quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Diante da grave crise financeira que está atravessando os Estados Unidos e, conseqüentemente, os países cuja economia está estritamente ligada à da superpotência, muitas hipóteses foram levantadas, profecias ousadas foram arriscadas. “É o fim do capitalismo”, lia-se em alguns jornais estrangeiros. “Acabou a democracia nos Estados Unidos”, escreviam outros. Entre tantos artigos, encontrei, no jornal italiano Il Sole 24 Ore, uma entrevista muito interessante feita a Paul Kennedy, historiador britânico professor da Universidade de Yale e autor do best-seller “Ascensão e Queda das Grandes Potências”. Nesta obra, de 1988, Paul Kennedy já previa a inevitabilidade do declínio daquela que ele chama de super-hiper-potência. Após vinte anos, ele confirmou seu pensamento sobre o futuro americano, mas, ao mesmo tempo, alertou contra prognósticos exagerados e dramáticos demais.

“Devemos distinguir”, explicou Kennedy, “entre declínio secular e incidentes de percurso por quanto sejam graves. A crise financeira de 2008 é dramática. Provoca uma nova rachadura nos pilares da super-hiper-potência americana. Prevejo que, em novembro, o Congresso permanecerá com forte maioria democrática e ganhará Barack Obama. Juntos, colocarão muitos esparadrapos naquelas rachaduras. Mas, quanto aconteceu, confirma o lento declínio estadunidense, não sua queda. A América não voltará mais aos níveis de grandeza de 1945, quando era o único país sólido após a Segunda Guerra mundial. O seu declínio vê a contemporânea ascensão de outras potências, como a China ou a Índia. Mas isto não mudará de imediato e em tempos rápidos o seu papel de grande potência”.

Segundo Kennedy, a história é clara: “As grandes potências estruturadas - como o império Otomano, aquele de Habsburgo ou o Britânico - não caíram de um dia para outro. Sofreram colapsos financeiros, derrotas militares, até humilhações, mas, depois, foram para frente por longo tempo”. Kennedy lembra que, no século passado, havia impérios sólidos e impérios “passageiros” - como o fascista, nazista, japonês e soviético - de breve duração justamente porque não possuíam uma base global econômica e política, diferentemente da América, que permanece hoje uma potência estruturada. “Há quem disse estupidamente”, continua Kennedy, “que com esta crise chegamos ao fim da democracia na América, ao fim do capitalismo como o conhecemos. Os exageros de sempre. Tais pessoas esquecem que os Estados Unidos possuem 700 bases militares no exterior e 200 mil soldados no mundo, além das tropas alinhadas no Irã e Afeganistão; possuem os melhores centros de pesquisas universitários; investem em pesquisa e desenvolvimento mais que qualquer outro; possuem um balanço militar anual de mais de 700 bilhões de dólares para 2008, valor equivalente ao pacote de ajudas. Esquecem que a América possui um perfil demográfico forte: a população cresce e a convivência entre as raças é sólida”.

Kennedy assegura que a democracia e o capitalismo americanos não estão ameaçados pela crise de Wall Street ou pela recessão que está chegando. Assim como a América não se tornará um país “socialista” após o pacote de ajudas e as nacionalizações como temem alguns republicanos da extrema direita ou como profetizam alguns ideólogos da esquerda na Europa. Assegura também que o capitalismo de mercado está destinado a permanecer o paradigma de fundo. Kennedy: “Eu acredito que Obama no final ganhará pela sua disciplina, coerência, liderança e pela crise econômica. Será ele o novo paradigma que regenerará a América. O impacto de uma sua vitória no mundo será enorme. Até inimaginável. A China não conseguirá entender, explicar-se aquela vitória; o Japão ficará perplexo; para o Irã e o Oriente Médio as cartas da política serão novamente distribuídas e misturadas. O passo para frente será grande. E, talvez, quem sabe, justamente naquele momento de nova fronteira reencontrada, a América poderá começar a entender que deverá ser seletiva no seu papel hegemônico. Não sei se Obama fará como Felipe II da Espanha”, conclui Kennedy, “mas, às vezes, para preservar o poder será preciso escolher algumas áreas de influência e renunciar a outras. Felipe II escolheu suas prioridades no cume do seu poder. E a sua permaneceu como grande lição para retardar o declínio de uma grande potência”.

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