quarta-feira, 22 de julho de 2009

Mudança de estratégia no Afeganistão

Na semana passada, na TV italiana, assisti à transmissão do funeral de um jovem soldado italiano de apenas 25 anos, morto no Afeganistão no último dia 14 de julho, num atentado organizado pelos talibãs. Poucos dias depois, o jornal transmitiu o vídeo de um soldado americano, de 23 anos, sequestrado pelo mesmo grupo em dezembro passado. No vídeo, o jovem americano, após pedir a retirada imediata das tropas americanas do Afeganistão, falou da saudade que sentia de sua casa, de sua família e do medo de não poder nunca mais abraçar seus pais. Nesses oito anos de ocupação militar do país, a Grã Bretanha perdeu no Afeganistão mais de 100 militares, mais do que no Iraque.

As tropas estrangeiras chegaram em 2001, após a intervenção militar organizada pelos Estados Unidos, com o objetivo de derrubar a ditadura dos talibãs. Foi uma “guerra do criador contra sua criatura”, como a definiu o professor Visentini, internacionalista que muito sabiamente desde então já alertava que “derrubar os talibãs não levaria ao fim desta guerra”. Com o fim do regime dos talibãs, o país ganhou um pouco mais de liberdade. As meninas puderam voltar à sala de aula, as jovens não são mais obrigadas a vestir os pesados burka, mas ainda há muitas mulheres que não têm liberdade e sofrem violência dentro da própria casa. A população afegã que apostava num futuro melhor para o país ficou decepcionada. O país continua sendo um dos mais pobres do mundo.

Faltam água e energia elétrica, racionadas até na capital. O estado oferece poucas escolas. As demais são abertas graças à obra incansável de associações privadas que trabalham em favor da população afegã. Num relato de alguns estrangeiros que vivem no Afeganistão, publicado no site Ásia News nessa semana, destacava-se a indiferença dos afegãos diante das tantas mortes de soldados ocidentais. “Infelizmente, a morte virou uma rotina para eles”, sublinhava a fonte de Ásia News, lembrando que no país uma em cinco crianças morre antes de completar o quinto ano de vida. A eleição do presidente Karzai, em 2004, candidato apoiado pelos Estados Unidos, não trouxe grandes mudanças. Seu governo demonstrou-se politicamente muito fraco, incapaz de reagir às ações nefastas dos senhores da guerra, presentes no próprio parlamento e que agem em favor dos próprios interesses econômicos.

Dentro desse quadro, muitos se perguntam sobre a eficácia da presença dos militares ocidentais no Afeganistão. Apesar da imensa dor das famílias dos jovens soldados mortos ou sequestrados, a maioria dos governos ocidentais está ainda convicta que deixar o Afeganistão agora não seria uma solução satisfatória para ninguém. De outro lado, percebe-se a necessidade de uma mudança de estratégia. A força das armas, usada pelo governo Bush em 2001, não acabou com a guerra civil no país. Os soldados ocidentais são vistos com desconfiança pela população, assim como os representantes estrangeiros das Nações Unidas que os afegãos observam todo dia passar em seus carros de luxo nas ruas pobres de Cabul.

Tais missões chamadas “humanitárias” muitas vezes não conseguem atingir os objetivos prefixados, permanecendo distantes da população. Na sua longa experiência de representante da ONU em regiões de conflito, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello várias vezes colocou em evidência o paradoxo de tal situação. Na sua biografia, por exemplo, lemos que, durante o conflito na Bósnia, Sérgio Vieira de Mello, não querendo permanecer confinado dentro do complexo seguro da ONU, tentou estabelecer uma ligação com as “ruas bósnias”.

A autora da biografia conta que, enquanto os disparos dos francoatiradores soavam nas tardes invernais, ele parecia despreocupado e raramente trajava o colete à prova de balas, fornecido pela ONU. “Como posso usar essa coisa”, reclamava Sérgio à sua intérprete, “quando você, sua família e os vizinhos andam por aqui sem nada?”. Para as eleições presidenciais do próximo dia 20 de agosto, Barack Obama quis garantir um processo eleitoral pacífico, aumentando o contingente militar no país. Ao mesmo tempo, porém, reconheceu que deve ser estabelecida uma nova forma de relação com a população afegã, trabalhando para que o país alcance sua autonomia o mais rapidamente possível.

Um comentário:

Raed disse...

O professor Visentini frisou bem quando qualificou a a crise no Afeganistão como "o criador contra sua criatura". O Talibã foi treinado, armado e preparado para lutar pela independência do Afeganistão contra a antiga URSS, rival dos EUA no campo político, tecnológico e militar na época.
Deixemos que o próprio país decida o rumo que deseja dar ao seu futuro político. Sem interferências eles se entendem.