Logo
após a Copa do Mundo o Brasil foi sede da sexta Cúpula do grupo dos Brics, que
reuniu em Fortaleza e Brasília, em 15 e 16 de julho, os presidentes da Rússia,
Vladimir Putin, da Índia, Nerendra Modi, da China, Xi Jinping, da África do
Sul, Jacob Zuma, com a anfitriã Dilma Rousseff
É
a segunda vez que o Brasil recebe os presidentes dos países que formam este
agrupamento que vem fortalecendo seus laços de cooperação há poucos anos e de
forma inesperada.
Quando,
em 2001, o economista Jim O’Neill, do Banco de Investimentos Americanos Goldman
Sachs, trabalhando numa previsão do futuro cenário econômico internacional,
inventou o acrônimo Bric (que lembra tijolo, em inglês brick), reunindo as iniciais de quatro países que ocupariam nos
anos seguintes uma posição de relevância no cenário econômico mundial: Brasil, Rússia,
Índia e China, não poderia imaginar que tal acrônimo pudesse ganhar vida
própria.
Ele
baseou sua previsão na análise das médias históricas de crescimento, além do
fato de que os quatro países possuíam elementos comuns, como grande extensão
territorial, tamanho de suas populações e liderança regional.
Contudo,
foi apenas cinco anos depois, em 2006, que os quatro se reuniram pela primeira
vez, de maneira informal, às margens da 61ª Assembleia Geral da ONU, começando
a discutir sobre temas de interesse comum. Com a crise econômica mundial de
2008, os quatro países decidiram de vez tentar transformar um simples acrônimo,
cunhado por acaso, em um grupo com uma agenda internacional comum em nível
regional e global. É importante lembrar que as relações entre Brasil, Rússia, China
e Índia não partiram da estaca zero. Entre eles já existiam relações políticas
e econômicas relevantes, mas não como grupo.
Em
2009, realizou-se a primeira Cúpula, na cidade russa de Ekaterimburgo. No ano
seguinte, foi a vez do Brasil hospedar o segundo encontro, durante o qual o então
presidente Lula apresentou a proposta de convidar a África do Sul para integrar
o grupo. A sugestão foi aceita e na 3ª Cúpula, realizada em 2011, na China, de Bric,
o grupo passou a ser conhecido como Brics.
Por
que a África do Sul?
O
ingresso da África do Sul suscitou vários debates, pois o país não possuía nem
a grande extensão territorial, nem a grande população do resto dos integrantes
do grupo.
Além
do fato de a África do Sul ser um dos países mais desenvolvidos do continente
africano, uma potência econômica e a maior exportadora de minérios e produtos
manufaturados do continente, as razões da sua inserção encontram-se no
reconhecimento por parte do grupo da necessidade de ter uma maior
representatividade geográfica. O professor Paulo Visentini, da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), considerou o convite como a “sinalização
da busca de democratização da governança global, pois a entrada da África do
Sul reforçou a intenção do grupo de se tornar um fórum de cooperação e diálogo
transcontinental sul-sul, uma vez que conta com os principais países emergentes
do sul político”.
Através
dos Encontros Anuais do grupo, que não consistem apenas nas mais divulgadas
Cúpulas dos Líderes dos cinco países do grupo Brics, mas em uma agenda anual
que prevê encontros em todos os níveis, dos Ministros das Relações Exteriores
aos Ministros da Fazenda, dos Fóruns Empresariais aos Fóruns Acadêmicos, para
citar os mais conhecidos, o grupo foi a cada ano definindo melhor seus
objetivos. As últimas duas Cúpulas foram realizadas na Índia, em 2012, e na
África do Sul, em 2013. Entre os temas discutidos nas Cúpulas os temas
econômicos são os que mais vêm em evidência. Os países do grupo reiteram a
necessidade por parte dos países emergentes de ter um papel maior em
instituições financeiras internacionais. O compromisso comum que aparece nas
várias Declarações conjuntas é de trabalhar “para reduzir os desequilíbrios no
desenvolvimento econômico global e promover inclusão social”. Outros
compromissos dizem respeito a temas políticos, como a construção de uma agenda
política comum que ajude na construção de uma ordem internacional mais justa e
representativa dos países que até hoje não possuem voz no cenário
internacional. De fato, um dos objetivos principais do grupo é conseguir uma
representatividade maior e uma voz política mais incisiva no âmbito da
governança global por parte de seus integrantes.
Propostas
concretas
Desde
a Cúpula de 2012 os países do grupo começaram a pensar na viabilidade da
criação de um Banco de Desenvolvimento, voltado para os países do Brics e
outras economias emergentes e em desenvolvimento.
As
expectativas para concretização dessa proposta nesta sexta Cúpula eram grandes.
O título já era instigante – “Crescimento inclusivo: Soluções Sustentáveis”. O
que até então era uma promessa se materializou na Cúpula brasileira. A criação
do Banco dos Brics, chamado de Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) foi
formalizada. Objetivo do banco será o financiamento de projetos de
infraestrutura não apenas dos países membros do grupo, mas podendo favorecer também
outros países em desenvolvimento. A cidade de Xangai, na China, vai ser a sede
do novo Banco. A Índia indicará o primeiro presidente. O passo seguinte será a aprovação
do Banco por parte dos Congressos dos países do grupo.
Além
do Banco foi oficializada a criação de um Fundo anticrise, chamado de Arranjo
Contingente de Reservas. É uma espécie de mecanismo de auxílio aos países que
demandam ajuda em períodos de problemas financeiros. O embaixador Alfredo Graça
Lima definiu tais criações como “instituições espelho” das instituições
econômicas internacionais que já existem, como o FMI e o Banco Mundial. Essas
novas criações não querem ser uma alternativa, mas vêm somar os esforços para
garantir um crescimento de inclusão qualitativa dos Estados, especialmente os
que ainda não possuem voz nas instituições financeiras tradicionais.
A
formalização destas duas propostas confirma o compromisso dos países do grupo –
presente nas Declarações Conjuntas de todas as Cúpulas – de ajuda aos países em
desenvolvimento, apresentado como um processo intergovernamental inclusivo e
transparente dentro do quadro mais amplo das atividades das Nações Unidas,
referência para todos os países integrantes do grupo.
Em
2010, o então Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, afirmou que organizações
como o grupo do Brics “estão ajudando a transformar o mundo. Mas não é de uma
maneira tal que eles se tornem uma nova aristocracia. Não queremos ser uma
elite dos países emergentes. O que queremos é contribuir para criar um mundo
mais democrático, um mundo em que a voz de todos seja ouvida”.
Apesar
de tais afirmações os Brics são alvo de desconfiança especialmente por parte
dos países do “norte do mundo”: Estados Unidos e Europa, os que mais sofreram
com as crises econômicas mundiais recentes e que com evidente dificuldade
buscam defender a ordem internacional criada após a Segunda Guerra Mundial.
Eles temem que o crescente impacto internacional desse novo grupo possa
desestabilizar o atual cenário internacional em detrimento de um status quo até então favorável a eles.
Porém,
buscando ler a evolução do grupo, fica claro que o objetivo não é perturbar os
fundamentos de um sistema que permitiu sua emergência, mas, pelo contrário,
participar de forma mais afirmativa de uma ordem mundial em transição, onde há
espaço para rediscutir uma possível redistribuição do poder mundial de forma a
defender critérios de representatividade mais justa principalmente para o sul
global.