quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Crise na Bolívia - do separatismo ao diálogo nacional

A Bolívia, um dos países mais pobres da América Latina, está enfrentando há algumas semanas uma grave crise interna, que causou a morte de mais de 30 pessoas. Crises desta natureza não são novidade na Bolívia. O país tem uma longa tradição de instabilidade governativa. Desde sua independência da Espanha, ocorrida em 1825, até o fim da última ditadura militar, em 1982, o país enfrentou 193 golpes de estado.

A Bolívia sempre sofreu com um nível de desigualdade muito alto. A pobreza atinge, sobretudo, as populações indígenas, enquanto a minoria branca - que constitui a elite empresarial - detém o monopólio das riquezas naturais da Bolívia. Esta rivalidade entre as populações indígenas e a minoria branca remonta à época do domínio espanhol quando a maioria da população autóctone foi reduzida ao estado de escravidão ou obrigada a trabalhar como mão-de-obra barata. Ao longo de sua história, novos dominadores estrangeiros ocuparam o lugar dos espanhóis em terras bolivianas: atualmente são as empresas multinacionais que desfrutam da riqueza natural do território, principalmente petróleo e gás natural, recursos localizados na região oriental do país, chamada de meia-lua pela sua configuração geográfica.

A economia boliviana cresceu somente em um lado do país, deixando o outro sem recursos e fontes de sustento. Com efeito, em 1990, o governo do presidente Sanchez de Lozada decidiu fechar as minas do país e colocou fortes restrições ao cultivo da coca, seguindo indicações norte-americanas. Na época do estabelecimento da democracia, o país aproximou-se dos Estados Unidos, que fizeram da Bolívia uma de suas bases na América Latina. A situação mudou, porém, com a chegada de Evo Morales - o primeiro presidente índio, de etnia aymara. Desde o início de seu governo, o principal objetivo de Morales foi lutar pela nacionalização dos recursos energéticos do país e, consequentemente, pela defesa dos direitos das populações indígenas que, até então, não puderam beneficiar-se das riquezas naturais do seu próprio país.

As manifestações violentas destas últimas semanas foram sinais da forte oposição da elite empresarial às tentativas de Morales de redistribuição da riqueza. Os governadores das províncias rebeldes, que reclamam a autonomia administrativa do governo central, indicaram como principais motivos dos protestos a rejeição do aumento dos impostos sobre os hidrocarbonetos, em favor de um projeto social do governo central, e a recusa de uma nova Constituição que, segundo os governadores oposicionistas, teria sido elaborada pela Assembléia Constituinte sem a presença de representantes de suas províncias.

Tal Constituição – que deverá ainda ser aprovada por referendum popular – prevê maior autonomia das populações indígenas e mais poder para os movimentos sociais. A Constituição prevê também a redução das propriedades fundiárias que estão localizadas principalmente nas províncias oposicionistas. Diante de tal perspectiva, as províncias que possuem já um poder econômico invejável tentaram agregar também poder político, o que lhes facilitaria para salvaguardar seus interesses econômicos. A província de Santa Cruz de la Sierra, onde há forte oposição, detém 1/3 do PIB boliviano, gerando 40% dos impostos arrecadados pelo Estado. O preconceito étnico, os interesses econômicos e políticos, nacionais e internacionais arriscam manter a Bolívia numa situação de instabilidade política que impede seu crescimento econômico e social.

Os efeitos da atual crise atingiram também o âmbito internacional, pela ruptura das relações diplomáticas com o governo dos Estados Unidos, acusado de fomentar a divisão entre as regiões mais desenvolvidas e o governo central. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, quis imediatamente demonstrar sua solidariedade ao presidente Morales, expulsando o embaixador americano na Venezuela e oferecendo ajuda militar ao país vizinho. Evo Morales, porém, recusou tal ajuda e preferiu escolher a estrada do diálogo com os governadores das províncias oposicionistas. Nesta segunda-feira, maravilhou-se em receber o apoio de todos os países integrantes da Unasul, que condenaram as manifestações violentas e reconheceram a integridade do território boliviano. Tomara que a opção de Morales pelo diálogo e o apoio da Unasul convençam as províncias da meia-lua a trocar o estéril separatismo pelo crescimento para todos os bolivianos, de todas as raças.

Nenhum comentário: