quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Raízes do conflito Geórgia-Rússia

No final da semana passada, enquanto a atenção mundial estava voltada à abertura espetacular dos Jogos Olímpicos de Pequim, em uma pequena região do Cáucaso eclodia mais um conflito regional. Tropas do exército da Geórgia invadiram o território da região autônoma da Ossétia do Sul - caracterizado por separatismos anti-georgianos - provocando a reação militar da vizinha Rússia. A região autônoma é ocupada por etnia filo-russa que representa 70% de sua população. Os 30% restantes são georgianos. Em 1991, a Ossétia do Sul já fora cenário de guerra civil. No ano seguinte, a região proclamou a própria independência da Geórgia. Contudo, tal ato unilateral não foi reconhecido por nenhum membro da comunidade internacional. Desde então, a população ossetiana do sul quer unir-se à vizinha Ossétia do Norte, que pertence à Federação Russa. A Geórgia tem no seu território outras duas minorias étnicas filo-russas, nas regiões de Adjária e de Abkházia. Os habitantes das três regiões autônomas são culturalmente mais próximos à Rússia que à Geórgia. Com a Rússia, eles compartilham o idioma, o estilo de vida, tanto que receberam o passaporte russo e, conseqüentemente, o direito de voto nas eleições da Rússia. Poderíamos nos perguntar, então, porque eles não pertencem à Federação Russa? Para entender melhor a raiz do problema, ocorre voltar aos anos 20, na época do governo de Stalin. Ele planejava a construção de uma federação, liderada pela Rússia. Segundo seu projeto, a federação seria formada por Rússia, Ucrânia, Bielorússia e a região do Cáucaso (entre os países do Cáucaso estava a Geórgia, sua terra natal). Stalin considerava fundamental, para manter a liderança russa, a existência de conflitos étnicos nas próprias repúblicas integrantes da federação. Os conflitos étnicos dariam legitimidade ao governo centralizador de Moscou de intervir, inclusive militarmente, para defender os próprios interesses. Por tal motivo, em 1921, quando Stalin invadiu a Geórgia, ele anexou ao país invadido a Ossétia do Sul e a Abkházia, cujas populações odiavam os georgianos. Com a desintegração da URSS, as fronteiras já existentes foram respeitadas, sem levar em conta a vontade das populações. A Geórgia tornou-se uma nação independente. Nos primeiros anos, após a dissolução da União Soviética, ela foi liderada por um presidente de direita e extremamente nacionalista, que afastou o país da Rússia, recusando-se a integrar na Comunidade de Estados Independentes (CEI), liderada por Moscou e formada por ex-repúblicas soviéticas.

Durante a década de 1990, após o fim da guerra civil, a situação se manteve estável. A Rússia atravessava sérios problemas econômicos e políticos e, por isso, dedicou mais atenção à política interna que à externa. Todavia, com a eleição de Vladimir Putin, em 2000, a situação mudou. O presidente Putin lutou pela reafirmação da Rússia como potência regional forte e estável, reforçando sua influência política nos países vizinhos, e despertando, com isso, tensões que pareciam adormecidas. O apoio às minorias étnicas filo-russas foi parte do planejamento político de Putin. A situação na Geórgia agravou-se com a eleição do presidente Mikhail Saakashvili, em 2004. Saakashvili, logo após sua eleição, deixou claro que o seu objetivo era restabelecer o controle total de seu governo sobre as regiões separatistas da Ossétia dos Sul e da Abkházia. Ao mesmo tempo, ele manifestou o desejo que a Geórgia passasse a fazer parte da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), pedindo aos Estados Unidos ajuda para modernizar suas tropas. Naturalmente, os Estados Unidos acolheram imediatamente o convite georgiano, enviando mais de mil militares americanos que, no contexto da guerra ao terrorismo, estabeleceram-se no território georgiano. A presença e o apoio americano à Geórgia agravaram a sensação de perigo por parte da Rússia de se ver cercada por forças americanas já presentes na Ucrânia. Além disso, no território da Geórgia passam os oleodutos e gasodutos para o Ocidente, o que tornou este país filo-ocidental um país estrategicamente importante. A Rússia manifestou várias vezes sua oposição à expansão da OTAN rumo ao seu território. Talvez seja por isso que reagiu com tanta dureza à invasão georgiana da Ossétia do Sul, território sob sua proteção mais moral do que militar. Certamente, num conflito, as responsabilidades nunca estão de um lado só, mas, neste caso, os analistas internacionais estão de acordo em afirmar que Saakashvili errou os cálculos. A Rússia deixou claro que não abandonará os ossetianos filo-russos. Nas Olimpíadas, o abraço, no pódio, entre uma atleta georgiana e uma atleta russa, no último domingo, pareceu-me um sinal de esperança para a resolução definitiva do conflito.

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