Recorreu ontem, 19 de agosto, o 5º aniversário da morte de Sérgio Vieira de Mello, diplomata brasileiro morto com outros 21 funcionários das Nações Unidas durante um atentado terrorista contra a sede da ONU, em Bagdá, no Iraque. Nascido no Rio de Janeiro, filho de diplomata, estudou filosofia em Paris. Aos 21 anos, já trabalhava na ONU. Durante os 33 anos como funcionário das Nações Unidas, atuou principalmente junto ao Alto Comissariado para os refugiados da ONU, em Genebra, na Suíça. Participou de operações humanitárias em países marcados per graves conflitos, como Sudão, Bangladesh, Chipre, Moçambique e Peru. Nos anos 80, o reconhecimento oficial do seu brilhante serviço diplomático e humanitário veio por meio da nomeação a conselheiro político sênior das forças da ONU no Líbano. Nos anos 90, trabalhou com os refugiados do Camboja. Em 1999, Sérgio foi enviado ao Kosovo, onde assumiu a função de representante especial do secretário geral da ONU. Na mesma função, trabalhou para a resolução do conflito no Timor Leste, ajudando, sempre em cooperação com o povo timorense, a construir as bases do novo estado e promover o retorno de milhares de refugiados. Permaneceu no país até 2002, quando o Timor Leste proclamou sua independência. Naquele ano, foi nomeado alto comissário de direitos humanos da ONU. Em 2003, porém, afastou-se desta função para atuar como representante especial do secretário-geral da ONU, no Iraque, no contexto da invasão americana ao país. Objetivo da missão da ONU era trabalhar para restabelecer a paz e ajudar o país a construir um governo democrático após o fim do conflito. Mesmo percebendo que esta missão teria sido particularmente difícil, Sérgio Vieira de Mello aceitou o desafio. Contudo, seu serviço no Iraque durou somente quatro meses. O atentado do dia 19 de agosto de 2003 colocou fim a uma vida de dedicação em prol da paz e da solidariedade humana. Pelas peculiaridades de sua atuação internacional, Sérgio Vieira de Mello pode ser definido como um intelectual orgânico das relações internacionais. O conceito de intelectual orgânico surgiu nas primeiras décadas do século 20, por meio de Antonio Gramsci, escritor, jornalista e político italiano perseguido e morto pela ditadura fascista. No intuito de definir qual deveria ser o papel dos intelectuais na sociedade, Gramsci identificou dois tipos de intelectuais: o primeiro era constituído pelos intelectuais tradicionais, entendidos como grupo autônomo e independente, distante das massas populares. O segundo tipo, cuja atuação ele defendia, eram os intelectuais cuja atividade e pensamento entrelaçava-se com o grupo social ao qual pertenciam. O adjetivo orgânico era devido ao fato de considerar tais intelectuais como parte de um organismo vivo, a sociedade onde viviam. Eram, portanto, não mais intelectuais relegados a uma elite isolada, mas intrinsecamente ligados às organizações políticas, culturais e sociais do seu tempo. Tais intelectuais deviam ser - segundo Gramsci - construtores, organizadores e educadores permanentes das massas populares, interligando sua ação política com seus conhecimentos. Sergio Vieira de Mello mergulhou de corpo e alma no seu trabalho, trocando a comodidade de um lugar seguro e burocrático pelo campo de batalha de países e populações devastadas pelo conflito e pela violência. Inspirado nos princípios filosóficos de Kant, Sergio Vieira de Mello acreditava na possibilidade do fim dos conflitos por meio da adoção de um direito cosmopolita regulador das relações internacionais. Colocou a serviço da comunidade internacional as suas habilidades de negociador, tentando dialogar também com os ditadores. Mesmo tendo consciência da fragilidade da organização pela qual trabalhava, procurou atuar, de forma realista, mas incisiva, pela defesa dos valores de relações internacionais marcadas pelo respeito e pela solidariedade. Segundo seus colegas de trabalho, Sérgio atuava uma “diplomacia silenciosa”, longe dos holofotes. O seu objetivo foi sempre aquele de trabalhar para construir bases sólidas de segurança global. Como intelectual orgânico, Sérgio Vieira de Mello foi protagonista ativo de sua história e da de muitos povos, ao qual ele dedicou, com generosidade e inteligência, a sua própria vida.
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