quarta-feira, 24 de setembro de 2008
A ONU, os direitos humanos e a jornada internacional da paz
Nestes dias, encontra-se reunida, em Nova York, a 63ª sessão anual da Assembléia Geral da ONU. No seu discurso de abertura da Assembléia, o presidente de turno, o nicaragüense Miguel D’Escoto Brockmann, ex-chanceler sandinista, pediu urgentemente a democratização das Nações Unidas e anunciou planos para revitalizar o poder desta Assembléia que reúne 192 nações. Tal pedido recebeu o apoio unânime dos membros da Assembléia, pois há anos discute-se a urgência de uma reforma da ONU, cuja estrutura, principalmente no que diz respeito ao seu Conselho de Segurança, não responde mais às necessidades do atual contexto internacional. A maior queixa dirigida à ONU é a falta de representatividade. Ela funciona com a mesma estrutura criada em 1945, após a Segunda Guerra Mundial. Nestes 63 anos, porém, o contexto internacional mudou e muito. Inúmeras nações, que naquela época estavam ainda sob o jugo colonial, conquistaram sua independência; terminou o bipolarismo que caracterizou a época da Guerra Fria e que dividia o mundo em dois blocos. Hoje os atores internacionais não são somente os Estados, há outros protagonistas no cenário internacional: organizações das sociedades civis, forças sociais e econômicas que não têm voz neste organismo de fundamental importância para a manutenção da paz mundial. A Organização das Nações Unidas está nas mãos de apenas 5 membros permanentes que detêm poder de veto (Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, China e Federação Russa) e que, ao mesmo tempo, estão entre os maiores produtores de armas. Seus interesses econômicos e geopolíticos condicionam a “neutralidade” na resolução de conflitos com outros países, impedindo a realização daquela que deveria ser a primeira tarefa desta Organização: a promoção dos direitos humanos.
Em 2001, quando os Estados Unidos invadiram arbitrariamente o Iraque, a ONU viveu sua maior crise de legitimidade. Parecia ter seus dias contados. Em sua defesa, ergueu-se o diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello. Mesmo reconhecendo a fraqueza da Organização pela qual trabalhava há mais de 30 anos, Sérgio lembrou a todos que a ONU permanecia o único instrumento capaz de re-introduzir normas de moralidade política no curso da história. Era necessária, segundo ele, a aplicação do Direito não somente no âmbito doméstico como também no internacional. Sérgio de Mello indicou os Estados como os principais responsáveis pela defesa dos direitos humanos, afirmando a necessidade de se colocar de uma vez por todas as pessoas no centro das atenções e preocupações da comunidade internacional. Os Estados teriam como obrigação resolver suas controvérsias de forma pacífica, de maneira a não ameaçar a paz e segurança internacionais. Tal é também o parecer do papa Bento XVI que, no dia 24 de agosto, após a eclosão da crise no Cáucaso, indicou “a força moral do direito” como caminho para “dirimir as controvérsias”.
Quando a ONU conseguir representar os interesses de todos os povos da terra, ela terá condições de desempenhar o papel pensado para ela por Sérgio Vieira de Mello: o de ser a voz da consciência do mundo.
quarta-feira, 17 de setembro de 2008
Crise na Bolívia - do separatismo ao diálogo nacional
A Bolívia, um dos países mais pobres da América Latina, está enfrentando há algumas semanas uma grave crise interna, que causou a morte de mais de 30 pessoas. Crises desta natureza não são novidade na Bolívia. O país tem uma longa tradição de instabilidade governativa. Desde sua independência da Espanha, ocorrida em 1825, até o fim da última ditadura militar, em 1982, o país enfrentou 193 golpes de estado.
A Bolívia sempre sofreu com um nível de desigualdade muito alto. A pobreza atinge, sobretudo, as populações indígenas, enquanto a minoria branca - que constitui a elite empresarial - detém o monopólio das riquezas naturais da Bolívia. Esta rivalidade entre as populações indígenas e a minoria branca remonta à época do domínio espanhol quando a maioria da população autóctone foi reduzida ao estado de escravidão ou obrigada a trabalhar como mão-de-obra barata. Ao longo de sua história, novos dominadores estrangeiros ocuparam o lugar dos espanhóis em terras bolivianas: atualmente são as empresas multinacionais que desfrutam da riqueza natural do território, principalmente petróleo e gás natural, recursos localizados na região oriental do país, chamada de meia-lua pela sua configuração geográfica.
A economia boliviana cresceu somente em um lado do país, deixando o outro sem recursos e fontes de sustento. Com efeito, em 1990, o governo do presidente Sanchez de Lozada decidiu fechar as minas do país e colocou fortes restrições ao cultivo da coca, seguindo indicações norte-americanas. Na época do estabelecimento da democracia, o país aproximou-se dos Estados Unidos, que fizeram da Bolívia uma de suas bases na América Latina. A situação mudou, porém, com a chegada de Evo Morales - o primeiro presidente índio, de etnia aymara. Desde o início de seu governo, o principal objetivo de Morales foi lutar pela nacionalização dos recursos energéticos do país e, consequentemente, pela defesa dos direitos das populações indígenas que, até então, não puderam beneficiar-se das riquezas naturais do seu próprio país.
As manifestações violentas destas últimas semanas foram sinais da forte oposição da elite empresarial às tentativas de Morales de redistribuição da riqueza. Os governadores das províncias rebeldes, que reclamam a autonomia administrativa do governo central, indicaram como principais motivos dos protestos a rejeição do aumento dos impostos sobre os hidrocarbonetos, em favor de um projeto social do governo central, e a recusa de uma nova Constituição que, segundo os governadores oposicionistas, teria sido elaborada pela Assembléia Constituinte sem a presença de representantes de suas províncias.
Tal Constituição – que deverá ainda ser aprovada por referendum popular – prevê maior autonomia das populações indígenas e mais poder para os movimentos sociais. A Constituição prevê também a redução das propriedades fundiárias que estão localizadas principalmente nas províncias oposicionistas. Diante de tal perspectiva, as províncias que possuem já um poder econômico invejável tentaram agregar também poder político, o que lhes facilitaria para salvaguardar seus interesses econômicos. A província de Santa Cruz de la Sierra, onde há forte oposição, detém 1/3 do PIB boliviano, gerando 40% dos impostos arrecadados pelo Estado. O preconceito étnico, os interesses econômicos e políticos, nacionais e internacionais arriscam manter a Bolívia numa situação de instabilidade política que impede seu crescimento econômico e social.
Os efeitos da atual crise atingiram também o âmbito internacional, pela ruptura das relações diplomáticas com o governo dos Estados Unidos, acusado de fomentar a divisão entre as regiões mais desenvolvidas e o governo central. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, quis imediatamente demonstrar sua solidariedade ao presidente Morales, expulsando o embaixador americano na Venezuela e oferecendo ajuda militar ao país vizinho. Evo Morales, porém, recusou tal ajuda e preferiu escolher a estrada do diálogo com os governadores das províncias oposicionistas. Nesta segunda-feira, maravilhou-se em receber o apoio de todos os países integrantes da Unasul, que condenaram as manifestações violentas e reconheceram a integridade do território boliviano. Tomara que a opção de Morales pelo diálogo e o apoio da Unasul convençam as províncias da meia-lua a trocar o estéril separatismo pelo crescimento para todos os bolivianos, de todas as raças.
quarta-feira, 10 de setembro de 2008
Eleições no Paquistão
quarta-feira, 3 de setembro de 2008
A ditadura das castas
No dia 29 de agosto, as 25 mil escolas católicas da Índia fecharam por 24 horas em protesto contra a onda de violência que envolveu, nas últimas semanas, a população cristã e seus missionários, no Estado de Orissa, situado no leste da República Indiana, junto ao Golfo de Bengala. Igrejas, hospitais e orfanatos cristãos foram destruídos, missionários foram espancados, uma moça que trabalhava num orfanato cristão foi queimada viva. Um padre e uma religiosa, após serem agredidos, foram desnudados e feitos desfilar diante do povo. Mais de 8.000 pessoas tiveram suas casas queimadas. Os autores de tal barbárie são membros de uma organização fundamentalista hindu (Vishwa Hindu Parishad).
Já no ano passado, na véspera do Natal, membros desta organização, liderada por Swami Laxmanananda Saraswati, atacaram uma comunidade cristã. Oito meses após o ataque, no dia 23 de agosto deste ano, o líder hindu foi assassinado por grupos maoístas, na véspera da recorrência do nascimento de Krishna. Os fundamentalistas usaram a morte de seu líder como pretexto para culpar os cristãos, acusando-os de ter se vingado pelo ataque do ano passado. Em seguida, os extremistas hindus atacaram simultaneamente 35 centros cristãos do Estado de Orissa. A polícia não conseguiu conter os atos de violência. O governo do Estado é formado por uma coligação sustentada pelo partido fundamentalista hindu.
Atualmente, a Índia é considerada a maior democracia do mundo. O país oferece centro de excelência na área de tecnologia de informação, exportando seus engenheiros ao mundo inteiro. Porém, o progresso tecnológico e político não conseguiu livrá-la de uma corrupção galopante que se alastra em todo seu território, e que mantém impunes graves atos de violência como os que aconteceram em Orissa.
Na Índia, a modernidade convive com o sistema milenar das castas, que impede a maioria dos indianos de melhorar as próprias condições de vida. A discriminação de casta é proibida pela Constituição, mas rege a vida de 80% de sua população. Cada casta vive separada das outras. O membro de uma casta é definido pelo nascimento. Não se pode mudar de casta ou subir na escala social. Quem rompe tais regras é banido de seu grupo e perde o direito ao trabalho. Quatro eram as castas tradicionais: a casta alta, constituída pelos sacerdotes (brâmanes); a casta constituída pelos guerreiros, que se ocupavam da segurança do povo (kshatriyas); a dos comerciantes (vaishyas); e, por último, a casta formada pelos agricultores (sudras). Além do sistema de divisão da sociedade hinduísta em castas, há, também, os fora da casta (os excluídos) considerados impuros, chamados também de Dalit, e os tribais ou Advasi, ambos usados como escravos pelas castas nobres.
A população do estado de Orissa é constituída por 40% de tribais e Dalit, razão que explica o fato de Orissa ser um dos estados mais subdesenvolvidos da Índia. As comunidades cristãs, nestes últimos anos, ocuparam-se justamente daqueles que os hinduístas consideram impuros e, por isso, nem podem ser tocados. Ofereceram-lhes educação, ajudando-os a reencontrar sua dignidade e suas potencialidades. Graças a esta ajuda, eles começaram a reivindicar seus direitos, recusando a exploração e a opressão econômica e social das castas mais altas. De fato, em todas as localidades de Orissa onde estão presentes instituições cristãs, nos últimos anos foi registrado certo progresso socioeconômico, mudanças sociais recusadas pelo sistema cristalizado das castas hinduístas. Os cristãos foram acusados de usar meios fraudulentos para conseguir prosélitos e convencer os habitantes da região a se converter. Na realidade, as conversões foram poucas. O número de cristãos é inferior a 1% da população de Orissa. Mas eles precisam encontrar desculpas para combater o que mais incomoda os fundamentalistas hindus: a perda do controle sobre o sistema milenar de castas. Nos últimos anos, o grupo dos fanáticos e dos intolerantes hindus parece estar ganhando força no território indiano. Contudo, muitas pessoas, não somente cristãs, mas também de outras religiões - budistas, muçulmanos, e, também, grupos hinduístas que não compartilham o fanatismo e a intolerância dos seus correligionários -, demonstraram solidariedade e apoio às vitimas cristãs. Se alguma culpa os cristãos tiveram, foi somente aquela de ter devolvido um pouco de esperança aos que não tinham mais esperança, ajudando-os, após tanto sofrimento e opressão, a enxergar uma luz de igualdade no fim do túnel.