quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Os Brics e a inclusão qualitativa

Logo após a Copa do Mundo o Brasil foi sede da sexta Cúpula do grupo dos Brics, que reuniu em Fortaleza e Brasília, em 15 e 16 de julho, os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, da Índia, Nerendra Modi, da China, Xi Jinping, da África do Sul, Jacob Zuma, com a anfitriã Dilma Rousseff

É a segunda vez que o Brasil recebe os presidentes dos países que formam este agrupamento que vem fortalecendo seus laços de cooperação há poucos anos e de forma inesperada.
Quando, em 2001, o economista Jim O’Neill, do Banco de Investimentos Americanos Goldman Sachs, trabalhando numa previsão do futuro cenário econômico internacional, inventou o acrônimo Bric (que lembra tijolo, em inglês brick), reunindo as iniciais de quatro países que ocupariam nos anos seguintes uma posição de relevância no cenário econômico mundial: Brasil, Rússia, Índia e China, não poderia imaginar que tal acrônimo pudesse ganhar vida própria.
Ele baseou sua previsão na análise das médias históricas de crescimento, além do fato de que os quatro países possuíam elementos comuns, como grande extensão territorial, tamanho de suas populações e liderança regional.
Contudo, foi apenas cinco anos depois, em 2006, que os quatro se reuniram pela primeira vez, de maneira informal, às margens da 61ª Assembleia Geral da ONU, começando a discutir sobre temas de interesse comum. Com a crise econômica mundial de 2008, os quatro países decidiram de vez tentar transformar um simples acrônimo, cunhado por acaso, em um grupo com uma agenda internacional comum em nível regional e global. É importante lembrar que as relações entre Brasil, Rússia, China e Índia não partiram da estaca zero. Entre eles já existiam relações políticas e econômicas relevantes, mas não como grupo.
Em 2009, realizou-se a primeira Cúpula, na cidade russa de Ekaterimburgo. No ano seguinte, foi a vez do Brasil hospedar o segundo encontro, durante o qual o então presidente Lula apresentou a proposta de convidar a África do Sul para integrar o grupo. A sugestão foi aceita e na 3ª Cúpula, realizada em 2011, na China, de Bric, o grupo passou a ser conhecido como Brics.

Por que a África do Sul?

O ingresso da África do Sul suscitou vários debates, pois o país não possuía nem a grande extensão territorial, nem a grande população do resto dos integrantes do grupo.
Além do fato de a África do Sul ser um dos países mais desenvolvidos do continente africano, uma potência econômica e a maior exportadora de minérios e produtos manufaturados do continente, as razões da sua inserção encontram-se no reconhecimento por parte do grupo da necessidade de ter uma maior representatividade geográfica. O professor Paulo Visentini, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), considerou o convite como a “sinalização da busca de democratização da governança global, pois a entrada da África do Sul reforçou a intenção do grupo de se tornar um fórum de cooperação e diálogo transcontinental sul-sul, uma vez que conta com os principais países emergentes do sul político”.
Através dos Encontros Anuais do grupo, que não consistem apenas nas mais divulgadas Cúpulas dos Líderes dos cinco países do grupo Brics, mas em uma agenda anual que prevê encontros em todos os níveis, dos Ministros das Relações Exteriores aos Ministros da Fazenda, dos Fóruns Empresariais aos Fóruns Acadêmicos, para citar os mais conhecidos, o grupo foi a cada ano definindo melhor seus objetivos. As últimas duas Cúpulas foram realizadas na Índia, em 2012, e na África do Sul, em 2013. Entre os temas discutidos nas Cúpulas os temas econômicos são os que mais vêm em evidência. Os países do grupo reiteram a necessidade por parte dos países emergentes de ter um papel maior em instituições financeiras internacionais. O compromisso comum que aparece nas várias Declarações conjuntas é de trabalhar “para reduzir os desequilíbrios no desenvolvimento econômico global e promover inclusão social”. Outros compromissos dizem respeito a temas políticos, como a construção de uma agenda política comum que ajude na construção de uma ordem internacional mais justa e representativa dos países que até hoje não possuem voz no cenário internacional. De fato, um dos objetivos principais do grupo é conseguir uma representatividade maior e uma voz política mais incisiva no âmbito da governança global por parte de seus integrantes.

Propostas concretas

Desde a Cúpula de 2012 os países do grupo começaram a pensar na viabilidade da criação de um Banco de Desenvolvimento, voltado para os países do Brics e outras economias emergentes e em desenvolvimento.
As expectativas para concretização dessa proposta nesta sexta Cúpula eram grandes. O título já era instigante – “Crescimento inclusivo: Soluções Sustentáveis”. O que até então era uma promessa se materializou na Cúpula brasileira. A criação do Banco dos Brics, chamado de Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) foi formalizada. Objetivo do banco será o financiamento de projetos de infraestrutura não apenas dos países membros do grupo, mas podendo favorecer também outros países em desenvolvimento. A cidade de Xangai, na China, vai ser a sede do novo Banco. A Índia indicará o primeiro presidente. O passo seguinte será a aprovação do Banco por parte dos Congressos dos países do grupo.
Além do Banco foi oficializada a criação de um Fundo anticrise, chamado de Arranjo Contingente de Reservas. É uma espécie de mecanismo de auxílio aos países que demandam ajuda em períodos de problemas financeiros. O embaixador Alfredo Graça Lima definiu tais criações como “instituições espelho” das instituições econômicas internacionais que já existem, como o FMI e o Banco Mundial. Essas novas criações não querem ser uma alternativa, mas vêm somar os esforços para garantir um crescimento de inclusão qualitativa dos Estados, especialmente os que ainda não possuem voz nas instituições financeiras tradicionais.
A formalização destas duas propostas confirma o compromisso dos países do grupo – presente nas Declarações Conjuntas de todas as Cúpulas – de ajuda aos países em desenvolvimento, apresentado como um processo intergovernamental inclusivo e transparente dentro do quadro mais amplo das atividades das Nações Unidas, referência para todos os países integrantes do grupo.
Em 2010, o então Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, afirmou que organizações como o grupo do Brics “estão ajudando a transformar o mundo. Mas não é de uma maneira tal que eles se tornem uma nova aristocracia. Não queremos ser uma elite dos países emergentes. O que queremos é contribuir para criar um mundo mais democrático, um mundo em que a voz de todos seja ouvida”.
Apesar de tais afirmações os Brics são alvo de desconfiança especialmente por parte dos países do “norte do mundo”: Estados Unidos e Europa, os que mais sofreram com as crises econômicas mundiais recentes e que com evidente dificuldade buscam defender a ordem internacional criada após a Segunda Guerra Mundial. Eles temem que o crescente impacto internacional desse novo grupo possa desestabilizar o atual cenário internacional em detrimento de um status quo até então favorável a eles.
Porém, buscando ler a evolução do grupo, fica claro que o objetivo não é perturbar os fundamentos de um sistema que permitiu sua emergência, mas, pelo contrário, participar de forma mais afirmativa de uma ordem mundial em transição, onde há espaço para rediscutir uma possível redistribuição do poder mundial de forma a defender critérios de representatividade mais justa principalmente para o sul global.

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