quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Itália nas trevas - a democracia "discriminatória" da Liga do Norte

Tempos difíceis para o “Bel Paese”, o país do sol e do mar, meta sonhada por estrangeiros de todos os tempos e lugares. Ao invés da luz do sol, a Itália parece estar acometida por tempestades caracterizadas por ventos obscurantistas e retrógrados. O governo Berlusconi, que prometeu a ressurreição da economia italiana, está jogando seus compatriotas (metade dos quais acreditaram em suas promessas de felicidade e prosperidade), num reino de terror, medo e divisão.

Desde sexta-feira passada, dia 17 de outubro, as praças das principais cidades italianas, as universidades e as escolas são palcos de protestos inflamados contra a reforma do sistema escolar, obra da atual Ministra da Instrução, Maria Stella Gelmini. Reforma que, ao invés de dar esperança de melhoria para a já problemática situação da escola italiana, difundiu entre professores, gestores e alunos medo e desespero. Existem vários pontos polêmicos na reforma apresentada pelo governo Berlusconi: o retorno do professor único no ensino primário e médio; a unificação de escolas que tenham menos de 500 alunos (na Itália são cerca 2.600 com menos de 300 alunos) e de salas com menos de 16 alunos (atualmente são quase 50.000 as salas deste tipo), medidas que dizimarão os funcionários e professores. A reforma Gelmini prevê uma radical revisão dos ordenamentos escolares, a reformulação dos horários e linhas de estudo, e a reorganização da rede escolar com uma racionalização da utilização dos recursos humanos. A oposição denuncia que tais reformulações resultarão em cerca de 130.000 demissões entre professores e pessoal técnico-administrativo. Além disso, mais de 200.000 professores de escolas e universidades que trabalham há anos com contrato a tempo determinado perderão, com a reforma, a esperança de serem contratados definitivamente, pois, a partir deste ano, será contratado somente um professor a cada cinco docentes aposentados. Os sindicatos denunciam que os cortes na educação serão de 8 bilhões de euros, uma cifra absurda num país que destina à instrução somente 3% do PIB nacional. As universidades também não escaparam dos tentáculos perigosos da nova reforma. Os financiamentos públicos a elas destinados serão radicalmente reduzidos. A reforma dará a possibilidade (segundo alguns será obrigação) às universidades de se transformarem em Fundações de Direito Privado podendo (ou devendo?!) buscar capitais particulares para seu funcionamento. “É a morte da instrução pública”, reclamam os manifestantes. Realmente a situação é preocupante, considerando que a reforma da Instrução está estritamente ligada ao Ministério da Economia. Há quem diga que o verdadeiro criador da reforma seja Giulio Tremonti, Ministro da Economia. De fato, a reforma está ligada ao ministério por meio de uma cláusula de salvaguarda, segundo a qual se as escolas não conseguirem atuar os cortes previstos, receberão sempre menos recursos financeiros do Estado. Fica claro que a reforma não é movida pela vontade de melhorias pedagógicas, mas unicamente por motivos de caixa, o que resulta em uma proposta inaceitável por parte da população italiana.

Em meio a tal turbulência, uma moção do Partido da Liga Norte, aprovada pela Câmara de Deputados no dia 14 de outubro, provocou ainda mais indignação entre os italianos. Segundo a moção, crianças estrangeiras residentes que não superarem o teste de conhecimento da língua italiana não poderão estudar com as crianças italianas, mas deverão estudar em turmas separadas, chamadas “turmas-pontes”, para não atrapalharem o aprendizado dos alunos italianos. A Liga Norte, partido conhecido também pela xenofobia e tendências racistas, chamou tal proposta de política da “discriminação transitória positiva”. Pergunto-me se uma discriminação, mesmo “transitória” (?), possa ter qualquer valor numa democracia. Walter Veltroni, atual líder as oposição, afirmou que o governo Berlusconi esqueceu que o povo italiano é um povo de imigrados. Durante o fascismo, um sacerdote italiano, Padre Lorenzo Milani, escreveu criticando as políticas de discriminação: “Se vocês pensam de ter o direito de dividir o mundo entre italianos e estrangeiros, então eu vos direi que, segundo a vossa mesma lógica, eu não tenho Pátria e reivindico o direito de dividir o mundo em deserdados e oprimidos de um lado, e privilegiados e opressores de outro. Os deserdados são a minha Pátria, e os opressores são os meus estrangeiros”. Infelizmente, trata-se de uma reflexão que voltou a ser atual.

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