quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Suharto: a morte de um ditador

No domingo passado, foi anunciada a morte de Suharto, ex-ditador da Indonésia. 86 anos, 32 dos quais passados a infernizar a vida de milhões de pessoas na Indonésia e, sobretudo, na ex-colônia portuguesa de Timor Leste. Quando minha filha de dez anos ouviu a notícia, comentou: “Ainda bem que morreu, ao menos parou de fazer mal às pessoas”. O comentário me fez sorrir mas, ao mesmo tempo, refletir sobre a vida desta pessoa.

Suharto governou a Indonésia de 1967 a 1998, o país muçulmano mais populoso do mundo. Em troca do crescimento econômico que a Indonésia alcançou durante a sua administração, ele deixou um rastro de sangue, uma herança feita de violação dos direitos humanos, de uso do dinheiro público para o beneficio de sua própria família e seus amigos. Invadiu a ex-colônia portuguesa de Timor Leste - cuja população é de maioria católica - impondo um governo muçulmano ditatorial. Não hesitou em sufocar no sangue os movimentos nacionalistas de protesto que tentavam acabar com o regime ditatorial. Na cerimônia fúnebre de um jovem nacionalista timorense, ele ordenou às suas milícias de atacar os participantes causando mortes e feridos entre a população civil. A ONU, que na ocasião, enviou uma força internacional, acusou o ditador de genocídio.

Durante uma viagem que fiz a Macau, em 2005, também ex-colônia portuguesa, conversei com um timorense sobre os efeitos da invasão do Timor Leste por parte das tropas de Suharto. Ele contou alguns fatos sobre o abuso e humilhação que sofriam os timorenses, mas também me falou de sua coragem em enfrentá-los. Lembro de um fato: um soldado de Suharto um dia pegou uma bandeira portuguesa e ordenou a um timorense de usá-la para limpar o carro sujo de lama. O timorense, pegou a bandeira, a beijou e dobrou com cuidado. Depois, tirou a própria camisa e limpou o carro. Um fato simples que revelou a força deste povo em defender a própria nação e, também, um país que não era o dele (Portugal), mas que evidentemente contou com a simpatia dos timorenses.

Suharto deixou o poder em 1998, quando, após a crise econômica da Ásia, os numerosos movimentos nacionalistas, que surgiram no país em favor da democracia, o obrigaram à demissão.

Durante o agravar-se de sua doença, as acusações de genocídio e de corrupção foram bloqueadas. Aliás, nos últimos tempos, até os seus adversários políticos chegaram a pedir ao atual presidente indonésio de perdoar o ex-ditador, ao contrário dos ativistas populares que assim rezavam: “Pedimos pela sua recuperação para que possa se apresentar diante da lei”. O problema da impunidade sob pretexto de velhice, doença, “compaixão” pode esconder outro problema sério: o não reconhecimento público dos crimes praticados pode abrir uma brecha à repetição dos mesmos. Alguns especialistas indonésios alertam que o pedido de “compaixão”, por parte dos seus adversários políticos, esconde a existência de fortes interesses no vértice político do país. Não querer se confrontar com os crimes do passado pode ser perigoso para o futuro do país.
No caso de Hitler, por exemplo, o genocídio por ele praticado foi reconhecido por toda a humanidade como crime hediondo. E é lembrado continuamente para que não seja repetido. Mas o caso de Mao, na China, para citar outro exemplo, é diferente. O governo comunista nunca quis admitir que Mao perpetrou um genocídio ainda mais grave que o de Hitler: quase 70 milhões de chineses assassinados! É o único ditador que tem um mausoléu no centro da capital do seu país e, sobre seu mito, o governo comunista mantém ainda o monopólio.

Hoje, a Indonésia possui um governo que se diz democrático, mas continua com os mesmos problemas de 10 anos atrás, entre os quais a corrupção e, mais grave ainda, a ingerência do exército no poder político e no poder judiciária sem que nenhum órgão civil consiga controlá-lo. Esperamos que com o sepultamento de Suharto não sejam sepultadas também as lembranças dos crimes cometidos por um dos últimos ditadores do século XX.

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