quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Itália: gente que vem, gente que vai

Há algumas semanas, encontro-me em uma pequena cidadezinha no interior da Itália. Cidade antiga, de quase dez mil habitantes com origens no Império Romano. Há pouco tempo descobriram, escavando em uma das ruas principais, trechos de uma estrada percorrida pelos romanos. Era o meu lugar de veraneio preferido durante minha infância e adolescência, terra de origem de minha mãe, e cidade onde escolhi casar. Nota-se, falando com seus habitantes, o orgulho de pertencer a uma cidade tão rica de história e tradições. Voltando aqui, após muitos anos de ausência, percebi algo diferente na cidade: nas lojas, nas ruas notei sotaques diferentes, principalmente de línguas eslavas. Conversando com as pessoas do lugar, eles sublinhavam que Amélia - este é o nome da cidadezinha - há alguns anos está recebendo imigrantes que escolheram a Itália para tentar uma vida melhor. Há décadas, as grandes cidades, como Roma, Milão, Florença, Turim, já de tradição cosmopolita, acolhem pessoas do mundo inteiro, mas nesses dias percebi que até as pequenas cidades do interior não escaparam aos olhos dos imigrantes. E como a Itália está reagindo a estas ondas de imigração proveniente principalmente dos países da África do Norte e do Leste Europeu? A reação dos italianos é muito variada. Há uma minoria que, se pudesse, fecharia literalmente as fronteiras italianas para barrar este fluxo contínuo de imigrantes. Felizmente, somente uma pequena parte da população italiana foi afetada por esta onda xenófoba. Os demais reclamam, sobretudo da falta de uma regulamentação da entrada dos imigrantes por parte do estado. Ninguém quer fechar as portas a pessoas que querem melhorar a própria situação trabalhando honestamente. O medo surge diante de pessoas que tentam ganhar a vida por meio do crime. Muitos fatos de crônica policial envolvem atualmente imigrantes, mesmo se não exclusivamente, e isto não favorece a sua aceitação, aumentando a desconfiança. Mas, daquilo que pude perceber, a Itália sempre manteve as portas abertas às necessidades das populações vizinhas. São muitos os centros de acolhida ao longo do litoral sul da Itália, assim como os tantos voluntários que ali trabalham ajudando os emigrantes que chegam na Itália, às vezes em condições miseráveis, superlotando barcos que transportam ilegalmente na escuridão das noites inteiras famílias que arriscam tudo em busca de um sonho. A maioria destes emigrantes consegue, com dificuldades, inserir-se na sociedade italiana. Muitos encontram emprego nas lavouras, nas colheitas de estação - as mulheres são muitas vezes empregadas como acompanhantes de pessoas idosas, que, devido ao baixo índice de natalidade do país, superam o número de crianças e jovens. As crianças são inseridas nas salas de aula, que se tornaram, nos últimos anos, sempre mais multirraciais. Lembro-me da primeira vez que veio na nossa sala uma menina africana. Foi um verdadeiro evento e lhe fizemos inúmeras perguntas. Queríamos saber tudo sobre ela, come se tivesse chegado de outro planeta. Hoje, as crianças italianas já estão acostumadas ao convívio com estrangeiros dentro do prédio ou na própria escola e aprendem que existem culturas com valores completamente diferentes dos seus, como é o caso das tradições muçulmanas, dos imigrantes norte-africanos. Refletindo sobre essas mudanças a partir da pequena e linda cidade onde estou agora, o meu pensamento voltou ao Brasil, onde moro há 11 anos. E logo percebi que o povo maravilhoso que se encontra no Brasil é o resultado da união de diferentes raças e culturas. O nosso próprio estado de Santa Catarina é exemplo típico da troca cultural entre italianos, alemães, portugueses, índios que deram vida a uma cultura riquíssima. Certamente, foi essa diversidade que tornou o povo brasileiro um dos mais amados no mundo. A Itália, que no século 19, pelas difíceis condições econômicas nas quais vivia, teve que encorajar a partida de milhares de filhos seus para o mundo, hoje transformou-se, junto com outros países da Europa, em um país receptor de imigrantes. Na Itália, as dificuldades de convivência são muitas, mas, talvez, se ela conhecesse melhor a experiência do Brasil, poderia ter a esperança que essas dificuldades seriam somente as sementes de uma nova cultura, de um novo povo mais rico e feliz.

Um comentário:

Unknown disse...

Profa Anna,
Vejo que na época atual a Itália, que é tão rica em sua historia, cultura e tradições, está servindo de celeiro para imigrantes. O Brasil que foi colonizado por imigrantes de todos os continentes do mundo e nós aqui da fronteira do Brasil com o Uruguai não poderíamos fugir à regra. Sant’Ana do Livramento foi povoada por índios, imigrantes europeus (Espanhóis e Italianos) e mais recentemente por Árabes. Possuímos uma história heróica e com uma economia muito rica. Hoje estamos empobrecidos economicamente e “gente vai” em busca de melhores oportunidades de vida e “gente vem” também com o mesmo ideal.Os habitantes de Amélia (Itália) e Sant’Ana do Livramento (RS-Brasil) parecem se assemelharem, estão de braços abertos para acolher as pessoas que a elas aportam.
Estela Fraga