores, e não no apoio popular. Cory Aquino não se deixou intimidar. Escolheu o caminho da não violência e, apoiada pelo então Cardeal Sin, liderou uma revolução diferente, a “revolução dos rosários”, ou, como foi chamada depois, “A revolução do poder popular”. Tal revolução conseguiu conquistar até o exército.

As tropas militares decidiram abandonar o ditador Marcos e apoiar a revolta popular. Cory Aquino governou o país até 1992, atuando politicamente em favor da pacificação do país. Buscou o diálogo com os guerrilheiros comunistas e com os grupos muçulmanos do sul do país, liberou prisioneiros políticos e devolveu a liberdade ao povo filipino, instaurando um regime democrático. Permaneceu firme no governo do país mesmo diante das várias tentativas de golpes de Estado, dirigindo o país de forma honesta, combatendo a corrupção e as tentativas de monopólio de poder por parte das ricas famílias tradicionais do país.

Pela sua atuação política, Cory Aquino foi indicada, em 1986, ao Prêmio Nobel da Paz e recebeu vários reconhecimentos internacionais pela luta em defesa dos direitos humanos e da paz. Mesmo após deixar a presidência do país, não abandonou seus ideais políticos e, em 1997, destacou-se por liderar um novo movimento popular contra o então presidente Fidel Ramos, acusado de querer instaurar uma nova ditadura nas Filipinas.

Nesses dias, vários líderes mundiais homenagearam Cory Aquino, reconhecendo a importância de seu legado político. O presidente Barack Obama evidenciou que “a coragem, a determinação e a liderança moral de Cory Aquino são uma inspiração e mostra o melhor do povo filipino”. A atual presidente das Filipinas, Glória Arroyo, proclamou luto nacional por dez dias. O povo filipino acorreu numeroso diante do corpo de sua líder, que foi muito escutada e amada no país. A ela será dedicado um curso de estudos destinado a lembrar sua incontestável contribuição política em favor da paz e da democracia.